Ilegalização do aborto nos EUA pode estar mais perto do que nunca

Documentos obtidos pelo Politico revelam que o Supremo Tribunal prepara-se para anular o direito ao aborto.

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos estará a preparar-se para anular a lei Roe v. Wade, o processo histórico que, desde 1973, reconheceu o direito ao aborto.

O jornal Politico obteve acesso a um projeto de decisão escrito pelo juiz conservador Samuel Alito e datado de 10 de fevereiro – que ainda está a ser negociado dentro do Supremo –, onde é clara a vontade de derrubar Roe v. Wade e também o caso Planeamento Familiar v. Casey, que previa o direito ao aborto.

“Roe estava flagrantemente errado desde o início. O_seu raciocínio foi excecionalmente fraco, e a decisão teve consequências que provocaram danos. Longe de trazer um acordo nacional para a questão do aborto, Roe e Casey inflamaram o debate e aprofundaram a divisão”, disse o juiz conservador citado pelo jornal norte-americano.

“Acreditamos que Roe e Casey devem ser anulados. É hora de prestar atenção à constituição e devolver a questão do aborto aos representantes eleitos do povo”, acrescentou Alito.

Desde setembro, o novo Tribunal, composto por nove juízes, seis dos quais são conservadores, tem enviado vários sinais favoráveis aos opositores do aborto.

Primeiro, recusou-se a impedir a entrada em vigor de uma lei do Texas a limitar o direito ao aborto às primeiras seis semanas de gravidez, por oposição a dois trimestres ao abrigo do atual quadro legal. Durante uma revisão de dezembro de uma lei do Mississípi, também a questionar o prazo legal para o aborto, a maioria dos juízes do Supremo deixou claro que estavam preparados para alterar ou mesmo derrubar, por completo, o princípio estabelecido por Roe v. Wade.

Segundo o Politico, os juízes que já votaram a favor do derrube desta lei foram Clarence Thomas, Neil Gorsuch, Brett Kavanaugh e Amy Coney Barrett.

Quando for aprovada, a decisão significará o fim de meio século de proteção constitucional federal do direito ao aborto e permitirá que cada estado decida se deve restringir ou proibir o acesso a esta prática, uma medida que deverá ser aplicada na maioria dos estados do Sul e no ‘Midwest’.

A confirmar-se a autenticiade do documento, é a primeira vez na história moderna do Supremo Tribunal que um projeto lei é divulgado publicamente enquanto o caso ainda está pendente e espera-se agora que o debate sobre a legalização do aborto, um assunto altamente controverso e polarizador nos Estados Unidos, seja ainda mais intenso e fraturante.

 

Protestos de ambas as fações

As notícias de que Roe v. Wade pode estar prestes a ser revogado foram recebidas com protestos, nomeadamente, em Washington D.C., à frente do Supremo Tribunal, por grupos de ambos os lados da barricada.

Grupos que defendem a legalização desta prática gritavam palavras chave como “o aborto é um cuidado de saúde” ou “meu corpo, minha escolha”, enquanto manifestantes anti-aborto defendiam: “Roe v. Wade tem de desaparecer”.

“Enquanto mulher, sinto que todos os dias perco um pouco mais os meus direitos”, disse a estudante de 23 anos, Abby Korb, citada pelo Al Jazeera, descrevendo que ficou “literalmente em choque” depois de descobrir a revelação do Supremo Tribunal.

Mas nem todos são da mesma opinião. “Espero que ilegalizem esta lei”, disse Claire Rowan, uma mãe de sete filhos com 55 anos, citada pelo mesmo meio de comunicação, acrescentando que espero que todas as pessoas agora possam “pedir perdão a Deus de forma a curar a nação”.

Esta questão também está a dividir o congresso, com a oposição de legisladores como a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, o líder da maioria do senado, Chuck Schumer, que descreveu esta decisão como uma “abominação”, ou o senador Bernie Sanders, que apelou ao Congresso para transformar a jurisprudência do Supremo em lei e clamou por mudanças no “filibuster”, mecanismo de obstrução do Senado dos EUA utilizado pelos republicanos para bloquear o avanço de legislações do Partido Democrata.

Do lado republicano, apesar de alguma indignação perante o facto destas notícias terem sido reveladas antes do tempo, a decisão foi aplaudida.

“O Supremo Tribunal e o Departamento de Justiça devem investigar como é que esta informação foi obtida usando todas as ferramentas de investigação necessárias”, disse o senador republicano Tom Cotton, mencionado pelo Guardian. “Mas, entretanto, Roe estava notoriamente errado desde o início e rezo para que o Tribunal siga a Constituição e permita que os estados protejam mais uma vez a vida dos fetos”.