As sapatilhas luxuosas mas destruídas da Balenciaga

É o mais recente lançamento da Balenciaga e já tem começado a dividir opiniões. Pagar mais de mil euros por um produto “destruído”? Sim! A coleção Paris Sneaker, apresenta os sapatos no pior estado possível, para questionar a ideia de imortalização e criticar o desejo de novidade constante da indústria da moda.

Antes de sair da casa dos pais para viver sozinha, Joana entrava diversas vezes em divergência com a mãe. Não por aquilo que dizia ou pelos comportamentos que tinha, mas sim por algo pouco comum: aquilo que escolhia para calçar. “A minha mãe sempre me disse que uma das primeiras coisas às quais as pessoas atentam quando nos observam é aquilo que temos calçado, ou o estado em que se apresentam os nossos sapatos! Que o calçado diz muito sobre nós!”, começou por explicar ao i, Joana, de 24 anos, acrescentando que essa também é uma coisa “à qual o pai é atento”. Contudo, na sua cabeça, isso “nunca fez muito sentido”.

Ao contrário de grande parte das mulheres, a jovem não é muito apreciadora de calçado, nem mesmo de vestuário ou marcas. “Quando tenho uma peça, um acessório, ou um par de botas que realmente gosto, uso-as ‘até à morte’. Principalmente quando é calçado. Como não é uma coisa a que não dou muita importância – que não me deslumbra – o que mais conta, para mim, é que sejam confortáveis e que estejam usáveis”, brincou. Em adolescente, quando chegava a casa da escola, muitas vezes apercebia-se que os seus sapatos haviam desaparecido. Durante a sua ausência, a mãe colocava-os no lixo para impedir que a filha os voltasse a calçar. “Também acredito que acabamos por criar uma ligação emocional com as peças, independentemente do seu estado. Está rasgado ali, tem um buraquinho aqui, ou uma mancha que não sai? É história! Se consigo usá-los quero continuar a escrevê-la”, contou a jovem.

E agora, ao que parece, essa é a nova “aposta” da marca de luxo francesa Balenciaga que vem colocar uma questão “em cima da mesa”: Quem é que disse que sapatos novos precisam de parecer efetivamente novos? Por mais que seja conhecida como uma marca centenária, cara, com várias singularidades que a identificam e simbolismos edificados pelo seu fundador, o estilista espanhol Cristóbal Balenciaga, nos últimos anos, sob a atual direção criativa de Demna Gvasalia, a etiqueta tornou-se conhecida sobretudo pelos modelos de sapatilhas bizarros e pelas suas apostas arriscadas mas únicas: depois dos Crocs de salto alto, que muito deram que falar, desta vez, a gigante francesa lançou umas sapatilhas “indestrutíveis”. Porquê? Porque já têm, de origem, um aspeto destruído… Um modelo que parece ter sobrevivido ao passar do tempo e que acabou de ser exumado como achado arqueológico.

 

A intenção por trás da coleção

Propositadamente desgastado e sujo, a coleção, apelidada Paris Sneaker, procura “reformular um design clássico, que faz referência às práticas de atletismo de meados do século” e o azul escuro, o branco e o vermelho são as cores escolhidas para alcançar esse visual. O sapato é idêntico ao clássico converse. Contudo, apresenta detalhes de buracos, bem como marcas de arranhões e solas sujas grafitadas com o nome Balenciaga.

De acordo com o que se pode ler no site da marca, o design sugere “que estão destinados a serem usados durante a vida toda” e surge como “um comentário disruptivo acerca da durabilidade na indústria da moda”. A campanha, que foi lançada na segunda-feira, dia 9 de maio, conta com o trabalho do fotógrafo Leopold Duchemin.

Mas apesar disso, as fotos dos ténis destruídos que circulam nas redes sociais não contam a história toda. As imagens são na verdade de versões exageradas e de edição limitada da coleção. De acordo com a casa de moda, apenas 100 pares de ténis “extra destruídos” estarão disponíveis para compra por 1850 dólares, o equivalente a 1758 euros. Enquanto isso, a edição não limitada e as versões menos gastas estão à venda no seu site por 495 dólares e 625, o equivalente a 470 e 594 euros respetivamente, dependendo do estilo específico escolhido. Os novos ténis estão disponíveis nas lojas europeias desde 9 de maio, nos Estados Unidos e Oriente Médio estarão a 16 e no Japão no dia 23.

 

Uma piada de mau gosto?

“O que a marca está a querer fazer é a desafiar a ideia de valor e de consumo”, defende ao telefone com o i, o estilista Isidro Paiva. Ou seja, para o artista, a Balenciaga pretende “desafiar as perceções das cadeias de luxo”: “Esta ideia é de ‘cadeia de valor’. Isto é uma espécie de oposição a esse afazer. O afazer pela destruição!”, explicou. Segundo o mesmo, o lançamento da coleção dos Paris Sneaker tem, mais uma vez, muito mais a ver com “a perceção artística do estilista e do seu entendimento do mercado, do que propriamente com uma direção comercial das coisas”. Além disso, Isidro Paiva, acredita que também estamos perante da ideia de buzz ou meme, “que acaba por dar visibilidade”: “Eles têm apostado muito nisso e deixam-nos sempre com a interrogação: ‘Qual será o próximo passo?’. Ora bem… O problema é que pode cair um bocado no gratuito. Esta forma de fazer as coisas acaba por ser uma repetição. ‘O que é que vamos fazer agora para chocar o mundo?’, isso acaba por tornar um bocado banal a forma como o Gvasalia quer trabalhar. Quer distinguir-se, mas na minha opinião acaba por se tornar banal”, revela o estilista.

Já Manuel Serrão, CEO da Associação Seletiva de Moda, admite que para si, esta coleção é “inacreditável’’: “É um mau gosto terrível! Sobretudo com o preço a que está!”, afirmou ao i, admitindo que “nunca compraria umas sapatilhas dessas a preço nenhum”. Interrogado sobre a intenção da marca, o CEO, acredita que a marca está a tentar aproveitar a ideia de que “há muita gente na guerra que infelizmente ficou com os sapatos naquele estado”. “Até isso acho de mau gosto! Acho que eles estão a querer aproveitar esta onda da guerra para venderem… Já houve uma moda há uns anos que imitava os camuflados da guerra. Nessa altura era uma ‘moda militar’, não se estavam a aproveitar de nada, não tinha nenhuma conotação evidente. Agora, em plena guerra, acho que existe. Não deviam fazer isso, mas eles é que sabem!”, lamentou Manuel Serrão, sublinhando contudo que, “os clientes têm sempre razão”, por isso, se houver compra, “eles é que estão certos”.

 

A moda da “desconstrução”

Desde que Demna Gvasalia assumiu a direção criativa da empresa, nada voltou a ser o mesmo. O artista é conhecido pelo seu talento “disruptivo” e não é a primeira vez que os seus trabalhos são recebidos com reações tão díspares. Há sempre quem os considere “geniais” e quem acredite que o estilista vai “longe demais”. Em 2017, a Balenciaga lançou uma bolsa que custou 2145 dólares, o equivalente a 2 mil euros, idêntica ao saco azul que nos vende a IKEA. Nessa altura, a marca foi ridicularizada por essas semelhanças, já que a bolsa “Frakta” da empresa alemã, não chega a um euro. Além disso, Gvasalia, inspirado no famoso desconto “compre 1 e leve 2”, criou uma camisa costurada numa t-shirt. A peça (ou as peças) custavam 1290 dólares, aproximadamente 1221 euros.

No campo do calçado, as suas criações parecem que vão dando forma àquilo que pode ser chamado de “anti-estilo”, posicionando sapatos que nunca ninguém imaginou no campo da obsessão. No mesmo ano de lançamento da bolsa, a gigante francesa criou, juntamente com a marca a Croc, as crocs de plataforma – Collabs – por 850 dólares, o equivalente a 805 euros, que esgotaram antes mesmo de chegarem às lojas – Justin Bieber chegou mesmo a usá-las no tapete vermelho.

Este ano, para a coleção primavera/verão, Demna foi mais longe e numa segunda colaboração com a marca dos sapatos de borracha, criou as Clones Balenciaga: Crocs de salto fino. A nova criação ainda não tem preço divulgado, sabe-se apenas que a versão terá duas cores: verde folha e preto.

Mas não é só a Balenciaga que tem surpreendido o mundo com as suas criações ousadas. Em 2018, a marca francesa Maison Margiela teve um grande sucesso ao promover as roupas “desconstruídas”. O seu estilista, John Galliano – conhecido pelas suas criações provocadoras e fora do comum – criou uma camisa sem tecido, apenas com as costuras, mangas e gola, vendendo-a a 3700 dólares, cerca de 3500 euros. Em 2019, a Fenty, marca de Rihanna com a Puma, criou um híbrido entre sandália de dedo e salto alto, com a tira do sapato a lembrar uma fita de tornozelo de pranchas de surf. Já a Nike preocupou-se em arranjar um sítio para os seus clientes “guardarem as chaves e o dinheiro”: a marca criou um novo chinelo slide, que no lugar da tira, apresenta uma pequena pochete. Apelidados Nike OffCourt Slide Be True, os chinelos celebram o orgulho ao homenagear as comunidades LGBTQIA+ de todo o mundo.