Políticos e comentadores…

O exemplo de Marcelo fez escola e teve seguidores, entre os quais emergiram Marques Mendes, Paulo Portas ou Francisco Louçã, cada um no seu registo, embora este último num patamar diferente, menos ‘entertainer’ e mais ideólogo, com uma ‘pregação’ em tons suaves, para esbater o seu radicalismo. 

Com ou sem pretexto, da esquerda à direita, o apego dos políticos às televisões, com o ofício de ‘comentadores’, tornou-se uma praga e uma originalidade lusitana, desde que Marcelo Rebelo de Sousa inventou esse estatuto, percorrendo infatigavelmente os estúdios, entre o público e o privado, ao longo de vários anos, com manifesto usufruto lúdico e intelectual. 

Ainda hoje, não obstante ser Presidente, conserva o gosto pelos microfones e câmaras. E não lhes resiste.

É justo reconhecer que Marcelo, ‘viciado’ bem cedo nos media, percebeu as vantagens políticas em desenvolver essa aptidão pessoal de bom comunicador. O pior, é abusar dela.

A sua popularidade mediática foi uma ferramenta preciosa para alcançar a Presidência, quase sem precisar de ‘mexer um dedo’.

O exemplo de Marcelo fez escola e teve seguidores, entre os quais emergiram Marques Mendes, Paulo Portas ou Francisco Louçã, cada um no seu registo, embora este último num patamar diferente, menos ‘entertainer’ e mais ideólogo, com uma ‘pregação’ em tons suaves, para esbater o seu radicalismo. 

Este fenómeno, de políticos ‘residentes’ nas televisões, sendo uma especificidade muito portuguesa, tem inspirado estudos, e até teses académicas, embora pouco conhecidas. 

Curiosamente, já no verão de 2007, o Obercom – um observatório dominado por investigadores de matriz universitária – divulgava um trabalho sobre ‘apresentadores e comentadores da atualidade na TV’, no qual sobressaía o nome de Marcelo Rebelo de Sousa, apontado como o «mais transversal ao universo dos telespetadores portugueses». Nessa altura estava na RTP1.

Mais tarde, em junho de 2019, noutro estudo elaborado pelo Media/Lab do ISCTE, sobre a relação esquerda-direita no comentário televisivo, concluía-se que mais de metade (55%) dos comentadores eram «publicamente filiados num partido» e os restantes «sem militância conhecida», embora, «salvo raras exceções», fosse possível «detetar uma simpatia política no espetro esquerda-direita». Concluía-se, então, pela vitória da direita ‘por poucochinho’. 

O certo é que a vantagem relativa, a ter existido, foi ‘sol de pouca dura’ e de nada serviu, como ficou provado ao repetir-se a maioria absoluta socialista, apesar da experiência traumática com Sócrates. 

Quer nos comentários com ‘assinatura’ – sem contraditório, limitando-se o jornalista-pivô a formular as perguntas previamente combinadas -, quer nos programas de debate com um painel de comentadores fixo (sendo o mais antigo a Quadratura do Círculo, hoje O Princípio da Incerteza), é inegável a atual vantagem das esquerdas, que ganharam outro fôlego mediático com a ‘geringonça’.

Chegados a este ponto, o que intriga é o facto de se ter alargado a oferta de políticos-comentadores, no ativo ou na ‘reserva’, pagos regiamente na maior parte dos casos, mesmo em empresas aflitas, mendicantes do Estado. 

Há nisto algo de absurdo e de perturbador, quer por parte de quem convida, quer de quem aceita, verificando-se que, não raramente, os ‘comentadores’ se limitam a mimetizarem-se e a veicular as teses das respetivas ‘paróquias’ que, aberta ou dissimuladamente, representam, desfrutando de uma visibilidade que, de outro modo, não teriam. 

Como se não bastasse, há políticos-comentadores que se entretém a teorizar sobre a comunicação social, zurzindo-a, por vezes, sem dó nem piedade. Algo ‘freudiano’.

Francisco Louçã e Pacheco Pereira são dois desses ‘praticantes’. ambos com farta presença, tanto em antena, como nos jornais. 

No dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Louçã não se coibiu de assinar um artigo no Expresso online para lamentar «a evidência das censuras que a guerra ucraniana tem amplificado e de que Putin não é o único exemplo» e que «a censura, a concentração de poder e a manipulação proprietária, são poderosos ataques à liberdade de imprensa».

Para um colaborador regular, na SIC e no Expresso, do maior grupo empresarial português de media não está mal…

O que seria da liberdade de Imprensa se um dia o Bloco, de Louçã, fosse poder. Então, sim, a coleção Ephemera, de Pacheco Pereira, ficaria substancialmente enriquecida com novos contributos censórios…

Fundada há mais de uma década, a Ephemera é uma associação cultural com um vasto espólio, sobretudo de imprensa, no qual baseou uma recente mostra que esteve patente na galeria do antigo edifício-sede do Diário de Notícias – construído de raiz para albergar o jornal – grotescamente transformado em condomínio de luxo, graças a muitas cumplicidades. E interesses.

Foi uma boa ideia no sítio errado. Ali poderia estar sediado, afinal, um Museu de Imprensa, juntamente com a Hemeroteca, e a sua coleção superior a 400 mil documentos. Mas não. A febre imobiliária falou mais alto. ‘Exilou’ o jornal. Restou a fachada…