João Rendeiro pediu ajuda a amigos nos últimos dias

João Rendeiro aproveitou a transferência passageira para uma cela individual para pôr termo à vida. A impossibilidade de movimentar os dinheiros colocados em offshores  no estrangeiro levaram-no a uma situação de miséria e desespero. No início desta semana pediu ajuda financeira a amigos para acorrer a situações urgentes. A própria advogada que o patrocinava preparava-se para…

Um homem pode mais depressa ser vítima das suas afirmações públicas do que das suas convicções. O orgulho é, muitas das vezes, o peso na balança. O que parece adaptar-se como uma luva a João Rendeiro. O ex-banqueiro, que fugiu do país por ter sido condenado a 20 anos de prisão no âmbito de três processos judiciais, havia dito aos media que nunca regressaria a Portugal.

Numa carta dirigida a um amigo, datada de 2 de setembro de 2021, que viria a ser publicada no Tal & Qual, Rendeiro já apontava um desfecho para a estrada da sua vida: «É muito improvável que nos voltemos a ver e quero dar-te algumas explicações. Não que duvide da tua incondicional Amizade, mas para ti e muitos outros, importará saber o que me vai na alma. Não creio que, com vida, volte a Portugal e assim, de algum modo, esta é uma carta de despedida».

Contudo, quando escreveu a missiva, o antigo presidente do BPP ainda não era um homem desesperado. A advogada, June Marks—um nome de peso nos crimes de colarinho branco que contratara antes de optar pela África do Sul, segundo fonte próxima da família, garantira-lhe que naquele país ele nunca seria extraditado.

Entrevista televisiva permitiu captura 

Cheio de confiança, Rendeiro brincava ao gato e ao rato com as autoridades Portuguesas. Nunca se deve desprezar a inteligência do inimigo. Numa entrevista à CNN Portugal, cerca de duas semanas antes de ter sido detido, a 11 de dezembro de 2021, na Forest Manor Boutique Guest House, um empreendimento turístico de luxo, acabaria por dar o flanco. As cortinas do quarto do hotel foram identificadas pela Polícia Judiciária (PJ) e o seu paradeiro denunciado.

Contudo, quando escreveu a missiva, o antigo presidente do BPP ainda não era um homem desesperado. A advogada que contratara antes de optar pela África do Sul, segundo fonte próxima da família, garantira-lhe que naquele país ele nunca seria extraditado. Tratava-se de June Stacey Marks, conhecida por ter um escritório cujas especialidades são liquidações, investigações criminais, insolvências, crimes de colarinho branco, contratos e extradições. A profissional já teve em mãos casos mediáticos, como o do empresário J. Arthur Brown, acusado de ter desviado mais de 77 milhões de euros dos fundos geridos pela sua empresa, a Fidentia.

Rendeiro tinha advogado oficioso 

As circunstâncias têm uma força apreciável na vida dos homens, e o dinheiro que João Rendeiro havia colocado em contas bancárias offshore – e que lhe permitira viver à grande em locais como o subúrbio de La Lucia, na cidade costeira de Durban – deixou de circular com a sua prisão. A situação económica sufocava-o e os causídicos, habituados a lidar com homens de posses, afastaram-se. Nos primeiros dias desta semana falou a amigos pedindo ajuda financeira para fazer face a pagamentos urgentes. 

Ontem, quando seria suposto Rendeiro apresentar-se a tribunal, para dar início ao processo de extradição para Portugal, a advogada estaria prestes a deixar de o representar. Esta decisão seria comunicada à justiça exatamente nesta sessão. Em causa estava a falta de pagamento dos seus honorários e as autoridades judiciárias sul-africanas nomeariam um defensor oficioso. 

Corpo encontrado enforcado com um lençol

Aproximava-se o momento que o ex-presidente do BPP mais temia e que a sua advogada lhe garantira que não iria suceder. «O máximo de dias de detenção permitido num caso como este é 18», dizia June Marks a 12 de dezembro, sendo que acrescentava que o que estava «em discussão» era «um pedido de liberdade sob fiança, não há nada mais a acontecer, nada de extradição».

June Marks adiantou que foi chamada para identificar o corpo do ex-banqueiro, encontrado num cenário de enforcamento. «Pediram-me para identificar o corpo. Estou à espera da chamada do responsável da investigação para ir. Depois, irei tratar dos procedimentos para a trasladação», afirmou, em declarações à agência Lusa. Acabou por ser o cônsul-honorário de Portugal em Durban, Elias de Sousa.

A advogada observou que a morte de Rendeiro, de 69 anos, «foi um grande choque» e que «ninguém estava à espera», mas adiantou não ter grandes expectativas acerca das diligências das autoridades sul-africanas para apurarem as circunstâncias do alegado suicídio do antigo líder do BPP. «Duvido que descubram muito mais na investigação», acrescentou.

Note-se que, após a audiência no tribunal de Verulam Magistrates, em Durban, a 14 de dezembro do ano passado, Rendeiro garantiu aos jornalistas que ia recusar a extradição: «Eu não volto a Portugal», afirmou. 

Mudança de cela para ir a tribunal

Os corredores da prisão de alta segurança de Westville são longos e labirínticos. Sempre que um preso tem de se apresentar em tribunal, para não se perderem horas na extensa travessia, é deslocado para uma cela mais próxima da saída do presídio. 

Rendeiro que, no quotidiano, partilhava uma cela com 50 reclusos, foi assim mudado para outra, de transição, que lhe deu a oportunidade de se matar. Sozinho, enforcou-se com um lençol, longe dos olhares dos reclusos com quem estava diariamente, cumpriu a sua vontade.

O ex-banqueiro acabou como prometeu: não regressava a Portugal com vida. E a advogada que o ia abandonar, mas que sobre o assunto não quis avançar explicações tendo apenas referido ao Sapo 24 que os motivos «ficavam entre os dois» foi chamada, ironicamente, pelas autoridades para identificar o corpo. Um fim anunciado.

Artigo atualizado às 16h30 do dia 14 de maio de 2022