O génio e o pássaro

Há cerca de cinco anos, numa reflexão sobre Elon Musk, gabei-lhe o génio, a capacidade de iniciativa e de trabalho. Acreditava na altura, como ainda hoje, em Musk como uma pessoa especial, daquelas que marcam uma época quebrando paradigmas, cuja marca e obra perduram muito para além do seu tempo. Ainda acredito, mesmo quando não…

Há cerca de cinco anos, numa reflexão sobre Elon Musk, gabei-lhe o génio, a capacidade de iniciativa e de trabalho. Acreditava na altura, como ainda hoje, em Musk como uma pessoa especial, daquelas que marcam uma época quebrando paradigmas, cuja marca e obra perduram muito para além do seu tempo. Ainda acredito, mesmo quando não o entendo. 

O tema quente que envolve Elon Musk é a concretização da compra do Twitter por nada menos do que 44 biliões de dólares! Segundo a Forbes, que colocou Musk como o homem mais rico do mundo na sobejamente famosa lista de milionários, o valor do negócio representa, em números redondos, um quinto do valor de avaliação do seu património. Há cinco anos, estava longe de uma boa posição no ranking da Forbes, o que é demonstrativo do nível de transformação que pode acontecer num período tão curto. 

Centrando o tema no negócio, não é fácil de entender a compra do Twitter. O valor oferecido é alto, financeiramente duvidoso (as receitas da empresa à data não cobrem os custos de capital e juros dos empréstimos) e, mesmo para o contexto das redes sociais onde já assistimos a algumas ‘loucuras’, como a compra em 2014 do WhatsApp por 19 biliões de dólares por parte do Facebook, o Twitter está caríssimo. Convém recordar que os números nomeadamente de utilizadores, não são comparáveis: o Twitter tem cerca de 20% do número de utilizadores do WhatsApp. O que torna o Twitter apetecível?

Num rápido exercício de memória, o Twitter é provavelmente a rede social mais mencionada nos restantes meios de comunicação. São muitas as notícias, anúncios e discussões que passam começam ou passam pelo Twitter, o papel da rede em fenómenos como a primavera árabe é inegável. Donald Trump terá sido um dos maiores exemplos do impacto que um utilizador individual pode causar através da rede. Mas nem sempre usou da melhor forma ou com boas intenções, o que leva a que o Twitter também seja percebida como a rede mais tóxica. É impossível categorizar e analisar todos os conteúdos que disseminados no Twitter. Já o seu impacto é inegável.

Na análise de Jack Dorsey, fundador do Twitter, Musk aparece como um salvador. Capaz de resgatar a companhia de Wall Street, pois após a concretização do negócio a empresa passará a ser de capital fechado, Dorsey acredita que «a meta da Elon de criar uma plataforma que seja ‘o máximo confiável possível e amplamente inclusiva’ é a correta» para o que considera ser «a coisa mais próxima que temos de uma consciência global». Porém, Musk e Dorsey, apesar de empreendedores muito bem-sucedidos, têm muitas diferenças. Não deixa de soar a ingenuidade achar que o interesse de Musk seja apenas melhorar a transparência e tornar a plataforma mais livre. A tentação para controlar, ou pelo menos interferir no funcionamento e desenvolvimento do Twitter, pode ser algo irresistível para alguém que gosta da ribalta e cujo sucesso, ou melhor, o impacto, em tanto depende da sua capacidade e influência mediática. Que sentido faria um empreendedor visionário fazer uma aquisição desta envergadura, se não fosse para lhe imprimir um cunho pessoal e transformador?

Há teorias, umas mais disseminadas do que outras, que explicam este negócio como uma pressão da China, de quem Musk depende para o produzir os Tesla, e que não morre de amores pelo Twitter. Os protestos em Hong Kong são exemplo de uma ação subversiva cuja mobilização aconteceu através da plataforma, certamente algo que a china gostava que não se voltasse a repetir. Porém, as palavras de Elon Musk, apontam para uma direção contrária «a liberdade de expressão é a base de funcionamento de uma democracia e o Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais para o futuro da humanidade». Os próximos meses validarão, a veracidade da teoria mas também as intenções de Musk.

 

Não é possível prever o que vai ser o Twitter daqui para a frente. O próprio Musk brinca e afirma que já está focado na compra da Coca-Cola. Para já, o Twitter continua a ser o que sempre foi, ou quase. A partir do momento em que Musk entra em cena, os holofotes acompanham, o que cria excelentes condições para que as marcas queiram reforçar os seus investimentos na plataforma. Musk é um ativo que o Twitter nunca teve. E nos dias que correm, quem é que não quer (correr o risco de) estar ao lado de Elon Musk?

Senior Manager da Accenture Interactive