ONU, Portugal e Ucrânia: além dos discursos e no caminho da paz

O ponto de partida é a geografia. E esta não é maldita, enquanto suporte da vida. Tão pouco a será a geopolítica…

por Virgílio Machado
Professor na UALG e Autor de Portugal Geopolítico-História de uma Identidade

Um dos maiores desafios da Humanidade no século XXI será colocar a geopolítica como ciência ao serviço da paz. Para induzir segurança, confiança e cooperação positiva internacional acrescidas. Vivemos tempos de guerra militar na Europa. Sofrimento, destruição, morte. Líderes comunicam. Encontros diplomáticos ao mais alto nível realizam-se. Sem sucesso até agora. Necessitamos caminhos e soluções. Pergunta-se: qual o papel da ONU neste futuro?

Portugal é um grande enigma da Europa. Encostado a um extremo marítimo do continente, é o país europeu com fronteiras terrestres históricas mais estabilizadas. Contiguando território exclusivamente com um país mais forte em população, território e recursos. Manteve soberania. Como o fez? A geografia explica-o ? Com a ajuda da diplomacia, certamente. A sua experiência poderá ser útil para a Europa e Ucrânia em particular? Com a sua vizinha, poderosa e conflituante Rússia?

Portugal é pais cruciforme, como explicava o saudoso historiador Jaime Cortesão. Entre um norte intensivo e um sul extensivo, um este rural primário e um oeste marítimo comercial. Este equilíbrio entre opostos explicou uma unidade geopolítica singular. As lógicas de domínio, controlo e demarcação eram sempre refreadas com contrapesos de interatividade, comunicação e interdependência. As fronteiras terrestres, sem barreiras assinaláveis, afinal, eram híbridas e localizavam-se também no mar. Portugal sobreviveu com aliados contrários a potencias hegemónicas continentais.

A Ucrânia e a Rússia podem aproveitar esta experiência. Ou seja, que uma organização geopolítica se constrói por caminhos convergentes partindo de opostos. Como Portugal, a Ucrânia não tem fronteiras terrestres com barreiras geográficas. As lógicas de domínio e controlo, que preocupam Moscovo, com a energia extrativa e mineral do Donbass, a norte podem ser compensadas, a sul, com interdependência na economia de serviços e turismo na Crimeia e no Mar Negro.

A ONU futura deverá ser uma processadora de inteligência geográfica. Providenciando cálculos de risco, troca de informações, assistência internacional baseada em partilha de dados, situações de alerta e fundos comuns para a cooperação. Exemplificando na Ucrânia, com planícies ricas de agricultura intensiva que denominam a Ucrânia justamente ‘o celeiro da Europa’ e que a aproximam da Rússia, outra grande produtora agrícola, compensado com um oeste de urbanização, serviços e terciarização financeira, centrada em Kiev e mais próxima da União Europeia. Complementaridade, interdependência, flexibilidade. Os caminhos da paz.

O ponto de partida é a geografia. E esta não é maldita, enquanto suporte da vida. Tão pouco a será a geopolítica. Porque os conflitos que definirão nosso futuro, como diz Dodds, em Border Wars, muito justamente aplicáveis à guerra entre Rússia e Ucrânia, dependerão da forma como conceptualizarmos e trabalharmos o conceito de fronteiras. Portugal é exemplar histórico nesse domínio. Que o aproveitemos para o futuro!