Se a covid assusta, este Estado assusta mais…

Fala-se em 6.ª vaga como se alguém percebesse que tivesse havido as 4ª e 5.ª vagas… 

1. Covid: os números voltam a ser aterradores, ultrapassando já os 20 mil casos diários. Há dias, ainda antes do anúncio deste surto, escrevia-se na comunicação social que Portugal liderava com 1150 casos o ranking por milhão de habitantes na Europa e classificava-se num humilhante 3.º lugar a nível mundial.

Parece que finalmente uns quantos peritos andam a dizer o óbvio, ou seja, foi uma precipitação o abandono do uso das máscaras, à qual acresceu, por pressões económicas uma evidente liberalização social. Os casos aumentaram exponencialmente, as mortes continuam nas dezenas diárias e, na minha opinião, não pode valer tudo. Nas guerras, costuma dizer-se que as mortes são ‘danos colaterais’! Será que os nossos políticos olham para os custos de refrear a economia versus as mortes causadas, igualmente da mesma maneira?

O índice de transmissibilidade (Rt) vai em 1,17 e continua com tendência de subida. Fala-se em 6.ª vaga como se alguém percebesse que tivesse havido as 4ª e 5.ª vagas… Finalmente, ao fim de largas semanas, surgiu Graça Freitas a explicar o que todos já sabemos, a confirmar que não sabe o que fazer a não ser anunciar novas doses de vacina. Como Marta Temido, a limitar-se a anunciar testes gratuitos se houver testes positivos em casa. Nada mais têm para dizer? Medidas de fundo para contenção da pandemia? Zero! Ao estilo do ‘seja o que Deus quiser’…

2. Já todos percebemos que existem problemas estruturais na função pública. Problemas de falta de dinheiro, como foi retratado no programa Essencial na SIC Notícias (11 de maio de 2022) sobre as clamorosas dificuldades financeiras da ASAE, mas também de ‘organização e métodos’, transversais a todos os setores, como na Saúde, publicamente reconhecido por Marta Temido (21 de outubro de 2021 no Telejornal da RTP 1). Assim, não surpreende, como exemplos de consequências óbvias, a assustadora falta de eficiência e de eficácia dos serviços, com que os portugueses se confrontam e sustentam.

O PRR é olhado por muitos como ‘a chave’ para a resolução dos problemas, ao alocar verbas para a modernização do Estado, sobretudo melhorando a informatização dos serviços, muitos deles com infraestruturas arcaicas. Congratulo-me com isso, mas em tudo o que tiver a haver com ‘organização e métodos’ creio que não serão obtidos resultados palpáveis se não forem ao cerne dos problemas.

Falemos um pouco de temas em concreto dado que as últimas semanas têm sido férteis em notícias sobre a falta de atratividade para a profissão de professor e para a incapacidade de atrair/reter médicos na função pública (com todos os custos inerentes para a eficiência do SNS). Em ambos os casos, seguramente questões de (falta de) dinheiro para cativar profissionais, mas claramente que não só.

Falemos um pouco dos professores. Muitos andam pelo país, de ‘mochila às costas’, ano após ano à espera de efetivações que só chegam em fases tardias das suas carreiras e que nada incentivam a constituir famílias. Notícias publicadas referem «dezenas de professores com mais de 62 anos ainda à procura de lugares nos quadros». Serão custos da precariedade na função, mas eu creio serem muito mais custos da desorganização no setor. 

Posso ainda acrescentar temas como o facilitismo nas escolas, as pressões sofridas para, de alguma forma, liberalizarem as passagens, ou seja, não serem tão ‘duros’ nas avaliações. As escolas vivem de alunos e precisam de alunos para ter viabilidade económica. Soube particularmente de casos no ensino universitário que me parecem altamente preocupantes, porque estando nos últimos anos da escola há sérios riscos de impreparação para a vida profissional. 

Depois, há um problema fulcral de respeitabilidade, sobretudo talvez no Secundário, mas ao que me dizem demasiado transversal para ser exclusivo deste. Como me ensinaram há muitos anos, ‘uma mesa bem-posta, ensina a comer’. Falta isso nas escolas. Uma disciplina vertical, comummente aceite como regra de convivência, com predominância de libertinagens confundidas com liberdades. Consequências? Demasiadas baixas psicológicas e alunos sem aulas. Os que resistem e por lá andam, mesmo por vocação, de repente descobrem alternativas melhores, nem sempre razões salariais, mas também, e… ala que se faz tarde.

Sem falar na realidade do envelhecimento da população dos professores, exatamente por falta de entradas de jovens. Este ano, só em janeiro e fevereiro aposentaram-se, ao que li, 338 professores, depois de quase 2 mil em 2021 (o valor mais alto desde 2013). Até 2030, cerca de 52 mil professores irão reformar-se (60% dos professores no ativo neste ano letivo). Segundo estudos da Universidade Nova, haverá que recrutar «cerca de 34,5 mil professores até ao final da década».

Não há volta a dar, Dr. João Costa. Há que atrair jovens para a carreira de professores e isso passa seriamente por uma radical mudança de mentalidades nas escolas. Igualdade de oportunidades, liberdade com disciplina, exigência, são quesitos de um ensino sadio e, seria a minha sugestão, começar por aqui, pela defesa destes valores, talvez até antes de ‘atirar com dinheiro’ para cima do problema.

O tema da falta de médicos no SNS sente-se sobretudo na realidade da falta de médicos de família, em que mais de 1,3 milhões de portugueses continuam à espera da designação do seu. Por detrás desta questão, tantas questões se poderiam debater, como (i) a abertura do ‘numerus clausus’ nos acessos às faculdades de Medicina; (ii) orientar médicos jovens para a especialidade de ‘Medicina Geral e Familiar’; ou até (iii) obrigar todos os que se formam através de faculdades de Medicina estatais a cumprir um número mínimo de X anos no SNS.

No entanto, estamos hoje com um problema que há que tentar suprir no imediato e o Governo PS (leia-se Marta Temido) poderia ter elasticidade mental para isso, até porque temos médicos, entre o público e o privado, em número suficiente a nível nacional para suprir esta questão. Por exemplo, que tal o Governo aceitar o princípio de designar médicos de família entre quem se encontra no setor privado? Eu sei que para quem combate o setor privado, esta ideia só causa repulsa. Mas não causará maior repulsa continuar este ‘status quo’?