Filipe Anacoreta Correia. “O melhor inseticida contra a corrupção é a transparência, a luz”

O número dois da Câmara de Lisboa acredita que, apesar de a oposição estar em maioria, a equipa de Moedas vai deixar obra. E a habitação é uma das suas apostas.

É um homem calmo, que do alto dos seus 49 anos de vida fala com uma tranquilidade quase desarmante e foge a frases bombásticas como o Diabo foge da cruz. Tirou o curso de advocacia, tendo pelo meio estudado Teologia. Antes, em jovem, trabalhou na discoteca Bela Cruz, no Porto, onde vendia fichas, distribuiu material de marketing e serviu em casamentos. Nasceu em Coimbra, estudou no Porto, mas também se sente em casa em Ponte de Lima. A sua aposta na Câmara, onde é vice-presidente – eleito pelo CDS – é pessoal e diz que o faz pelo bem comum.

O primeiro choque que teve quando chegou à Câmara foi o de ser acusado de não saber fazer um Orçamento. Por que foi acusado?

Essa acusação de que haveria um lapso, sobre um documento anexo ao Orçamento, não foi dirigida a mim, foi dirigida à Câmara. A coisa é tão rebuscada e tão difícil de compreender que acho que a única coisa que fica é que o PS na CML tentou criar uma emoção e acabou por aprovar o Orçamento sem nenhuma alteração, já que o mesmo estava bem feito. O PS quis criar uma posição e dizer que marcava o ritmo independentemente do interesse da cidade.

É uma espécie de ministro das Finanças da Câmara…

Sim, sou o vereador com o pelouro das Finanças, e realmente a Câmara hoje é uma autarquia com um Orçamento muito relevante. Cerca de 1.160 milhões de euros. 

Com esse Orçamento, e como ‘ministro das Finanças’, que obras acha que a Câmara poderá deixar neste mandato?

Não sei se está só a falar da obra material, porque a questão dos transportes públicos para nós é determinante. E esta medida, em concreto sobre os passes gratuitos para os jovens e idosos, é uma marca que achamos que podemos deixar na cidade, ou seja, queremos e estamos a investir muito nisso porque queremos trazer os jovens para o uso dos transportes públicos.

Outra marca que queremos implementar é um tipo de gestão que tem muito por base o envolvimento da cidadania, o envolvimento dos cidadãos, a capacidade de ouvir e de termos processos de co-criação. Temos procurado pôr de pé algumas novas ideias, outras que já existiam mas que não estavam a funcionar, que são instâncias municipais de dialogo e de envolvimento dos agentes. Por exemplo, na área da habitação, na área da educação ou na juventude. Temos procurado fazer disso uma marca muito importante na cidade.

Mas isso são palavras: habitação, educação, juventude. O que quer dizer com isso?

Quero dizer que foi acionada a instância municipal de envolvimento de pessoas na área da habitação para delinear uma política de habitação na cidade de Lisboa, enquanto antes havia uma preocupação de se dizer ‘a política de habitação é isto’ e a Câmara fixava e estabelecia-se a política. Estamos a fazer isso em diálogo com a cidade e o mesmo na juventude ou na área da educação ou de segurança.

Em várias áreas temos procurado que as políticas que são definidas para a cidade sejam também pela cidade e isso é um aspeto que provavelmente ainda não estará muito percecionado, mas com o tempo vai fazer a diferença. E depois, em termos de obras, acho que há muitas. Não me quero estar a centrar numa, mas falo claramente no Hub Azul em Pedrouços.

Foi aprovada a candidatura e já foi apresentada no âmbito do PRR e achamos que é um projeto que tem potencial para deixar grandes marcas. Agora em junho vamos ter a conferência das Nações Unidas. Estamos a procurar posicionar Lisboa como um centro de alta tecnologia e de afirmação na área dos Oceanos. 

Este Hub Azul vai ter o quê?

Vai estar perto da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Champalimaud. Queremos ter ali um centro de excelência nas áreas científicas e académicas, procurando trazer as maiores instituições nesta área ligada aos oceanos e também a vertente empresarial. Ou seja, o diálogo de ponta que seja feito no mundo na área científica e com a preocupação empresarial, em tudo o que tem a ver com os oceanos.

Mais obra que querem deixar…

Temos a esperança e a convicção de termos em cada freguesia um espaço multifacetado para a produção cultural e artística, aquilo a que chamamos um teatro em cada freguesia, mas que, no fundo, representa a ideia de um poli não desportivo, mas policultural, um pavilhão com capacidade de dinamizar ensaios, bandas, todo o tipo de criação artística e temos a preocupação de afirmar Lisboa com uma identidade forte e que isso seja feito ao nível mais alargado.

Acreditamos que isso também vai ser uma marca grande. E a ideia não tem que passar necessariamente pela construção de um novo edifício. Em muitas áreas da cidade já existem esses equipamentos e o que é preciso é dotá-los e potenciá-los. Há uma preocupação de valorização muito grande da cultura na área da cidade de Lisboa.

Isso não é a mesma coisa que o Web Summit?

É bastante diferente.

Como encara o facto de o Web Summit ter ido para o Rio de Janeiro e ‘nos ter enganado’?

Confesso que ficámos muito surpreendidos. Recebemos essa notícia e não estávamos à espera que isso acontecesse e não fomos avisados previamente. Tivemos a preocupação de ver como isso era possível no âmbito do contrato. E constatámos que o contrato foi assinado apenas a prever um direito para a Europa e, como tal, não podemos dizer que o contrato tenha sido violado.

A ideia que dá é que ficámos fascinados com uns rapazes modernaços que apareceram aqui, montaram a tenda e agora vão-se embora. Já deve ter feito as contas da anterior presidência. Acha que há alguma vantagem em termos a Web Summit em Lisboa?

Acho que é uma obra muito ambiciosa e vamos ver como é que a conseguimos concretizar. Achamos que uma Lisboa só de eventos é poucochinho. Havia a expectativa que uma iniciativa com o Web Summit fosse uma iniciativa que chamasse a atenção de Lisboa e afirmasse um mundo da inovação, num mercado global e que isso trouxesse muitas empresas e muitos empreendedores para Lisboa. Não sei se podemos dizer que isso está a acontecer com tanto sucesso e daí também a nossa proposta, o nosso sonho que já está a ser concretizado, alterando muito aquilo que era o Hub do Beato, fazendo uma fábrica de unicórnios.

O que é isso? Parece uma expressão estranha. A noção que temos é que, em primeiro lugar, muitas das startups permanecem startups durante muitos anos e não chegam sequer a ser grandes empresas ao nível das mais importantes nos mercados de inovação. Às vezes, estamos a apoiar durante anos e anos startups, startups, startups e que são o caminho, mas a verdade é que o horizonte não podem ser as startusps, o horizonte tem de ser verdadeiramente as empresas de ponta, aquelas que têm uma grande capitalização e que são reconhecidas como sendo unicórnios da inovação. O que pretendemos promover é a capacidade de criar esses procedimentos, e temos que ajudar as startups nos seus processos financeiro, de estruturação comercial, no seu processo de afirmação global, no seu processo digital.

Há um conjunto de processos que se virmos nos grandes projetos vencedores a nível global dos unicórnios é isso que os faz. Às vezes, não são ideias brilhantes, são muito mais os processos. O que queremos trazer para Lisboa é, em conjunto com pessoas já muito bem-sucedidas e com grande caminho nesse mundo, trazer a capacidade de domiciliar aqui processos e ajudar as empresas que são startups e são de inovação a terem outro horizonte de crescimento. Isto para nós é muito mais importante do que um Web Summit. 

Posso concluir que a Web Summit não é um grande negócio para a Câmara de Lisboa?

Não posso estar a dizer isso dessa maneira. Acho que a Web Summit tem coisas boas, é um evento interessante para a cidade, a cidade tem a capacidade de cativação de vários eventos. Foi um evento disputado por várias capitais do mundo e foi Lisboa que o conseguiu. O que acho é que temos que ter uma exigência dinâmica e temos de continuar a avaliar ou perceber se a aparição de outras web summits, em outros locais do mundo enfraquecem este, se continua a fazer sentido o investimento que fazemos. Isso é uma realidade dinâmica e estamos atentos a isso, mas estamos sobretudo focados mais do que numa cidade de eventos, numa cidade com capacidade de criação dela própria e de surgimento de uma dinâmica empresarial, que não se esgota em eventos. 

Como vão concorrer com câmaras, como Oeiras e Cascais, que têm empresas que nunca mais acabam? Como vão conseguir puxar algumas empresas para a cidade?

Acho que Lisboa tem uma capacidade de atração natural.

Mas os preços são mais altos…

São mais altos e é evidente que o conjunto que representam oportunidades, serviços e a própria dinâmica da vida acaba por determinar que esses preços sejam assim. Se os preços são altos é porque têm procura e se têm procura é porque é compensador para as empresas continuarem a estar cá. Não estamos preocupados em concorrer com Oeiras ou com o universo metropolitano, estamos preocupados em concorrer com Barcelona, com Madrid, estamos a olhar para Londres.

Queremos posicionar Lisboa no grande mercado europeu e global. Isso com certeza sendo feito trará depois vagas que beneficiarão a área metropolitana no seu conjunto e certamente também o país. 

Onde vai, essencialmente, a Câmara buscar o dinheiro? Ao turismo? 

Não, a taxa turística é uma receita marginal, na ordem das dezenas de milhões de euros. Temos um orçamento com receitas na ordem dos 900 milhões de euros, diria que cerca de metade são receitas correntes em impostos.

Que tipo de impostos? 

O mais relevante são os impostos sobre o património: IMT e IMI. Hoje em dia, as grandes fontes de receitas da Câmara são estas. Metade é IMT e metade do IMT é IMI. São os dois impostos que mais receitas trazem para a Câmara Municipal de Lisboa.

E as multas de trânsito?

São uma pequeníssima percentagem das nossas receitas.

Era suposto estarem a funcionar, desde 1 de abril, 41 radares que, por uma questão técnica, não entraram em vigor. A 1 de junho entram em vigor os 21 radares antigos e os 20 novos vão ser implementados gradualmente. Com esta decisão aprovada na Câmara pelo Livre de reduzir a velocidade em 10 km/hora em toda a cidade como vai ser? Quando acham que vão ter de pôr em prática o que foi aprovado pelo Livre e pelo PS?

Achamos que a aprovação da proposta foi muito irresponsável. E tem a oportunidade de ver que a proposta tem um conjunto muito diferenciado de medidas. Muitas delas, o Executivo está a trabalhar, outras fazem sentido, outras poderão fazer sentido ou não, mas têm de ser estudadas. Tem de haver um processo de auscultação e de envolvimento da própria cidade nisso. Não foi nada o que aconteceu. Por exclusiva responsabilidade do Livre e também do PS. Tinha sido proposto, pelo PCP, nessa reunião que a medida fosse apresentada no sentido de ser avaliada, ser estudada, e o Livre não quis. Quis mesmo foi que, de modo repentino, sem qualquer aviso prévio, sem qualquer planeamento, sem qualquer auscultação impor isto à cidade.

A sensação que tenho, às vezes, com algumas destas medidas e já aconteceu isso em outras áreas, por exemplo, com o alojamento local, é que estes partidos ainda estão zangados por terem perdido as eleições, mas o que mais surpreende é que não ficaram zangados com o Executivo que ganhou as eleições, parecem zangados com a cidade. A todo o momento estão a punir a cidade, a castigar a cidade porque a cidade não quis o que propuseram à cidade. Ficamos surpreendidos como é que uma medida desta natureza é aprovada assim.

O que posso dizer, até pelas declarações públicas de alguns altos responsáveis, quer do Livre, quer do PS, é que parece que há uma vontade de recuar nesta matéria e remeter para um debate, para uma discussão pública sobre aquilo que propuseram e não já com medidas inequívocas.

O que posso anunciar é que vamos levar essa decisão a reunião de câmara, ou seja, queremos confrontar a Câmara com a possibilidade de suscitar um debate público, sujeitar a discussão pública algumas das medidas ali preconizadas e então veremos se é isso que esses partidos aceitam ou não. E dependente dessa decisão definiremos o calendário. 

Como é possível uma proposta que é aprovada não ser posta em prática? 

Não há nenhuma proposta dos vereadores com pelouro que não tenha a acompanhar, desde logo, documentos contabilísticos e financeiros que dizem se essa proposta está em condições de suportar e os vereadores da oposição não o estão fazer, ou seja, estão a apresentar propostas que independentemente de terem cabimento orçamental querem que sejam aprovadas para a cidade.

Aquilo que se passou no passado, até no mandato anterior, é sempre que a oposição aprovava alguma proposta que tinha impacto orçamental, essa proposta surgia quase como que uma orientação, uma indicação aos serviços para que encontrassem cabimento orçamental e depois avaliado esse cabimento orçamental era concretizada numa deliberação. Acho que aqui a questão orçamental não é a mais importante, a mais importante é a política e o que os vereadores do PS e do Livre quiseram foi aprovar uma proposta, sem prazo nem calendário de implementação. E foi nesses termos que foram aprovadas na Câmara.

Como acha que vai ser esta governação em minoria? Se a oposição sistematicamente tiver a aprovar coisas com as quais não concordam ou não se identificam, como foi a história do alojamento local? 

O que se verifica é que a oposição apresenta propostas, sem sequer sinalizar o seu interesse nelas, sem as sujeitar a um debate prévio de diálogo, de concertação e de compromisso e, mesmo quando o nosso Executivo manifesta essa disponibilidade eles dizem não e que é assim que nós queremos. Aconteceu assim exatamente no alojamento local. No alojamento local veio a proposta do Partido Socialista ‘é assim a nossa proposta’.

E que era…

De impedir a atribuição de novas licenças alargado e cegamente a toda a cidade. Chamámos a atenção que isso não nos parecia razoável e que era preciso fazer uma avaliação até porque estávamos num processo ainda muito impactado pela covid. Tínhamos de ver se fazia sentido fazer em todas as áreas de Lisboa ou não e a nossa manifestação, na altura, foi: ‘Estamos disponíveis para fazer uma aproximação’. Eles disseram ‘Queremos votar a nossa’, votou-se e depois foram para a Assembleia Municipal, surgiram questões legais, tiveram de alterar substancialmente essa proposta, mas sempre numa atitude de pouca disponibilidade para o compromisso.

O que posso dizer é o seguinte: estamos aqui a conduzir a câmara e as suas políticas e temos conduzido em vários dossiês. Temos até conseguido fazê-lo de uma forma alargada no diálogo, a questão, por exemplo, dos transportes públicos foi aprovada por unanimidade. É uma política que acho que é marcante para a cidade e que foi aprovada. E em muitas outras matérias temos conseguido paulatinamente conciliar uma agenda que é da cidade e inclui também os partidos da oposição com aquela agenda que também queremos propor para a cidade.

Se me pergunta se vamos conseguir fazer no calendário que tínhamos pensado? Provavelmente não, provavelmente o calendário que obriga a este tipo de esforço e de empenho retém-nos algum do calendário que tínhamos pensado para isso. Mas há uma coisa que não tenho dúvidas, nas ultimas eleições autárquicas chegaram a Lisboa novos tempos e chegaram para ficar.

Se estão condicionados porque não querem decidir nada sem ouvir toda a gente e, se por outro lado, têm que se subjugar à maioria da oposição qual é o vosso espaço? Onde podem interferir e marcar a diferença?

Em primeiro lugar, é preciso ter a noção que ouvir as pessoas é o empenho… Há muitas coisas, os transportes públicos foram uma proposta…

Mas isso é consensual, se disserem que vão oferecer casa a toda a gente a oposição também vai aprovar…

É uma medida nossa e é uma medida importante. 

Já vinha do anterior Executivo, em que já se falava da gratuitidade dos transportes públicos…

Não, nunca teve no programa do anterior Executivo. 

Acho que Medina já tinha falado na gratuitidade nos transportes. Mas, na verdade, vocês estão ‘entalados’ entre o que pensa a população e o que quer a oposição…

Esse é o nosso programa eleitoral. Há uma coisa que é preciso ter a noção, até no contexto mundial, estamos hoje a apontar para objetivos de neutralidade carbónica que são extremamente ambiciosos, que estão assumidos a nível internacional, a nível europeu e Lisboa foi uma das três cidades portuguesas sinalizada para ser uma das 100 europeias, até para estar na linha da frente desse processo, e apontámos já para 2030, muitos desses objetivos. Agora é preciso ter a noção que os objetivos em questão apontam realmente para alterações substanciais da nossa maneira de viver. 

E, pelos vistos, também de fazer política…

E de fazer a política, sem dúvida. Mas é que é mesmo esse o ponto. Há dois modelos no fundo: há muitos exemplos de cidades europeias que estão a fazer isso de uma forma extremamente violenta, até hostil aos cidadãos e isso está a levantar problemas de conflituosidade social e essa linha é personificada, por exemplo, nesta proposta do Livre e do Partido Socialista.

Esta tentativa de impor cegamente contra a cidade, contra os lisboetas, realmente às vezes parece que há partidos que gostam de Lisboa só não gostam é dos lisboetas. Lisboa seria perfeita se não tivesse os lisboetas, Lisboa seria perfeita se impusesse aos lisboetas o que eles não querem fazer. Isso não pode ser assim, o processo político tem que ser um processo e, nós estamos totalmente comprometidos. Carlos Moedas foi pioneiro na Europa e na Comissão Europeia nas políticas de sustentabilidade.

Estamos totalmente comprometidos em pôr Lisboa nessa rota, mas fazê-lo em alinhamento com aquilo que são a capacidade de adesão, de entendimento, de vontade dos próprios lisboetas. Isso faz toda a diferença hoje em dia e essa é a diferença que existe nas grandes cidades entre modelos muito mais conflituosos e que levantam enormes problemas de outro tipo de gestão e cidades que têm procurado fazer essa transição de uma forma muito mais equilibrada. 

Falar com as pessoas antes de decidir é a vossa máxima. Mas no vosso programa estavam propostas muito concretas, como a de acabar com a ciclovia da Almirante Reis. Que imagem acha que as pessoas ficam de um político que promete uma coisa e mal chega não cumpre?

Não se pode dizer que não cumpriu (risos). Ainda não foram introduzidas as alterações que Carlos Moedas propôs e que vingaram, mas já estão decididas. Agora é uma questão de semanas.

Mas no programa estava acabar com as ciclovias…

Sim, é verdade. Tem razão nisso. Mas o processo Almirante Reis, pode ser visto de dois pontos de vista. Um é esse que disse, compreende-se a insatisfação de quem esperava que a ciclovia fosse tirada nos dois lados da Almirante Reis e não apenas num dos lados. Acho que mais uma vez Carlos Moedas, e esse aspeto, valorizo-o muito, teve uma enorme capacidade numa circunstância em que a cidade estava extremamente polarizada, com incapacidade até de diálogo entre aqueles que queriam à força viva o que lá estava e os outros que não queriam, nem por nada, mesmo que não passassem lá. Tornou-se quase simbólico uma luta na cidade.

Foi um processo complexo, mas onde teve uma preocupação genuína, procurando despartidarizar o mais possível esta questão. Ele próprio implementou estruturas de envolvimento das comunidades mais afetadas por essa decisão. E portanto encorajou, promoveu reuniões entre moradores, comerciantes e chegou a uma decisão, que não será totalmente consensual para toda a cidade, mas dentro daqueles atores mais próximos e mais afetados por essa decisão, ela foi o mais consensual possível.

E ele fê-lo não foi por razões partidárias ou por razões de sair bem na fotografia, de vingar ou não vingar, mas de procurar acreditar que as pessoas mais afetadas e as instituições é possível encontrar soluções de bom senso. Naquele caso concreto era muito difícil, e ele conseguiu isso. Temos a noção que a solução que foi implementada é uma solução transitória, é uma solução de remendo. Porque temos um projeto, uma vontade grande de repensar naquela avenida. Que de resto é uma das artérias difíceis da cidade, no sentido da sua beleza, da sua harmonização com a comunidade, com as pessoas que vivem ali. 

Voltando à poluição e ao turismo. Diz que o turismo não é a principal fonte direta de receita da câmara…

Sim, em relação à taxa turística.

Mas indiretamente…

Indiretamente, sim. Julgava que estava a falar das contas do município. Se estivermos a falar das contas da cidade, dos empresários, dos restaurantes, da hotelaria, da dinâmica dos negócios, aí há uma grande receita. Mas não olhamos para a cidade em função do orçamento do município. Olhamos para a cidade em função dos interesses da mesma, dos lisboetas, dos empresários, e das famílias. E não há dúvida nenhuma que hoje em dia, sobretudo, no pré-covid e com a trajetória em que estávamos antes da pandemia, o turismo tem uma importância capital na cidade de Lisboa, o que representa hoje na sua dinâmica económica. 

Como vão conseguir cumprir as metas ambientais com o aumento da pegada ecológica do turismo, da poluição dos cruzeiros… Vão seguir os exemplos de outras cidades que obrigam os cruzeiros a usar outras energias quando atracam? 

A questão dos cruzeiros, é uma questão importante, a cidade tem que avaliar, porque é verdade que trás uma quantidade muito grande de turistas à cidade e que temos que ter a capacidade de monitorizar e perceber qual é o retorno que a cidade tem relativamente a essa via.

Diz-se que é muito pouco…

Há quem diga que é muito pouco, há, quem diga que é grande, julgo que isso requer alguma objetividade. Mas deve ser avaliado, primeiro ponto. Segundo ponto, impacto ambiental. Também isso é discutível, há estudos que indicam que a poluição é imensa sobretudo porque muito dos navios no tempo todo que permanecem em porto estão ligados para manter tudo a funcionar e isso tem uma poluição grande do rio. Parece-me muito provável que assim seja, para não dizer que é indiscutível. O que é que já foi aprovado em Câmara e que temos a preocupação de implementar?

Queremos reduzir o mais possível esse impacto do ponto de vista ecológico e há várias medidas e várias experiências que estão a ser feitas noutros sítios e há já um projetou ATL em termos de eletrificação de todo o apoio que é dado a esses cruzeiros para que, quando estão em porto na cidade, não estejam com os motores e com o combustível a funcionar, mas estejam através de alimentação elétrica. Só esta alteração, já teria um impacto enorme na redução das emissões de carbono.

Deu vários exemplos de cidades que têm políticas completamente diferentes. Estamos mais próximo de chegar ao ponto de Barcelona que proibiu a construção de hostels, de hotéis, que quer limitar o turismo ou ainda temos espaço para crescer e deixar ainda vir muitos turistas?

Lisboa tem espaço para crescer e queremos muito que o turismo cresça em Lisboa. Questão diferente é perceber se temos algumas zonas de Lisboa, um risco de desagregação de tecido social lisboeta…e isso é sem dúvida uma ameaça para a sustentabilidade do turista. Porque o turista quando vem a Lisboa, quer vir a Lisboa. Quer ver lisboetas. Querem ter uma experiência de uma cidade diferente e isso é indiscutível.

Lisboa é tão ou mais importante que o seu tecido urbano e edificado, é o tecido social. Nunca fomos defensores que o alojamento local possa crescer, sem ser acompanhado, sem ser regulado. Percebermos onde pode ser encorajado, onde deve ser travado, onde deve ser bloqueado. E isso é um processo para nós bastante pacífico de leitura.

Não estamos ao nível de Barcelona?

Não estamos ao nível de Barcelona, ainda.

Vamos continuar a construir mais hotéis, ainda há espaço para mais hotéis?

Em nosso entender, ainda há espaço para construir hotéis, claramente. Deixe-me dizer que há uma preocupação grande com a habitação para os lisboetas. Temos um fenómeno que é novo, tem um par de anos, em que o mercado imobiliário globalizou-se. Antes o mercado imobiliário era um bocado nacional, e de repente o mercado imobiliário lisboeta passa a ser desejado a nível global. Onde há uma grande assimetria de rendimentos com os rendimentos dos portugueses. Esse é um problema e que nos preocupa muito. Temos de procurar encontrar respostas para isso, sabendo que é um grande desafio. Não é exclusivo de Lisboa.

Qual é a ideia que têm para resolver a questão da habitação para os lisboetas?

A questão da habitação é uma questão fulcral, mas é objetivamente de difícil resolução. A primeira coisa que importa ter a noção é que isto não vai lá com promessas, como fazia o antecessor presidente da Câmara, faço isto, faço aquilo… as coisas não são assim fáceis, mas mesmo que se façam não se resolvem. Há três vetores que são essenciais, na área da habitação. Uma é a questão social, dos mais carenciados, a habitação social. Estamos a investir e vamos investir.

Proximamente vamos enviar um envelope financeiro, muito relevante na renovação, na reabilitação na habitação social. Depois, há outro problema, que é a habitação dos lisboetas para a classe média, não é para os mais necessitados. Como é que se cria espaço para os lisboetas? E há duas respostas. As duas são muito importantes e não podemos estar…por um lado criar oferta, tem de haver mais oferta. Todas as políticas de urbanismo de eficiência de urbanismo de eficiência de urbanismo, eficiência de encorajamento, de encorajamento ao investimento imobiliário, criam oferta e isso faz baixar os preços. É muito importante, ainda temos pouco tempo na Câmara, não se vêm sinais disso.

Mas a vereadora Joana Almeida tem estado a trabalhar e temos objetivos claros, de redução muito significativa dos prazos de licenciamento. Esse aspeto é essencial, para termos mais habitação na cidade E depois, claro há políticas públicas também, para tentar criar oferta pública de habitação e isso, faz-se também em duas dimensões. Pôr ou dispor todo o seu mercado, todos os prédios devolutos que tem que são muitos. E tem de ser uma ativista, tem de ser muito existente na recuperação e na colocação no mercado do seu prédio devoluto e a criação de condições de projetos de renda acessível.

São projetos que vêm do anterior executivo, e que queremos continuar. Até porque muitos deles, têm perspetiva de financiamento no âmbito do PRR e não queremos reverter nada dessa oferta. Embora, no nosso ponto de vista, mais do que ter grandes centros de renda acessível que no fundo reproduzem a ideia acessível de bairros de renda acessível, como havia os bairros municipais, na nossa visão deve ser moderado. E deve ser complementado, também com oferta no tecido urbano.

A Câmara deve ter também oferta de renda acessível. Não apenas em Marvila, ou em Entrecampos, que agora está a construir, mas deve também fazer o que está na sua propriedade devoluta no tecido urbano de Lisboa.

Não vão conseguir fazer um mini Olivais? Não sei se conhece, os Olivais eram o bairro exemplar dos anos 60, que juntava todas as classes sociais… 

Conheço o bairro dos Olivais, claro. Sim, alguns dos projetos que temos em mãos, são em zonas, que cruzam claramente, várias dimensões sociais. E quando estamos a sublinhar que não queremos …

Admitem construir novos bairros? Por exemplo, na Alta de Lisboa, que é onde têm mais terreno livre?

Na Alta de Lisboa temos terreno livre e é apetecível para promotores privados, quando temos que ver se aí faz sentido colocarmos mais no mercado ou sermos nós a desenvolver esses projetos. Mas, vou-lhe dar outro exemplo, antigas habitações e construções que existem junto à Tapada das Necessidades que eram do Estado, estão sinalizadas, eram de guardas da GNR.

Por nós seria muito interessante promover a reabilitação dessas habitações que são no tecido urbano, não é edificado um prédio apenas com esse objetivo, mas é também ter uma oferta de arrendamento que se funde no tecido urbano. Nós queremos, não apenas bairros de construção pública, queremos também que a oferta pública esteja misturada no tecido urbano sempre que essa oferta esteja ao nosso alcance.

Obviamente com iniciativa privada, é isso que está a dizer?

Pode ser pública, tal como em Marvila ou Entrecampos, foi a Câmara, a SRU, que desenvolveu esse projeto e os construiu e é a Câmara que os explora é diretamente ou através da Gebalis. O que estou a dizer, desses projetos públicos de habitação, não têm que ser exclusivamente em prédios ou em bairros, mas podem ser também em propriedade da Câmara que estejam no tecido da malha urbana. A nossa ideia, é que a oferta pública não tem que de ser estigmatizada. Queremos também combater essa ideia das áreas exclusivas da habitação pública.

Sei que fez o curso de Direito e pelo meio estudou Teologia. É uma questão de fé pensar que vão poder resolver o problema dos prédios devolutos da CML, que deve ser um dos maiores senhorios com a Santa Casa? Por que acha que isto se passa?

Isso não é uma questão de fé.

Mas porque acha que a Câmara tem tantas casas devolutas?

Acho que essa é uma boa questão. O que é surpreendente …

Penso que ninguém deixou de resolver o problema por maldade, não sei se é por nabice…

Acho que desde logo é de assinalar que o debate público sobre a habitação é sempre na perspetiva da especulação. O debate público do anterior executivo e dos anteriores responsáveis nunca puseram a tónica naquilo que é a responsabilidade dos poderes públicos, porque existe património público na cidade de Lisboa que não é só da Câmara. Também existe muito património devoluto do Estado central.

Agora a questão é saber como é que as entidades públicas têm autoridade para questionar os privados e exigir aos privados, quando eles próprios não tratam do seu património. Essa é que é a grande questão. Nós estamos a chegar e na nossa visão passa por um equilíbrio destas duas questões. Temos de ser exigentes naturalmente com o investimento imobiliário privado mas também temos de ser exigentes com a nossa resposta, com a capacidade de desburocratizar, mas ao mesmo tempo também temos de ser exigentes com a oferta pública e com aquilo que é o património publico. E essa é uma preocupação nossa e está vertida nas opções que tomaremos para o futuro da cidade de Lisboa.

Tem o pelouro dos Recursos Humanos também…

Sim.

Uma das grandes questões que foi falada, quando tomaram posse, foi a questão do aumento dos assessores. Penso que tinham dito que iam combater esses excessos…

Penso que não dissemos isso, mas na verdade combatemos.

Por aquilo que vi, não sei se é verdade…

O que se passa é o seguinte: mantivemos praticamente inalteradas as regras que estavam estabelecidas anteriormente para cada vereador, o que significou que somos menos vereadores, estamos sete e dantes eram nove e antes eram onze. E, isso acarretou do lado do Executivo uma redução relevante de assessorias, apesar da manutenção das competências. No fundo temos vereadores com mais competências e com o mesmo número de vereadores. E foi esse o esforço que fizemos. 

Em relação aos seus pelouros como acha que vai combater a corrupção na câmara?

Acho que a primeira coisa com que se combate a corrupção é com luz, é com transparência. O melhor inseticida é a luz. É tornar os processos suscetíveis de serem vistos por mais gente e estamos a trabalhar muito nisso. A vereadora Joana Almeida tem isso em mãos e é mesmo um desígnio que queremos implementar.

O que tem de ser claro e transparente é que quando estamos a pedir uma coisa temos de saber que é legitima tê-la. E tem que ser claro porque é que se autoriza ou não autoriza. Isso tem que ser transparente. 

E como será transparente? Será publicado?

Em primeiro lugar, as regras têm que ser mais transparentes. Não pode haver tanta dúvida porque a dúvida suscita a possibilidade de decisão e a decisão está dependente de um favor ou outro. Portanto, as regras têm que ser mais transparentes e também têm que ser mais descortináveis e isso significa que tem que ser mais publicitado nos próprios processos. As pessoas têm que consultar os processos: onde é que eles estão, com quem é que estão e há quanto tempo é que estão. Tudo isso são contributos muito grandes para a transparência. Vamos ter um departamento na câmara que terá exclusivamente esse foco.

E para isso não precisam da aprovação da oposição?

Em última análise sim. Mas também julgo que no plano das palavras nunca vi nenhum partido a defender a corrupção. Aqui o que se trata de avaliar não é tanto o propósito, mas a eficiência das medidas que se querem implementar com esse propósito. E essa é uma responsabilidade nossa, não creio que alguém que as fosse chumbar, até porque faria responsável por a impossibilidade de avaliarmos essas medidas.