Algarve ganha com guerra e inflação mais baixa face a outros destinos

Perspetivas são animadoras e procura deverá atingir valores próximos de 2019. Turistas estrangeiros fogem de destinos, como Turquia e Grécia e mercado nacional ganha com isso. A noção de beneficiário líquido ganha cada vez mais terreno.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Portugal poderá ser considerado um “beneficiário líquido” da atual situação geopolítica no leste europeu. E se até à guerra, a localização do nosso país até era considerada uma desvantagem por ser periférica, agora é vista como uma mais-valia tendo em conta que poderá capitalizar um acréscimo de turismo. A garantia foi dada ao i por Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa. Já antes Marcelo Rebelo de Sousa tinha usado a mesma expressão e defendeu que “o inteligente é saber aproveitar essa ocasião”.

E o Presidente da República foi mais longe: “Tal como aconteceu, embora de forma muito diferente na Segunda Guerra Mundial, somos de momento beneficiários líquidos da situação vivida: Portugal está solidário na guerra, mas é visto como longínquo da guerra, é visto longínquo da guerra para o turismo, é visto longínquo da guerra para o investimento”.

Os resultados estão à vista: o Algarve deverá atingir níveis recorde este verão, captando não só os turistas tradicionais, mas também aqueles que querem fugir de destinos, como a Turquia devido à proximidade com o conflito.

E não só. Também o destino Portugal está a ganhar à Grécia devido à elevada taxa de vacinação. Diogo Moreira da Cruz, português residente no Reino Unido, garante que o nosso destino está a ganhar cada vez mais pontos face à concorrência. “Ninguém quer ir para a Turquia por causa da guerra, acham que há uma proximidade perigosa e ninguém quer arriscar. Já a Grécia que era um país com bastante procura por parte dos ingleses também foi perdendo terreno porque foram sendo divulgadas notícias de famílias bloqueadas no aeroporto. Os ingleses odeiam restrições e confusões relacionadas com a covid. Ninguém quer arriscar países confusos e aqui já tomos perceberem que Portugal com as vacinas e com o formulário que precisam de preencher as coisas correm bem, como também saíram várias notícias de Portugal ser considerado um dos países mais seguros. Nesta altura de guerra isso conta imenso”, diz ao i.

 

Perspetivas animadoras

Os vários responsáveis do setor contactados pelo nosso jornal são unânimes em garantir que as projeções são animadoras. Além de Portugal estar longe do conflito beneficia ainda do facto de ser considerado um país seguro e ter uma taxa de inflação, apesar de alta, que fica aquém de outros países, o que acabará por ser refletir no preço final. De acordo com os últimos dados da Comissão Europeia, a inflação deverá subir para 4,4%, mas ficará aquém da Zona Euro que deverá ultrapassar os 6%.

O presidente da Confederação do Turismo de Portugal não se mostra surpreendido com o sucesso do destino de Portugal – ainda esta segunda-feira, a Comissão Europeia mostrou-se mais otimista do que o Governo ao prever que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 5,8% este ano, afirmando que o setor dos serviços, particularmente o do turismo internacional, irá recuperar “intensamente” face à base baixa dos anos anteriores afetados pela pandemia ­– até tendo em conta o barómetro que foi a Páscoa, com ocupações hoteleiras acima dos 80%. “Esperamos que este nível de ocupação se venha a verificar este verão, pelo que este será sem dúvida o ano de início da recuperação do turismo, depois de dois anos de pandemia e da quase estagnação da atividade turística”, diz ao i, Francisco Calheiros. E acrescenta: “Há que destacar que os dados de março da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) que demonstram que a recuperação das viagens aéreas já é uma realidade, sendo que os impactos do conflito na Ucrânia sobre a procura de viagens aéreas foram globalmente bastante limitados, enquanto os efeitos relacionados com a pandemia continuaram, em grande parte, confinados aos mercados domésticos asiáticos.  Podemos, pois, com alguma segurança, dizer que em 2023 poderemos estar em condições de voltar aos números de 2019”.

O responsável não hesita ao admitir que tem “plena noção que Portugal é um país seguro, em todos os sentidos, um destino que tem excelente qualidade, uma grande diversidade de oferta e um clima extraordinário, pelo que será normal que Portugal seja um país escolhido pelos turistas que antes escolhiam destinos como a Turquia e a Grécia, mas que devido à instabilidade que se vive naquelas geografias, optem por outros destinos, estando Portugal no topo das preferências”.

 

Valores de 2019

Para João Fernandes, presidente Associação de Turismo do Algarve (ATA) não há margem para dúvidas: “Temos reservas, até outubro, superiores a 2019”, não só no alojamento, mas na animação turística, no rent-a-car, no golfe e nas agências de viagens. “É um feito notável. Portugal como um todo – não é só o Algarve – é o segundo país a retomar mais rapidamente o nível de ligações aéreas para outros países, o que é muito relevante no espaço europeu. Também ao nível das reservas dos diferentes subsetores do turismo, há uma crescente componente das chamadas reservas non refundable booking, as chamadas reservas pré-pagas. O que mostra confiança que se vai concretizar essa reserva e que, eventualmente, não haverá um cancelamento”, diz ao i.

De acordo com o responsável, o mercado britânico e o irlandês são os que estão a dar melhores notas em termos recuperação, desde o período da Páscoa, no entanto, chama a atenção para a importância dos turistas nacionais na época do verão. “O grande contingente é nacional e assim esperemos que permaneça, assim como o mercado de proximidade de Espanha a que, naturalmente, se junta o mercado britânico, alemão, holandês, irlandês, francês, entre muitos outros”. 

 Uma opinião partilhada por Cristina Siza Vieira, presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) ao garantir que as perspetivas são boas para o verão, tal como já tinha sido anunciado no início do ano.”Estamos com uma situação de crescimento intenso e com uma procura muito grande por Portugal e as reservas em relação ao Algarve apontam para que tenhamos um excelente verão”, diz ao i, ainda assim, não se quer comprometer se vamos atingir os valores de 2019, ou seja, de pré-pandemia. “Se vamos ficar como em 2019 ou não ainda não sabemos. De qualquer maneira tudo indica que vamos ficar muito próximos aos níveis de 2019, depois logo veremos como é que fechamos o ano, mas é natural que o verão atinja todos os resultados de 2019”.

Já em relação ao facto de podermos atingir taxas na ordem dos 100%, a responsável diz apenas que “ainda é um bocadinho cedo para falar”, mas reconhece que os meses de verão estejam muito próximos disso e, como tal, nessa altura, os preços deverão puxar pela rentabilidade da hotelaria”. Mas deixa um alerta: “Apesar de ser um destino muito procurado pelos turistas nacionais é evidente que os proveitos vindos dos turistas estrangeiros são superiores. É um destino de excelência dos mercados inglês, francês , italiano e espanhol”. Uma situação que, segundo Siza Vieira, ganha maiores contornos quando estamos atualmente a equilibrar os pratos da balança. “Como sabemos, nos anos da pandemia foi o mercado nacional que mais nos procurou, mas desta vez, estamos a assistir claramente a uma afirmação do destino Portugal/Algarve nos mercados emissores estrangeiros”.

 

Preços poderão subir

A presidente executiva da Associação da Hotelaria de Portugal admite que face a este aumento de procura e acima de tudo à subida da taxa de inflação é de prever um crescimento em termos de valor. “Naturalmente a inflação existe e não só os preços terão de acompanhar a inflação como se queremos crescer em termos de resultados efetivos não se podem limitar a absorver a inflação, caso contrário o resultado é neutro”.

E, de acordo com a responsável, os resultados estão à vista: “Vai haver naturalmente um crescimento dos preços devido à inflação e, por outro lado, devido à lei da oferta e da procura. Havendo maior procura por causa dos fenómenos, como a guerra da Ucrânia, o desvio dos fluxos para o Algarve é natural que o preço cresça em função dessa maior procura”.

Ainda assim, Cristina Siza Vieira lembra que isso só é possível devido ao trabalho que tem sido feito nos últimos anos, enquanto Portugal como destino turístico. “O facto de estarmos longe do conflito já o éramos na Primavera Árabe e não foi só por sermos destinos de sol e praia que está a acontecer este fenómeno. É preciso também ter em conta o nome consolidado de Portugal como destino turístico que nos está a marcar e toda a boa publicidade, em que o nosso país já ocupa um espaço muito forte. É toda uma soma de fatores que tornam o destino Portugal mais atrativo. O seu periférico ajuda, mas não faz disto uma opção de escolha, se fossemos um mau destino por muito que tivéssemos distantes do epicentro da guerra ninguém nos procurava”, refere ao i.

Também João Fernandes aponta para uma preferência por Portugal e pelo Algarve. “Um sinal que também vemos logo de partida é a retoma das ligações aéreas. As companhias aéreas também têm uma expectativa de procura e essa expectativa está-se a concretizar, a atrair a atenção dos turistas europeus. Também o Brasil e os EUA começam a retomar as ligações, quando normalmente são os últimos mercados a reagir por serem os mais distantes”. E tal, como Cristina Siza Vieira, o presidente da Associação de Turismo do Algarve garante que esta atenção está a ser dada não só por Portugal estar afastado do conflito, mas devido ao facto de Portugal e o Algarve em concreto, ter “reforçado a sua notoriedade enquanto destino turístico e de ser visto como um destino seguro durante a própria pandemia”, acrescenta ao nosso jornal.

De acordo com o responsável do turismo algarvio, essa retoma está a ser marcada por volume, mas também por preço. “Estamos a praticar preços mais elevados porque temos custos também significativamente mais elevados em todos os fatores de produção. Dos recursos humanos, à energia, às matérias primas. E, portanto, naturalmente a venda tem que suportar também esses custos adicionais. Mas, felizmente, com os dados que hoje dispomos, o nível de procura estará, no verão, muito próximo – e poderá até superar 2019 quer em volume quer em preço, o que é importante para as empresas do Algarve e portuguesas em geral. Foram dois anos de perda que vai levar muitos anos a recuperar”.

 

Mão-de-obra. O verdadeiro problema

E, numa altura, em que a falta de mão-de-obra é transversal a todos os setores e uma verdadeira dor de cabeça para alguns, o turismo não é exceção e ganha maiores contornos quando se perspetiva um aumento da procura. João Fernandes não tem dúvidas: “A nossa principal dificuldade neste momento é recrutar recursos humanos”. Ao i, o responsável acrescenta: “Sabemos que há um problema que é estrutural”, que está relacionado com o facto de o país ter “uma demografia que é desfavorável na medida em que há cada vez menos jovens e, na população ativa, há menos pessoas disponíveis”.

Mas não é o único problema. “Temos uma realidade estrutural que tem a ver com o bom desempenho de turismo noutras regiões onde nós, no Algarve, íamos muitas vezes recrutar pessoas”, ao Alentejo, Centro e no Norte. “Felizmente, nessas regiões hoje já há turismo e, portanto, essas pessoas fixam-se e já não vêm trabalhar muitas vezes para o Algarve”. Junta-se o facto de, durante a pandemia, “muitas pessoas terem mudado de setor e muitos emigrantes que trabalhavam nesta área regressaram aos seus países.

Mas defende que o Governo “tem estado atento a esta matéria, nomeadamente através do acordo de mobilidade com a CPLP que já foi subscrito por oito países”. Ainda assim, diz, “é preciso que esta subscrição encontre igual rapidez na regulação que cada país produz para que este acordo se possa tornar efetivo”. E não é o único acordo. João Fernandes recorda os acordos bilaterais com a Índia e com Marrocos que defende que “são boas oportunidades” mas que, “no curto prazo, ainda não produziram os efeitos que gostaríamos”.

Além disso, diz que está a ser feito um trabalho contínuo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para que todos os inscritos nos centros de emprego “tenham uma oportunidade de trabalho porque há muitas oportunidades mas não chega”.

Lembrando que também países como Espanha, Grécia, Reino Unido e outros países europeus sofrem com este problema, João Fernandes diz que esta é uma situação que “temos que tentar ultrapassar e usar todos os mecanismos de recrutamento interno ou externo mas é, de facto, a maior dificuldade neste momento”.

O responsável lembrou ainda a presença de dois dias da secretária de Estado do Turismo na região, onde reuniu com vários agentes locais e onde foram debatidas também estas questões. “para trilharmos o futuro e não ficarmos presos neste problema”. E não deixou de parte o facto de a Comissão Europeia apontar Portugal como o país com perspetiva de crescimento mais favorável no seio da UE identificando como razão o setor do turismo. “É porque tem uma capacidade de reagir e de se articular com outras áreas”, finaliza.

Também Francisco Calheiros defende que este é um problema “que se coloca em todo o país e é transversal a muitos setores da economia e, claro, também atinge o turismo”. E diz que na CTP esse é um tema que preocupa. “Mas estamos atentos e temos como prioridade agilizar o quanto antes as melhores soluções que permitam encontrar para o turismo a mão-de-obra suficiente e de qualidade para responder à elevada procura de turistas que teremos este verão”.

Mas não tem dúvidas: “É um problema estrutural, que carece de intervenção governamental o quanto antes, pelo que teremos de olhar para o futuro e juntos, empresas e Governo, encontrar soluções estruturantes de médio e longo prazo”.

Já para Cristina Siza Vieira, este não é um problema apenas português mas que se alastra a toda a Europa Ocidental. “Estamos neste momento a verificar um problema muito sério de escassez de recursos humanos, particularmente para a nossa indústria”. E vai mais longe: “Estamos numa situação em que a escassez de recursos humanos pode prejudicar a qualidade de serviço e esse é um ponto crítico”, lembrando que “para crescermos em termos valor e para atendermos bem precisamos de pessoas para que nos possamos posicionar, em termos de preço a outro nível. Temos um serviço excelente, mas esse serviço excelente só se faz com pessoas. E neste momento, a escassez, por um lado, a rotatividade por outro, dificultam o serviço prestado. Sem pessoas não conseguimos prestar um bom serviço”.

É aí que a AHP diz estar a fazer pressão para que o acordo entre Portugal e os países da CPLP avance com a facilitação de emissão de vistos de trabalhos, “tal como estava prometido e francamente não se vê que vá por bom caminho”.

Para Cristina Siza Vieira “os resultados não estão à vista”. E deixa um exemplo: “O caso de Cabo Verde que tem uma taxa de desemprego entre os 14 e os 15% que tem uma escola de hotelaria e onde há operadores turísticos presentes em Cabo Verde, há grande vontade de vir, mas as dificuldades são grandes”.

Questionada sobre se os refugiados ucranianos podem fazer parte da solução, a responsável diz que “não falamos de um volume substancial apesar dos protocolos”. Em números, deveremos andar nas 70 pessoas que estarão a trabalhar na hotelaria, “mas a língua é uma barreira, sobretudo para determinadas funções”. No entanto, diz que existe outro tipo de trabalho que pode ser desenvolvido “e da parte deles há muita vontade de trabalhar e de se integrarem no mercado de trabalho, mas é uma situação em que eles próprios encaram como transitório”.