O político profissional é a negação da democracia?

O político profissional não é por essência democrático, apenas o é no plano retórico.

por João Maurício Brás

As democracias, ou aquilo em que se transformaram estão em erosão. Em França o que se reputa de extrema esquerda e direita obtiveram 50% numa primeira volta e perto de 30% das pessoas não votaram. As opções anti-sistema crescem porque se quebrou – chegará o tempo, definitivamente – a ligação entre as pessoas, os políticos e as elites.

No plano político, as formas de representação e a respectiva legitimidade são cada vez menos democráticas. O carácter de decisão e de exercício directo do poder dos cidadãos não existe. As pessoas foram abandonadas pela política entregue à economia e a festas com bandeiras verdes e arco-íris.

Esta cisão levou a que nos sistemas ditos democráticos, o exercício cívico e de cidadania sejam cada vez mais residuais, ou a existirem estão dominados pela partidocracia. O que temos é uma semi-democracia de castas políticas. Aliás, a eleição é apenas um momento da democracia, não o único nem o mais importante aspecto. Só a participação efectiva e permanente de cada cidadão concretiza a democracia.

As castas políticas e as elites que predominam desconfiam das pessoas, diria mesmo que até as desprezam e estas sentem que são meros números. O cidadão serve apenas para ser governado perante o político profissional que existe para governar. Aliás, quem nos governa raramente são os melhores e mais capazes em cada área da governação. Os critérios das castas partidárias são outros. O político profissional é uma contradição com a ideia genuína de democracia.

A profissionalização da política produziu uma casta oficial de representantes que se perpetuam no poder apenas alternando por períodos, regra geral, de quatro anos nos governos e em todos os cargos de nomeação governamental que são cada vez mais. O que temos é uma oligarquia de especialistas de poder. Essas oligarquias não constituem um sistema ditatorial, pois as regras do Estado de Direito, embora em muitos casos sejam gizadas por advogados ao seu serviço, ainda estabelecem normas mínimas de democraticidade, pelo menos formal. Mas esse direito está estabelecido de modo a proteger e perpetuar essas oligarquias. Na Europa, o exemplo da União Europeia apesar de toda a sua retórica democrática e progressista, ainda é menos democrática. Os representantes para os mais altos cargos europeus são escolhidos pelas castas políticas. E estes representam, não as pessoas, mas interesses específicos do poder económico, financeiro, bancário ou beneficiam de um exílio dourado da casta. Mas estas castas ditas democráticas e as suas elites estão a instituir um novo totalitarismo que em nome do ‘lado certo da história’ não admite contraditório nem crítica. Falo do debate racional, não de mundos alternativos e delírios irracionais.

O político profissional não é por essência democrático, apenas o é no plano retórico. A representatividade democrática está deturpada. A política democrática tornou-se também dependente do liberalismo económico global, onde os mercados ditam as regras. O bem público, as obrigações cívicas, os laços sociais, os problemas concretos das pessoas são incompatíveis com a escala do global.

O credo do hiperliberalismo dos mercados globais está totalmente desligado das pessoas e das identidades nacionais e culturais, que menospreza. Já não há alternativa dentro desse sistema, senão opções radicais ou uma catástrofe brutal.