Cabrita não cumpriu regras de segurança, mas é ilibado

Antigo ministro da Administração Interna livra-se do processo que envolve a morte do trabalhador da Brisa, na A6.

As regras em vigor estipulam que deve ser um elemento do Corpo de Segurança da PSP com experiência a conduzir os carros dos ministros, mas são raros os governantes que respeitam esta norma – o que potencia situações como a do trabalhador da Brisa atropelado mortalmente em junho de 2021, na A6, pela viatura em que seguia o então ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

Esta é a conclusão que se tira das novas provas juntas ao inquérito pelo Ministério Público de Évora, que ontem anunciou arquivar as eventuais responsabilidades quanto ao ministro, considerando que isso não tem implicações criminais. Manteve, por outro lado, a acusação de homicídio por negligência exclusivamente em relação ao motorista – Marco Pontes, que conduzia a viatura em vez do chefe de segurança pessoal de Cabrita, a pessoa habilitada para isso -, por ir em excesso de velocidade e na via da esquerda da autoestrada.

O não cumprimento sistemático das regras de segurança por Eduardo Cabrita e por outros ministros foi denunciado no inquérito por duas testemunhas que foram ouvidas nos últimos meses: Nuno Dias, à época, chefe de segurança pessoal de Cabrita, e Alexandre Vieira, chefe do Corpo Pessoal de Segurança da PSP.

Recorde-se que o MP já tinha deduzido acusação neste caso, apenas contra o motorista que conduzia a viatura, tendo Cabrita sido então ouvido como testemunha. O Nascer do SOL noticiou então que o despacho de acusação continha erros factuais, nomeadamente, ao afirmar que no carro do ministro seguiam cinco pessoas (quando apenas iam quatro) e que uma delas era Rogério Moleiro, segurança de Cabrita (quando este seguia atrás, cumprindo ordens, numa segunda viatura da comitiva).

A Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados, que se constituiu assistente no processo, considerou, após a consulta dos autos, que havia provas suficientes para responsabilizar o ex-ministro por um crime de homicídio por negligência, tendo solicitado a intervenção hierárquica do procurador da República diretor do Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora. Este decidiu reabrir o caso e ordenou à procuradora do inquérito que constituísse como arguidos, e os inquirisse, Eduardo Cabrita e o respetivo chefe da segurança pessoal. A magistrada acabou por assumir o erro que o Nascer do SOL detetou e retificou a acusação.

A subversão total das regras é destacada nas declarações feitas pelo elemento do Corpo de Segurança Nuno Dias que afirmou que o condutor das viaturas de altas individualidades do Estado “deve ser um técnico condutor do Corpo de Segurança da PSP” e que o motorista do ministro, Marco Pontes, não reúne esse requisito.

Também o próprio comandante do Corpo de Segurança da PSP, Alexandre Vieira – que foi ouvido nos autos pela primeira vez para explicar o manual de procedimentos desta unidade – dissecou a razão dessas regras, descrevendo as diferenças de “condução de uma viatura por um técnico com formação para o efeito, porquanto está treinado e tem experiência para reagir com maior rapidez, sendo pessoa capaz de reconhecer os perigos com outra destreza”.

Esta testemunha juntou mesmo aos autos um relatório elaborado pelo chefe Orlando Santos (anterior chefe do Corpo de Segurança Pessoal no Ministério da Administração Interna), datado de 14 de janeiro de 2020, no qual dá conhecimento de “algumas debilidades inerentes ao serviço no MAI (…) relativas à própria Entidade (ministro da Administração Interna)” – nomeadamente, o hábito de o então ministro Eduardo Cabrita se deslocar no banco da frente da viatura, o facto de não privilegiar o contacto direto com os elementos do Corpo de Segurança e de a sua agenda frequentemente se encontrar incompleta, o que inibia a preparação atempada das deslocações.

Foi o que se passou, mais uma vez, no dia do acidente que vitimou o trabalhador da Brisa na A6, depois de uma visita do ministro ao Quartel da GNR de Portalegre. Por norma, afirmaram Nuno Dias e Alexandre Vieira, numa deslocação daquele tipo, deve ser o elemento do Corpo de Segurança, o chamado “protetor direto”, a seguir no carro do ministro ao lado do condutor – mas Eduardo Cabrita deu ordens a Nuno Dias para que seguisse noutro carro, atrás do seu.

Ou seja, pelas experiências que são relatadas por estas duas testemunhas, concluiu-se que o acidente poderia ter sido evitado se as boas práticas não fossem sistematicamente desrespeitadas pelo governante.

Conforma explica o comandante do Corpo de Segurança “mesmo que o condutor da viatura não fosse um técnico do Corpo de Segurança Pessoal, seria prudente que, pelo menos, uma pessoa deste Corpo seguisse dentro da viatura, para auxiliar o motorista na condução, sinalizando perigos e obstáculos, e na proteção da Alta Entidade”.

Eduardo Cabrita também foi ouvido no inquérito, voltou a afirmar que não deu quaisquer instruções ao motorista para seguir na faixa da esquerda da autoestrada e em excesso de velocidade – da qual não se apercebeu, aliás, por ir no bano de trás da viatura, a trabalhar com os seus dossiês.

E em relação ao não cumprimento das regras de segurança, admite “que é prática comum entre os Ministros não recorrer a técnicos do Corpo de Segurança da PSP para o desempenho destas funções, mas antes optar entre motoristas profissionais nomeados para o efeito”.