O estranho dia 9 de maio

Neste dia 9 de maio, de aniversário da Europa e da conquista da paz após a 2ª Guerra Mundial, apenas se pode desejar que não se esqueça a História e que cessem as incoerências, nunca esquecendo as vidas que se continuam a perder

Por Alexandre Faria, Escritor, advogado e presidente do Estoril Praia

Começo por uma irrelevante declaração de interesses para os efeitos deste artigo. Nasci a 9 de maio, alheio às efemérides mais marcantes desta precisa data, tanto as anteriores no tempo, como as que se afirmaram posteriormente.

A data em que nascemos, contudo, segue-nos sempre de um modo muito particular, acabando por nos surpreender pelo desenrolar do destino.

Nesse preciso dia, surgiram no nosso mundo personalidades marcantes como o filósofo José Ortega y Gasset ou os atores Candice Bergen e Albert Finney, foi assinada a mais antiga aliança entre nações, a Aliança Luso-Britânica, e a antiga Alemanha Ocidental aderiu formalmente à NATO. Para além disso, com maior ênfase nos últimos anos, celebra-se não apenas o Dia da Europa, assinalando o momento em que o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Robert Schuman, apresentou em Paris a proposta onde se baseia a atual União Europeia, destacando no seu texto o desejo pela paz e solidariedade, como o Dia da Vitória Soviética, face à capitulação da Alemanha Nazi, por rendição, terminando uma das fases mais terríveis da humanidade e eliminando em definitivo um regime totalitário que devastava a Europa.

A ironia das coincidências deste dia 9 de maio não pode deixar de nos causar estranheza, seja pela intermitente Europa neste conflito armado, coabitando com uma impune Hungria, Estado-membro que permanece à revelia das alegadas decisões europeias mais firmes, como pelas marcantes incoerências das ideologias que costumavam dividir os caminhos, cedendo o seu lugar, cada vez mais, a uma dicotomia apenas estabelecida entre a liberdade e o regresso exacerbado aos nacionalismos.

As afinidades começam a definir-se progressivamente fora dos pensamentos ideológicos tradicionais aos quais estávamos habituados, desistindo das linhas vermelhas que permitiam antever os posicionamentos de vários protagonistas e sucumbindo, em definitivo, a outros interesses que consideram mais elevados. Só assim se entende a proximidade entre Donald Trump e Marine Le Pen a Vladimir Putin, o cargo de presidente do conselho de administração do antigo chanceler alemão Gerhard Schroeder no maior grupo petrolífero da Rússia ou uma hipócrita declaração de guerra proferida precisamente no dia que assinala o fim do mais perigoso regime totalitário, responsável pelo conflito militar que dizimou o maior número pessoas na nossa história. 

Somos forçados a refletir seriamente sobre quem beneficia com esta guerra na Europa, quem pretende que se prolongue à custa de inocentes e a quem interessa que não se conclua. Teremos de o fazer sem complacências ou ambiguidades, porque os direitos humanos deveriam prevalecer sobre todas as questões. Bem sabemos como os confrontos armados podem ser lucrativos, chegando a permitir que algumas economias conquistem a hegemonia à qual não chegariam de outro modo.

Neste dia 9 de maio, de aniversário da Europa e da conquista da paz após a Segunda Guerra Mundial, apenas se pode desejar que não se esqueça a História e que cessem as incoerências, nunca esquecendo as vidas que se continuam a perder.