Maldonado Gonelha – Um homem diferente

Mais do que o político ou o gestor, foi um grande amigo que partiu. Para trás fica a recordação da sua obra, do seu percurso e dos serviços ao país, prestados com todo o zelo, lealdade e a maior dedicação. 

Por Luís Paulino Pereira, Médico

O passado dia 13 de abril ficou marcado como um dia triste para mim, pois foi com muita mágoa que recebi a notícia de que Maldonado Gonelha nos tinha deixado. 

Mais do que o político ou o gestor, foi um grande amigo que partiu. Para trás fica a recordação da sua obra, do seu percurso e dos serviços ao país, prestados com todo o zelo, lealdade e a maior dedicação. 

É possível que muitos já não se lembrem dele, não só por terem passado muitos anos desde que abandonou a vida pública, como por ter sido um homem discreto, que quis sempre passar despercebido e andar longe das luzes da ribalta. Esta foi, aliás, uma das suas imagens de marca, que fizeram dele uma pessoa diferente daquilo a que estamos habituados a ver nos dias de hoje. 

Outra característica marcante era o orgulho que tinha do seu passado, não escondendo a ninguém ter sido eletricista, nem o facto de ter frequentado a Casa Pia, continuando a manter o contacto com aquela instituição. Para todos os efeitos, Maldonado Gonelha foi o eletricista que chegou a ministro à custa do seu valor, do seu empenho e de muito trabalho.

Contudo, nunca deixou de ser um homem simples, solidário, amigo do seu amigo, lutando sempre pelos valores em que acreditava. Foi ministro do Trabalho no I e II Governos Constitucionais, e da Saúde no IX Governo, todos chefiados por Mário Soares – o líder que tinha como referência. 

Tornou-se depois gestor de empresas, designadamente na área da saúde, onde deixou também a sua marca. Foi aí que o conheci. Recordo um homem de convicções inabaláveis, preocupado com os problemas do setor, de olhos postos nos doentes e nos profissionais que com ele lidavam. Nas muitas conversas que tivemos, quase sempre em privado, era bem visível a mágoa que lhe causava o sofrimento dos pacientes, e afligia-o profundamente o drama que, por acréscimo, atingia os seus familiares. 

Não escondia o seu apreço pela Medicina Familiar, especialidade que estava ainda no seu início, apoiando com entusiasmo o princípio básico de ser atribuído um médico de família a cada cidadão. «É preciso pôr fim rapidamente ao sistema obsoleto das Caixas de Previdência e dar aos portugueses a medicina de qualidade a que têm direito».

É verdadeiramente lamentável que, com tantos governos que já tivemos nestes anos todos, ainda hoje haja utentes sem médico de família, quer por nunca o terem conseguido, quer por o terem perdido quando os profissionais de saúde passaram à aposentação e não haver clínicos para os substituir. É triste ter de se reconhecer, mas é a realidade. E mais: não há ministro nenhum que não tenha conhecimento da situação, que não faça promessas de mudança, mas, até hoje, nada mudou e o problema mantém-se. 

Recordo aquela vez em que me chamou oficialmente ao seu gabinete para, na presença da sua chefe de gabinete Dra. Maria de Belém, me dar um valente (mas merecido) ‘puxão de orelhas’ pelas muitas reticências que coloquei quando me nomeou auditor do Curso de Defesa Nacional em representação do Ministério da Saúde. O tempo encarregou-se de demonstrar que o ministro estava cheio de razão e que as minhas dúvidas não tinham razão de existir. 

Também não se enganou naquilo que pensava acerca de Maria de Belém, por quem tinha particular admiração e em quem depositava toda a confiança. «Ainda vamos ouvir falar dela, pode crer. Tem muito para dar ao país», ouvi-o dizer algumas vezes. E, uma vez mais, estava certo nas suas previsões. Curiosamente, foi ela que me viria a substituir quando terminei o curso, igualmente por nomeação de Maldonado Gonelha.

Ficará para a História o testemunho de um homem frontal, corajoso, trabalhador mas sempre discreto; no fundo, uma figura pública diferente daquelas que a sociedade nos aponta como modelo. «Procuro fazer aquilo que está ao meu alcance», disse-me uma vez, contando a história de um doente que, ingenuamente, batera à porta de sua casa, pedindo-lhe ajuda para a resolução de um problema que se arrastava no tempo sem solução. E contou-me esse episódio não por se tratar de um caso insólito mas por ter conseguido resolvê-lo!

«Continuo a acompanhá-lo e a seguir o seu percurso», confidenciou-me, numa das últimas vezes em que nos encontrámos. Agora, sei perfeitamente que continuará a acompanhar-me e a seguir o meu percurso na dimensão plena de uma Vida que não acaba. É que os grandes homens, tal como os verdadeiros amigos, não morrem. Vivem para sempre no nosso coração.

(À memória de António Manuel Maldonado Gonelha)