Um guia para atravessar o deserto…

Enquanto Moreira da Silva garante a continuidade baça de Rio, Luís Montenegro oferece a rutura e faz a diferença na travessia do deserto que se segue…

Parece já longínquo o pesado revés eleitoral sofrido pelo PSD nas legislativas, quando, ironicamente, Rui Rio pensava levar o PS ‘ao tapete’.

O ainda líder – para mal dos pecados social democratas –, percebeu depressa que não tinha outra alternativa que não fosse demitir-se da liderança do partido, afastado da órbita do poder pelos próximos anos. Mas fê-lo devagar, au ralenti, a pretexto de uma transição pacífica, sem ‘ondas de choque’.

Rio foi uma tragédia que aconteceu ao PSD e ao eleitorado que não se revê no socialismo. Com a sua inépcia, ‘deu de bandeja’ a segunda maioria absoluta ao PS, e ainda se queixa de que as suas propostas de ‘reformas’ não foram compreendidas pelos portugueses.

Em vez de imprimir celeridade ao processo eleitoral interno, deixou que este se arrastasse, continuando a atuar como se nada tivesse acontecido.

Na disputa da ‘herança’ política de Rio, estão dois candidatos, que em nada se assemelham, exceto no respeito que têm em comum por Pedro Passos Coelho. Fora isso, estão nos antípodas um do outro.

Com o mesmo desembaraço com que desafiou Rio a ‘montar o cavalo do poder’, com os resultados que se conhecem, Francisco Balsemão resolveu patrocinar Jorge Moreira da Silva, sendo seu mandatário nacional.

Para justificar o gesto, o militante n.º 1 diz encontrar em Moreira da Silva as qualidades que o recomendam não só para liderar o PSD como para ser «o próximo primeiro-ministro».

É outra ‘profissão de fé’, embora o seu beneficiário não pareça dispor, à partida, dos melhores trunfos para provocar mossa no Governo ‘absoluto’ de António Costa.

Ao contrário dos media, onde ‘deu cartas’ e construiu um império de raiz, Balsemão (descontada a Ala Liberal), nunca primou pela intuição na política.

Mesmo assim, Montenegro não terá a vida facilitada. E precisará de muita agilidade para ser o primeiro na meta desta corrida de obstáculos.

Apesar da temporada no estrangeiro, Moreira da Silva conhece bem a máquina do PSD, o que lhe permite tocar a ‘corda sensível’ dos militantes ao apresentar-se nas redes sociais como um candidato a ‘líder servidor’, e com uma bolsa bem recheada de soundbites reclamando o «direito ao futuro».

Foi há menos de um ano que o então diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE lançou um livro com o mesmo título, e um subtítulo na moda – ‘por um mundo mais justo, mais verde e mais seguro’ –, apresentado por Paulo Portas, e juntando nas primeiras filas Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho.

Se Carlos Moedas renunciou à administração da Gulbenkian para concorrer ao Município de Lisboa, Moreira da Silva abdicou, também, da OCDE para não deixar Montenegro sozinho em campo. À primeira vista, houve desapego profissional em ambos. Mas não são comparáveis.

Ao contrário de Moedas, que promoveu, por sua conta e risco, uma campanha sóbria, sem grandes apoios nem alardes mediáticos, mas cultivando a proximidade, Moreira da Silva correu a aliviar-se no Twitter de verdadeiras ‘pérolas’ do seu pensamento, que fariam as delícias num programa cómico de Ricardo Araújo Pereira.

O mesmo homem que proclama que «não contem comigo para uma política de soundbite» escreveu isto no Twitter, a 25 de Abril: «Comigo os jovens não estão no banco de trás. Se queremos dar-lhes o Direito ao Futuro, temos de os trazer para o cockpit, onde se tomam as decisões».

Na véspera já tinha assumido que «esta é uma campanha startup, construída por todos (…) E se formos uma boa startup, seremos um unicórnio». Por este andar, estamos conversados.

Embora pertençam à mesma geração da família social democrata, Moreira da Silva e Luís Montenegro divergem nos métodos e nas estratégias, até, na identificação dos adversários.

Moreira da Silva reclama a sua «vocação verde» (foi ministro do Ambiente em 2013) e tem-se mostrado muito mais crítico do Chega do que do Governo socialista ou da esquerda comunista, onde o PCP se ‘colou’ à ‘operação militar especial’ na Ucrânia, mimetizando Putin.

Mas, a propósito do escândalo com o Município de Setúbal (comunista), ao colocar colaboradores russos pró-regime no acolhimento de refugiados ucranianos, Moreira da Silva tratou de avisar que «não contem comigo para partidarizar e politizar um tema que é demasiado sério», enquanto Montenegro exigiu uma investigação e o apuramento de responsabilidades, para as quais «não há perdão».

Montenegro ganhou fama como líder parlamentar, ‘sem papas na língua’, pela sua combatividade e acutilância, que, depois dele, se esfumaram na bancada social democrata.

Ou seja, enquanto Moreira garante a continuidade baça de Rio. Montenegro oferece a rutura. E promete: «Não contem comigo para complexos ideológicos, nem para crises existenciais». Faz a diferença na travessia do deserto que se segue…