Sinais de fumo sobre uma derrota anunciada

Os EUA são os grandes ganhadores da crise ucraniana: vendem mais energia, vendem mais cereais e venderão mais equipamento militar.

por Francisco Gonçalves

Primeiro o embaixador da Federação Russa nos EUA disse que «pelo menos nós, os diplomatas russos que trabalham cá [na embaixada nos EUA], não aceitaremos nenhuma capitulação». O ‘pelo menos nós’ dito por um militar e diplomata experimentado, revelou divisões internas que, apesar de sempre sugeridas, nunca antes tinham sido expostas.

Depois, um importante comentador militar russo afirmou, na televisão pública, que a situação na Ucrânia irá ‘claramente piorar’ com a chegada de novo e mais moderno equipamento militar à Ucrânia, e que “o maior problema é o nosso isolamento geopolítico, todo o mundo está contra nós, mesmo que não o queiramos admitir” (24 horas depois contradisse-se, mas regista-se o momento de honestidade intelectual).

Sabendo que nenhum regime é monolítico, a realidade é que não estamos habituados a este tipo de reconhecimento de divisões internas ao regime ou ao reconhecimento de dificuldades militares e políticas.

Curiosamente, estas intervenções aconteceram na mesma semana que se soube do pedido de adesão de Finlândia e Suécia à NATO. Se a invasão da Ucrânia servia para travar o avanço da NATO junto ao Mar Negro, até agora apenas conseguiu o inverso, com o avanço da NATO no Báltico.

A território russo tem 4 importantes saídas para o mar: Oceano Glaciar Ártico, Mar Báltico, Mar Negro e Mar do Japão. Todas estas saídas têm problemas, alguns naturais, relacionados com o facto de parte do ano estarem congelados (Ártico, Báltico e Japão), outros políticos, relacionados com o sistema de alianças dos EUA, construído no âmbito da doutrina da contenção, durante a Guerra Fria (Negro e Japão).

As menos bloqueadas destas saídas eram exatamente o Ártico e o Báltico, onde agora, caso se concretize este novo alargamento da NATO, aumentará, substancialmente, a sensação de colete de forças aplicado à Rússia.

Se, a estes sinais mais evidentes, somarmos as decisões da Lenovo e da Xiaomi (importantes tecnológicas chinesas) de deixarem a Rússia, de modo a poderem continuar a operar no mercado norte-americano, começamos a compreender o nível de isolamento a que a Federação Russa está a chegar. A República Popular da China nada diz que prejudique a ‘amizade sem limites’ com o aliado, mas o pragmatismo continua a ser o elemento central da sua ação externa.

Destes sinais começam a desenhar-se os novos contornos no sistema internacional. Há um retrocesso no avanço dos países com regimes iliberais, e na preponderância destes na regulação do sistémica.

Os EUA são, até ver, os grandes ganhadores da crise ucraniana: vendem mais energia, vendem mais cereais e venderão mais equipamento militar. Estrategicamente vêm reconhecidas as vantagens das suas alianças e é o seu guarda-chuva protetor que surge como escudo. Paralelamente, os seus aliados europeus comprometeram-se a, finalmente, cumprir com as metas orçamentais de defesa, aliviando a despesa militar norte-americana.

A guerra por procuração que a Ucrânia trava serve, sobremaneira, interesses terceiros. Importa, por essa razão, que a atual administração norte-americana tenha a sabedoria de Roosevelt/Truman, em 1945, e Reagan/Bush, em 1991. À derrota estratégica, que se avizinha, não se pode somar humilhação e caos. Da humilhação nascerá novo revisionismo, do caos interno virá o abrir da caixa de Pandora nas fronteiras do país mais extenso do planeta. Não há boas notícias.