Cidadãos russos intimidados após denunciarem bullying

Caso de Setúbal marcou tarde de audições no Parlamento, com o Chega a pedir um inquérito parlamentar. Polémica tem alimentado discriminação a russos em Portugal.

Cidadãos russos intimidados após denunciarem bullying

No mesmo dia em que a PJ fez buscas na Câmara Municipal de Setúbal, nas instalações da Linha de Apoio a Refugiados (LIMAR) e da Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo), por suspeita de violação de dados pessoais, o Parlamento esteve ocupado com uma série de audições sobre a polémica do acolhimento dos refugiados ucranianos por cidadãos russos com alegadas ligações ao Kremlin, naquela autarquia.

O primeiro a ser ouvido na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais foi Pavlo Sadokha, presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal (AUP), que contou aos deputados que começou por denunciar em 2011 ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) os problemas da representação desta comunidade nas instituições portuguesas, nomeadamente, no Conselho das Migrações, em que membros da comunidade russa são reconhecidos como representantes dos ucranianos.

 A situação agravou-se depois da anexação da Crimeia, em 2014 e, em 2017, a AUP até desistiu de participar nas eleições para um representante em Portugal, por existir uma maioria de associações russas a participar na escolha do representante da comunidade ucraniana naquele organismo.

Segundo Pavlo Sadoka, já após o início da invasão russa da Ucrânia, a associação começou a receber denúncias de que “organizações que o Alto Comissariado reconhece como de ucranianos”, mas que têm ligações ao regime do Presidente russo, Vladimir Putin, estavam a receber refugiados, tendo levado essas queixas ao ACM.

Afirmações que a Alta Comissária para as Migrações desmentiu na sua audição no Parlamento. De acordo com Sónia Pereira, o ACM só tomou conhecimento da situação de Setúbal pela imprensa, alegando que a Câmara de Setúbal não tem centro de apoio a imigrantes, “nem protocolo com o Alto Comissariado”.

Apesar de confirmar que foram recebidas denúncias desde 2011 sobre ligações pró-Putin dentro da comunidade de imigrantes ucranianos, a responsável argumentou ainda que o ACM não tinha mandato para essa verificação.

 

Intimidação

Desde que o caso de Setúbal veio a público, os relatos de discriminação a russos que vivem em Portugal têm-se multiplicado. Ao que o i apurou há dirigentes de associações de imigrantes russos e de leste que têm sido alvo de intimidações por parte de organismos ucranianos.

“Desde que denunciámos casos de bullying da população russa em Portugal, até eu já recebi ameaças”, confidenciou sob anonimato ao i uma responsável de uma dessas associações. “Não quero mais problemas com o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal”, acrescentou, receando repercussões.

 

Chega propõe inquérito

O Governo pediu à Comissão de Proteção de Dados uma investigação ao caso dos refugiados ucranianos em Setúbal, assim como uma inspeção à Câmara Municipal, “de forma a que se possa apurar o que aconteceu”, revelou a ministra dos Assuntos Parlamentares, numa audição no Parlamento. Considerando a situação “inaceitável”, Ana Catarina Mendes garantiu que o caso será investigado “até às últimas consequências” e que “a tutela, nem esta nem a anterior, em momento algum se desresponsabilizou”.

“Não só não negligenciámos cidadãos como continuamos a dar resposta aos que aqui chegam”, assegura por si e pela sua antecessora na tutela, a ministra Mariana Vieira da Silva.

Horas antes da audição à ministra, o Chega requereu a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito para “averiguar da atuação do Estado português” no acolhimento de ucranianos e esclarecer o eventual envolvimento de associações pró-russas.

De acordo com a proposta do partido de André Ventura, o objeto desta comissão é “averiguar da atuação do Estado português,, com vista a esclarecer quais as responsabilidades das entidades públicas que escolheram desenvolver tais atividades em parceria com associações de cidadãos russos, e quais as eventuais consequências para a imagem e credibilidade internacionais do nosso país”.

Aos jornalistas, André Ventura disse que o Chega “tem estado a recolher elementos sobre as várias suspeitas que têm sido lançadas em relação a algumas associações e à sua ligação ao Kremlin e ao Moscovo”, considerando que poderão estar em causa “atos de espionagem”.

“O Parlamento tem de fazer o seu papel, e o seu papel é investigar”, defendeu, salientando que a atuação do Ministério Público “não impede o escrutínio político” e a constituição de uma comissão de inquérito.

Também o líder da oposição, Rui Rio, desafiou o primeiro-ministro a explicar se sabia ou não do envolvimento de associações pró-regime russo no acolhimento a refugiados ucranianos, sem excluir um inquérito parlamentar futuro sobre o tema.

 “Era obrigação do Governo, e neste caso do primeiro-ministro, travar esta situação seja ao nível do estado local seja ao nível do estado central”, atirou o líder do PSD.