Carlos Coelho. “Fazer do Chega uma bête noire só convém ao PS”

Tem esperança que haja uma vitória clara de Montenegro, mas diz que antecipar desmobiliza o voto. E acredita que o PSD não precisa de coligações para voltar a governar.

Tem um perfil reservado,  mas cultiva um sentido de humor apurado. É católico, mas é a favor da eutanásia. Conta com um longo percurso na vida política, tendo sido o deputado mais novo a ser eleito na Europa, aos 19 anos. Depois de ter passado duas décadas no Parlamento Europeu, foi afastado por Rui Rio.

Carlos Coelho volta agora às batalhas internas do partido como diretor de campanha de Luís Montenegro, candidato à liderança social-democrata, com o otimismo de quem acredita que o PSD não precisa de «bengalas eleitorais» para chegar ao poder. Para isso, espera que o partido possa unir esforços, até da candidatura adversária (de Moreira da Silva) para construir uma «alternativa» ao PS.

A sua intervenção na vida política começou muito cedo.

Não tenho muito jeito para falar de mim próprio. Tenho um perfil mais discreto. Fui o deputado mais novo da Europa. Tinha 19 anos quando fui eleito pela primeira vez. Era presidente da distrital de Lisboa da JSD. Na altura, não achávamos que fosse possível projetarmos pessoas nossas para a Assembleia da República. Mas o meu lugar acabou por ser elegível. Por pouco tempo, para substituir a Natália Correia, uma grande poetisa. Acabei por fazer mais substituições, porque, na altura, o regimento da Assembleia da República permitia até suspensões de mandato por 24 horas.

A AD de Sá Carneiro tinha uma maioria muito escassa e, portanto, não podíamos ter um único deputado fora. Isso deu-me a perspetiva do exercício das funções muito cedo e iniciar uma atividade política com mais visibilidade num órgão de soberania com tenra idade. Depois fui deputado durante quase 20 anos, fui presidente da comissão parlamentar da juventude, fui vice-presidente do grupo parlamentar, fui membro da conferência de líderes. Fui membro do Governo de Cavaco Silva com Manuela Ferreira Leite no Ministério da Educação. E depois fui deputado europeu também 20 anos, onde exerci várias funções e onde consegui intervir a um plano que cá não existe.

Uma das coisas curiosas é o contraste entre a Assembleia da República e o Parlamento Europeu. Na Assembleia da República há mais luta política, mais despique e, portanto, há mais adrenalina. No Parlamento Europeu há mais rigor técnico, há mais atenção aos detalhes e há mais informação. 

Como diretor de campanha de Luís Montenegro, que trabalho tem desempenhado nesta candidatura? 

É um trabalho facilitado, porque o candidato é muito bom. Não estou a dizer isto por dever de ofício. Luís Montenegro é um homem muito inteligente e muito trabalhador. Não há nada na campanha que seja feito sem a sua orientação e a sua decisão. Não há uma imagem da campanha, um texto, que ele não veja. E isso torna tudo muito mais fácil.

Quando surgiu o convite para ser diretor de campanha?

Há alguns meses. Amigos comuns tinham feito uma sondagem para saber se eu desta vez ia estar mais presente, porque noutras disputas internas estive mais distante.

Por que razão?

Por várias razões. Por não ter capacidade para decidir entre os candidatos, por achar que não estava convencido da bondade ou da justeza das propostas de candidatura. Por várias razões, estive mais distante. Mas, desta vez, estava disposto a colaborar, achei que o partido está numa situação muito delicada, bastante complexa e que obriga ao esforço de todos, portanto, não podia recusar a minha participação. Fui almoçar com Luís Montenegro, que me surpreendeu com o convite para diretor de campanha. Pensei sobre o assunto e aceitei. 

Faz parte da direção da plataforma para o Crescimento Sustentável fundada por Jorge Moreira da Silva e tem alguma ligação de proximidade com ele por outras situações no plano europeu. Por que optou por Luís Montenegro?

Sou amigo do Jorge, mas quando ele se apresentou como candidato já tinha aceitado ser diretor de campanha de Luís Montenegro. Independentemente da amizade. Tenho amigos até em partidos diferentes, mas isso não significa que se misturem os planos.

Mas Moreira da Silva é uma pessoa com quem trabalhou com alguma proximidade…

Sim, tenho mais proximidade pessoal, partilhei mais coisas com o Jorge Moreira da Silva do que com o Luís Montenegro. Mas, para presidente do meu partido, quando estamos a fazer escolhas políticas, é uma má política escolher na base das amizades. Quando escolho a melhor pessoa para Presidente da República, ou melhor pessoa para primeiro-ministro ou para presidente da câmara, posso dizer: ‘Gostava de ter lá um amigo meu’. Outra coisa é dizer: ‘Vou escolher aquela pessoa só porque é meu amigo’. E não tenho dúvidas de que Luís Montenegro tem melhores condições para ser presidente do PSD e para ser primeiro-ministro. 

Em 2019, foi relegado para lugar não elegível nas listas para as europeias. Ao aceitar o convite de Luís Montenegro, pesou na decisão uma potencial candidatura às próximas europeias, em 2024?

Não. Primeiro, nunca fiz uma conversa nesse sentido. Segundo, não creio sequer que Luís Montenegro tenha tomado qualquer decisão ou sequer pensado muito sobre a matéria. Estamos a dois anos de distância. Agora, é verdade que a circunstância de ter sido relegado para lugar não elegível diminuiu a minha capacidade de intervenção no PSD. Numas eleições internas em que Rui Rio era candidato, só tinha uma hipótese se quisesse estar presente, que era apoiá-lo, porque se tomasse qualquer outra atitude de não apoiar Rui Rio e apoiar outro candidato, as pessoas iam dizer que era um ressabiamento, que estava a tomar posição não por convicção, mas por represália, por retaliação. E tinha para mim como claro que se tomasse partido nas eleições diretas por algum candidato contra Rui Rio isso não apenas não seria útil para o candidato que quisesse apoiar, porque seria um apoio desqualificado, como não seria elegante enquanto quadro político. 

Claro, caso essa situação não tivesse ocorrido, nas últimas diretas entre Rio e Rangel, que projeto é que teria apoiado? 

Paulo Rangel, sem dúvida.

O PSD terá de enfrentar um longo período como oposição a uma maioria absoluta socialista. Que desafios vão encontrar pelo caminho nesta tarefa já de si tão difícil?

Com certeza que é difícil. Mas, por outro lado, tem a vantagem de não haver desculpas. Quem tem a maioria absoluta tem a responsabilidade de exercer a governação e não se pode desculpar com ninguém. A solução que tínhamos antes era uma solução mais precária e até, sob o ponto de vista dos princípios, um tanto instável, porque o PS acabou por se juntar a dois partidos, ao BE e ao PCP, que tinham em muitas matérias opiniões bem diferentes, dizem alguns, até contrariando certos desígnios históricos do PS de Mário Soares.

A verdade é que António Costa podia nessa solução desculpar-se e dizer: ‘Tive que ceder, isto não é o que nós queríamos, mas o BE e o PCP…’. O PS tinha um bode expiatório. Agora não tem e está exclusivamente com a responsabilidade que os portugueses lhe deram. Isso torna joga o político mais claro e permite também ao PSD não transgiversar. Os portugueses estão à espera que o PSD não apenas não se cale na denúncia daquilo que está mal, mas também que seja capaz de dizer qual é a alternativa, o que faria de diferente. Isso obriga a construir uma alternativa de governo e isso está claro na proposta de Luís Montenegro com aquilo a que ele chamou o Movimento Acreditar. Em terceiro lugar, o PSD tem que ter unidade interna e tem que se reconstruir de certa forma. Ou seja, tem que se reestruturar. Os três desafios mais importantes, neste momento, é afirmar a oposição, construir a alternativa e preparar o PSD para estes combates. 

A excessiva colagem de Rio ao PS prejudicou o partido nas legislativas?

Para ser sincero, neste momento é mais útil olharmos para o futuro do que olharmos para o passado. Obviamente que o passado é sempre bom para não repetirmos erros, mas não faz sentido estarmos a carpir as mágoas do passado. Houve seguramente erros de estratégia, de protagonismo, de colocação política, de comunicação e de mensagem. O que temos de perceber é o que correu menos bem para não tornar a repetir.

Nestas diretas, o universo de militantes é muito reduzido em comparação com anteriores. O partido não está mobilizado?

Há muitos militantes do partido que estão cansados da sucessão de derrotas, das guerras internas e da falta de perspetivas e ficaram muito desmotivados com uma eleição em que o PS conseguiu a maioria absoluta. O que é politicamente sensível é o sintoma de que há efetivamente militantes desmotivados e desiludidos. Portanto, temos que reconquistar militantes e portugueses. O PSD tem que ir para a luta, para o campo de batalha, com essa ideia.

Há quem acuse Montenegro de ser ‘aquilo que o PSD tem de pior’, por jogar a dança das cadeiras e andar em almoços e jantares a oferecer lugares a troco de apoios…

Nunca o vi oferecer lugares a ninguém. É verdade que há almoços e jantares, sobretudo com militantes, e há sessões e debates. Isso é importante, saudável e louvável. Percebo que haja pessoas, ou por falta de estrutura ou por falta de vontade, que não gostem de estar nesses contactos com militantes. Mas um partido não é uma obra de um homem só, é um esforço coletivo. Todos têm que estar mobilizados. É importante que os militantes conheçam o candidato e aquilo a que se propõe fazer. O que interessa mesmo são as pessoas.

Quando era adolescente li um livro de uma senhora liberal inglesa, Shirley Williams, A Política é para as Pessoas. A política não é para os comentadores fazerem exercício de esgrima intelectual. A política não é para as elites se saciarem na mesa do poder. A política não é para aqueles que se acham donos da verdade. A política é para as pessoas e depende dos resultados. Se formos capazes de melhorar a vida das pessoas, estamos a ser bem sucedidos na política. Se não o conseguirmos fazer, somos completamente insucedidos. Não é possível fazer política para as pessoas nas costas das pessoas ou sem falar com elas.

Tem sido muito discutido o posicionamento dos candidatos em relação ao Chega. Luís Montenegro já foi acusado de ser ambíguo. Na moção de estratégia global parece sugerir que não irá descartar uma solução de maioria de direita com o Chega se isso significar que o PS não se perpetua no poder…

Vi uma declaração de  Moreira da Silva a dizer que no PSD não há espaço para os racistas, xenófobos, etc. A moção de estratégia do Luís Montenegro diz, e passo a citar: ‘No PSD não fazemos cedências nem transigimos nos valores essenciais da dignidade da pessoa humana. Não há, como nunca houve, espaço no PSD para racismo, xenofobia, discriminações, nacionalismo, ou extremismo, nem para ódios de classe, ditaduras do politicamente correto, nem agendas ideológicas totalitárias de esquerda ou de direita’.

A afirmação de princípio está cá. Mas houve algumas pessoas, em bom rigor bastante mais à esquerda, que tentaram eleger a questão do Chega como a questão fundamental. Fazer do Chega uma bête noire só convém ao PS. Aquilo que Montenegro disse parece-me politicamente mais certo, que é dizer que o adversário é o PS e que vai concentrar as suas energias nesse adversário.

Mas para todos os efeitos não descarta uma maioria de direita com o Chega…

Essa não é uma questão que esteja em cima da mesa. Não estamos a discutir nem Chega, nem IL, nem CDS, nem PS, nem BE, nem PCP. Não estamos discutir coligações com nenhum deles. Há soluções possíveis nas regiões autónomas que são mais improváveis no plano nacional. Também acho que a solução encontrada nos Açores revelou-se positiva para alterar o panorama de poder e tirar o PS do Governo.

Com alguma instabilidade que está associada a posições mais radicais. Mas o que me parece importante identificar na experiência dos Açores, é que não contaminamos nada do debate com essa solução. O importante é responder à questão de princípio: ‘Estamos condenados a subjugar-nos à maioria absoluta do PS e não ter alternativas ou vamos construir uma alternativa?’.

Não põe em questão se o PSD o conseguirá fazer sem os outros partidos?

Ninguém sabe. Estamos a quatro anos das próximas eleições legislativas. Quantas pessoas diziam que era provável o PS ter maioria absoluta nas últimas eleições? Estarmos a partir do princípio de que tem de haver bengalas, que não vamos lá sozinhos, é um tiro no pé. Não faz nenhum sentido. O PSD foi capaz noutros momentos da sua história de construir maiorias absolutas, por que não havemos de o conseguir novamente? Luís Montenegro acredita na força do PSD e na capacidade de apresentarmos uma alternativa e é isso que iremos fazer.

Ponderando que podia encontrar-se uma maioria de direita com o Chega, isso não estaria a dar mais espaço ao Chega para crescer e a retirar mais espaço ao PSD?

Isso é um cenário que só o PS tem interesse em meter em cima da mesa. 

Em relação ao perfil dos dois candidatos, há quem reconheça em Moreira da Silva mais experiência como governante e a Montenegro mais experiência a fazer oposição. Mas ambos traçaram um objetivo muito claro que é chegar a primeiro-ministro. Quem tem mais perfil para ser primeiro-ministro?

A experiência do Executivo é importante, mas não condiciona. Pedro Passos Coelho foi um grande primeiro-ministro e não tinha experiência executiva prévia. Isso não é uma questão determinante. A questão determinante é quem está em melhores condições para exercer a liderança, porque o primeiro-ministro é um decisor, é um chefe de equipas, é um motivador do partido, é alguém que aponta rumos, é alguém que converge energias, que toma decisões. E Luís Montenegro tem o perfil para essa função.

O Jorge Moreira da Silva tem muitas qualidades, é importante que ele e algumas pessoas que estão com ele sejam aproveitadas e creio que Luís Montenegro já disse isso publicamente. Todos somos necessários para construir a solução de unidade a seguir ao dia 28 de maio. E todos têm qualidades que podem emprestar a este esforço. Espero que isso aconteça.

Luís Montenegro tem um projeto mobilizador para os mais jovens?

Sim e gostei muito de ver o mandatário nacional para a juventude que Luís Montenegro escolheu, que foi nosso cabeça de lista em Portalegre, João Pedro Filipe, um jovem com muitas qualidades. Revelou-se muito cedo na universidade de verão, com muito valor e é símbolo de uma geração nova que quer participar e que o faz com qualidade. Creio que as preocupações que estão na moção relativamente ao apoio aos jovens e à valorização da juventude portuguesa no esforço da modernização de Portugal estão bem interpretadas e vão ser bem lideradas por Luís Montenegro. 

Que cartas ainda tem Montenegro para jogar para atrair a militância mais jovem do partido?

Temos mandatários jovens em todos os distritos, temos feito iniciativas de debate com jovens, não apenas da JSD, e temos na nossa moção preocupações claras no apoio à nossa juventude. Creio que para lá do que está na moção, na prática política Luís Montenegro dará espaço aos jovens e vai repercutir isso também nos protagonistas. O PSD, que perdeu espaço noutros segmentos eleitorais, recuperou nos mais jovens.

A uma semana das diretas, parece haver a perceção de que Montenegro é o favorito, pelos apoios que tem conquistado a nível distrital. Também é esse o ambiente que se respira na campanha?

Nada substitui o ato eleitoral. A ideia de que há vitórias antecipadas é errada, até porque desmobiliza o voto. É necessário que todos votem e estamos a fazer um grande apelo à mobilização eleitoral, para que os militantes não deixem de votar no dia 28. Achamos até inconveniente qualquer ideia de que já há vencedores antecipados. Numa eleição nunca há vencedores antecipados. Veja-se o que aconteceu nas últimas legislativas, havia quem achasse que o PSD já tinha ganho e afinal perdemos de uma forma clara e o PS levou uma maioria absoluta.

Não esperam uma surpresa como aconteceu nas últimas diretas em que se antecipava uma vitória robusta para Rangel e, na verdade, Rio conseguiu ser reeleito?

Não lhe escondo que tenho a esperança que haja uma vitória clara, ou seja, por uma expressiva maioria. Ficaria surpreendido se fosse uma vitória tangencial. Mas não quero alimentar a ideia de que há vencedores antecipados, penso que isso é negativo para o esforço de participação dos militantes.

Até às próximas legislativas, há duas eleições muito importantes que podem ditar a queda de quem venha a ser líder do PSD, as europeias em 2024 e as autárquicas em 2025. Entre este período há ainda eleições na Madeira em 2023 e nos Açores em 2024. Luís Montenegro compromete-se a vencer todas. Não será demasiado ambicioso?

Se não houver ambição, a vida não tem piada. Sá Carneiro dizia muitas vezes que a política sem ética é uma vergonha e sem risco é uma chatice. Temos que ter ambição. Não são objetivos utópicos, são possíveis e vamos lutar por eles.

Os opositores internos também poderão colocar a cabeça de Montenegro a prémio caso não cumpra…

Mas Jorge Moreira da Silva diz exatamente a mesma coisa. Estamos novamente a partir do cenário pessimista e quero acreditar que temos de olhar para isto com otimismo, mas também com realismo. E, com realismo, acho que são objetivos possíveis.

No CDS-PP, Nuno Melo já disse que as europeias servirão de prova de fogo ao partido, pretendendo ir sozinho a jogo. Não vê nisso uma preocupação para o PSD?
 

De modo nenhum. É verdade que o PSD não está em dias de grande vigor. Mas é exatamente por isso que estamos a dar novo fôlego ao PSD. Quando tivermos esse objetivo eleitoral pela frente creio que o partido estará em melhores condições para disputar essas eleições com uma vitória. É possível, é desejável, é realista que o PSD torne a ser o maior partido. 

Entre as propostas que constam da moção, augura-se o regresso da marca PPD…

Quando os fundadores lançaram o partido, houve um trabalho de implantação em que responsáveis do partido andaram de distrito em distrito à procura dos melhores. E o PPD, na altura, criou-se, tal como explicou Marcelo Rebelo de Sousa num livro sobre as origens do PSD, com pessoas com sensibilidades diferentes. Com percursos de história diferentes. Mas de maneira geral era a gente boa da terra. Eram as pessoas que eram reconhecidas, profissional e socialmente, como as pessoas que valiam a pena, que eram referência. E neste diálogo com o Movimento Acreditar que Luís Montenegro quer lançar, quer contar naturalmente com os militantes todos, com as estruturas do PSD, com os gabinetes de estudo, com todo esse material humano que tem muita qualidade. Mas quer ir também ao encontro da sociedade.

Quer que as forças vivas da sociedade se reencontrem com o PSD, quer de certa forma regressar ao PPD, na capacidade de identificar pessoas que hoje existem na nossa sociedade e que hoje estão um bocadinho afastadas da política e dos partidos, que perderam o interesse, a motivação e alguns até a esperança. Mas que são pessoas com valor e que têm ideias para o futuro de Portugal e comportam soluções. Este regresso ao PPD é de certa forma o regressar ao espírito inicial. Um partido não é forte se se fechar sobre si próprio. É forte se for capaz de se abrir. E Luís Montenegro quer abrir o PSD.

Falemos então de abertura, propõem uma revisão estatutária e regulamentar e com isso a abertura do universo eleitoral a todos os militantes.

Temos propostas concretas para alterações no partido, desde alterações concretas ao nível da estrutura de formação de quadros, quer ao nível da produção de políticas e de alternativas, quer na utilização das novas tecnologias, quer nas soluções de comunicação. Algumas destas soluções obrigam a alterações estatutárias, mas este processo também será de construção. 

Mas pode passar por abrir o processo eleitoral aos militantes que não pagam quotas?

Pode passar por isso, sim.

Também propõem um think tank do espaço não-socialista…

A lógica é integrar estruturas que estão na órbita do PSD e que produzem pensamento. Há o gabinete de estudos, há o CEN, há o Instituto Francisco Sá Carneiro. Não faz sentido duplicar respostas, faz sentido juntar tudo, dar coerência no funcionamento, dar uma base profissional, porque isto não vai com amadorismos. Se tivermos a capacidade de pensar as políticas públicas, esse think tank deve ter as duas vertentes, isto é, de analisar aquilo que o Governo está a fazer para podermos criticar com mais fundamento e capacidade de produzir alternativas. O think tank será uma estrutura permanente de reflexão que dará pistas de intervenção para os órgãos do partido, para o grupo parlamentar, para a nossa interação com a sociedade civil e para a nossa comunicação com os militantes. Um partido moderno é assim que se estrutura.

Não esquecendo que Moreira da Silva foi ministro do Ambiente e tem como uma das suas bandeiras a preocupação com a crise climática, Montenegro trouxe para a sua moção uma proposta arrojada que é a da neutralidade carbónica antes de 2050.

Esse é um objetivo que é partilhado por muita gente na Europa e temos a consciência de que há grandes desequilíbrios a nível global e que ou conseguimos atingir a neutralidade carbónica ou estamos a aumentar a capacidade do planeta se autoaniquilar. O Yuval Noah Harari explicou isso muito bem nos seus livros. Portanto, temos de ter a capacidade de chegar a sinais positivos. Há quem discorde dessa orientação, mas penso que é maioritária junto dos agentes políticos que a Europa tem que liderar esse esforço. E dentro da Europa, Portugal é dos países que tem sinalizado uma posição liderante.

Sobre a crise demográfica, abordam dois vetores de atuação, como a criação da uma rede pública de creches e a aposta na imigração. Aquilo que faz um menor consumo da educação pré-escolar não é o caráter obrigatório ou não obrigatório, mas é a falta de rede. Isto é, se a rede fosse melhor na taxa de cobertura e nos horários que cobre, teríamos mais pessoas a recorrer à educação pré-escolar. A minha solução não passaria por tornar obrigatória. Se as famílias têm hipóteses de interagir e de educar as crianças em casa isso não tem problemas nenhuns, agora a educação pré-escolar tem uma vantagem que é colocar as crianças a interagir com outras da mesma idade. Há descobertas sensoriais, estéticas, brincadeiras que são possíveis num estabelecimento de educação pré-escolar.

Mas tenho alguma relutância em considerar que a solução passa por tornar obrigatória. A solução é a melhoria da oferta. Tem de haver mais oferta. E depois há também a questão dos horários, porque a rede pública tem horários mais limitados, que nem sempre são compatíveis com a atividade profissional. Há aqui problemas que podem ser resolvidos. 

Quanto à imigração, como se atrai talento para um país que tem salários tão baixos e uma carga fiscal tão pesada?

Está a ver bem a questão. Mas é exatamente por isso que a moção também fala na redução da carga fiscal e no aumento do salário mínimo e do salário médio. 

Quanto à revisão da lei eleitoral, uma das propostas que o grupo parlamentar do PSD estava para apresentar, se fosse deputado como votaria, por exemplo, a redução do número de deputados?

Primeiro, gostaria de dizer que Rui Rio esteve bem quando condicionou a apresentação dessas propostas às conversas que ia ter com os dois candidatos e esteve bem quando, face à opinião de Luís Montenegro, que exprimiu não ser o momento indicado, decidiu não apresentar essas propostas. Foi um processo claro, limpo e bem feito. Relativamente à redução do número de deputados, admito que possa haver alguma redução, mas não drástica.

Luís Montenegro defendeu a necessidade de um referendo para legislar sobre a eutanásia.

Sou católico, mas a favor da eutanásia e contra o aborto. Acho que no aborto há uma vida que não se pode pronunciar e, portanto, temos obrigação de proteger essa vida. Na questão da eutanásia, temos um adulto consciente, responsável, que decide do grau de sofrimento que está disposto a tolerar.