Clássico. O desembarque dos 1500 Bravos do Minddelo

24 de Março de 1935, primeiro Benfica-FC Porto para o Campeonato Nacional. Os portistas invadiram Lisboa, mas perderam.

Eram aos magotes. Mais de mil e quinhentos adeptos do FC_Porto, vindos em dois comboios especiais, espalharam pelas ruas de Lisboa agitando as suas bandeiras azuis-e-brancas, fazendo a festa na Baixa, ocupando o Rossio e os Restauradores para se fazerem fotografar com as estátuas, puxando das merendas e matando a fome da viagem. Outros, mais corajosos, ou mais endinheirados, se calhar, vieram pelos seus próprios meios, de automóvel, quero dizer. “A gente do Porto foi recebida com a maior correcção por parte dos desportistas de Lisboa, como seria de esperar, e houve até quem se referisse ao acontecimento chamando-lhe o desembarque dos 1500 Bravos do_Mindelo.

Estávamos na Jornada n.º 10 do primeiro Campeonato Nacional da história do futebol português. Ainda ninguém sabia que os portistas haveriam de conquistar o título, pelo que foi um jogo ao rubro. Foram designados para disputar a prova representantes dos quatro Campeonatos_Regionais mais competitivos: quatro equipas de Lisboa (Benfica, Sporting, Belenenses e União de Lisboa), duas do Porto (FC_Porto e Académico do Porto), uma de Coimbra (Académica) e uma de Setúbal (Vitória). Não houve despromoções. E o molhinho de jogos espalhou-se pelo espaço curto de tempo que mediou entre 20 de Janeiro e 12 de Maio. Ganhou o FC_Porto, como já disse, com Sporting e Benfica nos lugares seguintes. Pelos vistos tal como este ano.

O treinador do Benfica era Vítor Gonçalves, o pai do camarada Vasco Gonçalves que ficaria famoso pela Muralha d’Aço, e o do FC_Porto um húngaro que marcou o futebol em Portugal,_Joseph Szabo, que veria o seu nome lusitanizado para José Sezabo. “O Campo das Amoreiras apresentava um aspecto interessantíssimo, ornamentado com bandeiras vermelhas do_Benfica e azuis-e-brancas do_Footbal Club do Porto – e até de outros clubes da capital, como verdes do Sporting e azuis do Belenenses. A breve trecho, porém, como por encanto, desapareceram as bandeiras do Football Club do Porto como resultado de escaramuças entre o público e seguida de pedidos das autoridades”. Como vêem, não é de hoje. Já lá vão 87 anos! “Todo o recinto está policiado por numerosos guardas da_GNR sob o comando de um tenente. Antes de o jogo começar, o ambiente é de grande nervosismo, prevendo-se uma partida bem animada”.

 

A vitória encarnada

As Amoreiras tinham acabado de ser alargadas com novas bancadas, mas ainda assim houve muita gente que ficou do lado de fora, tentando interpretar os gritos que vinham do redor do campo e perceber qual das equipas ganhava superioridade sobre a outra. Depois, a excitação levou a palma: ninguém aguentou a espera e um grupo enorme de adeptos forçou as entradas. Como dizia um repórter da época, com certo chiste: “Assistiram ao jogo economicamente”.

O Benfica caiu de imediato sobre o seu adversário, obrigando à máxima atenção do grande keeper que era Soares dos Reis. A terrível linha avançada portista – Pinga, Waldemar Mota, Lopes Carneiro e Carlo Nunes – era manietada por completo pelo vigor físico de Gustavo Teixeira, Francisco_Gatinho, Gaspar Pinto e Francisco Albino. A bem dizer, lutava-se mais do que se jogava. E o povo não estava a gostar da forma como se desenrolavam os acontecimentos.

A partir da meia-hora, no entanto, os golos surgiram. Dois ainda no primeiro tempo, ambos para o_Benfica, que jogava um futebol mais activo: Gaspar Pinto (32m) e Rogério de Sousa (43) deram aos de Lisboa uma vantagem que parecia confortável. Mas nunca fiando…

“O público lisboeta dá largas à sua alegria, aplaudindo constantemente os jogadores lisboetas que, no segundo tempo, perdem dois golos certos”. Depois é Vítor Silva, o azougado Vítor Marcolino da Silva, que se viu obrigado a abandonar o futebol com apenas 27 anos por causa de uma tromboflebite, que assina o resultado final aos 75 minutos: 3-0. “O jogo decorreu com ordem e disciplina, sem excessos. Não devíamos destacar ninguém do Benfica porque todos, desde o guarda-redes ao extremo-esquerdo, cumpriam o seu dever. Porém, Gustavo, Gaspar Pinto, Vítor Silva e Rogério merecem citação”. Toda a gente regressou a casa dentro da ordem estabelecida. Os guardas republicanos, a cavalo, metiam respeito aos mais dados a zaragatas. Os bravos do_Mindelo caminharam melancolicamente para estação onde os comboios os esperavam.