Geopolítica e paz – um ensaio

A geopolítica da paz assume o princípio do cruzamento de lugares. Rússia, China, Índia ou o mundo árabe não pensam ou agem politicamente como nós. E vice-versa.

Por Virgílio Machado, professor na UALG e autor de Portugal Geopolítico – História de Uma Identidade

Um artigo de opinião não faz Ciência; esta é um projeto coletivo. O fundamento último da Ciência Política é ser instrumento ao serviço da humanidade e da paz. Implica uma agenda de mobilização universal. Porque o mundo está dividido, inseguro e com potencias nucleares em guerra, por enquanto, indireta na Europa. 

Será uma utopia? Kant, no século XVIII, na Paz Perpétua, sobre ela refletiu. No século XXI, o historiador Michael Howard na Invenção da Paz, atribui-lhe uma natureza instável e volátil. Mas há invenções históricas que ficaram para a eternidade, como o fogo ou a eletricidade.

A geopolítica não é só o estudo das relações entre um Estado e seu território. Uma conceção que, no século XX, impeliu à guerra entre Estados e ao século mais violento e mortífero da História. Esta ensinou-nos outras formas e conteúdos de organização política, como o igualitarismo nómada, o parentesco alargado ou comunidades de interesse internacionais. Apropriadas num mundo digital onde um Estado regulador é parte fraca na equação. Também respeitador das diversidades geográficas. O mundo não é igual em todos os cantos do planeta.

O poder da paz faz-se pelo controlo da energia. Entender o mundo como um estado de reconversão energética que pulsa por vagas sucessivas. O primeiro choque petrolífero foi há cerca de 50 anos. Nos anos 20, o petróleo  tinha sido descoberto. Leia-se Marchetti em Fifty Years Pulsation in Human Affairs. Os embargos de energia à Rússia são a guerra atual num mundo pandémico causado por acumulações energéticas e perdas ambientais. A batimétrica da paz faz-se com monitorização das conversões de energia, colocando a militar ao serviço de aplicações ambientais e sociais benignas.

Ensaie-se o respeito pelo planeta, enquanto unidade. Um poder da paz é processual  e inteligente visando organizações políticas com poderes territoriais de produção de energia e que as enquadrará em padrões comuns de extração, distribuição, diversificação e retenção. Flexibilidades serão necessárias atento o contexto geográfico, situações de risco ou contributos acrescidos para a solidariedade internacional.

A geopolítica desenvolverá sistemas de informação, inteligência geográfica e experiência cooperativa. Em reservas naturais do planeta ou mega cidades.  Gerindo equilíbrios quantitativos de potencialidade energética, ora de concentração, ora de atomicidade. Para que indicadores qualitativos de coletivo e individual expressem compromissos.

Geopolítica inteligente é a que compreende como certas formas e conteúdos de exploração da energia geram sistemas de governo distintos. Um governo internacional será essencialmente judicial na resolução de conflitos. Mas as divergências geopolíticas versarão sobre métodos e informações e não sobre crimes de guerra.

Uma verdade última, como diz Baggini em How the World Thinks é uma combinação de perspetivas. A geopolítica da paz assume o princípio do cruzamento de lugares. Rússia, China, Índia ou o mundo árabe não pensam ou agem politicamente como nós. E vice-versa. O mundo que idealizámos como bom para a humanidade não existe. É preferível que a humanidade viva em paz com a melhor inteligência possível.