Segundo dia de discussão do OE 2022 ‘quente’ com ‘farpas’ à esquerda e à direita

Circularam pelo plenário papéis com a definição da palavra “hipócrita”, e falou-se em “fraude” e “pontapé no regimento”.

O segundo dia do debate na Especialidade da proposta de Orçamento do Estado para 2022 foi, no mínimo, inusitado. Da esquerda à direita voaram pelo plenário acusações, críticas e palavras fortes como “hipócritas” e “fraude”.

Esta última ouviu-se quando, retomando o tema que fechou o debate na segunda-feira, se falou sobre a alteração dos socialistas à sua proposta sobre o Fundo Social Municipal (que prevê o aumento da margem de endividamento das autarquias para 40%, unicamente para assegurar o financiamento nacional de projetos cofinanciados, na componente de investimento não elegível). Paulo Mota Pinto, líder parlamentar do PSD, acusou tratar-se de uma “fraude das regras”.

Em resposta, o líder da bancada socialista mostrou-se “surpreendido” pelo facto de a nova proposta socialista não ter sido aceite, mas a realidade é que pelo plenário não deixaram de soar as críticas. A líder parlamentar do PCP, Paula Santos, defendeu não se tratar, na realidade, de uma proposta de substituição, mas sim de uma nova proposta sobre questões que o PS ainda não tinha abordado. “Não é só uma questão de praxe, há uma alteração da proposta. Não podemos permitir que a maioria absoluta do PS não faça cumprir as regras. Com a maioria absoluta e estas atitudes abusivas, não há regras que valham”, disse.

Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, reiterou a crítica, acusando: “É um precedente perigoso que o PS quer abrir porque hoje tem maioria absoluta. Se não tivesse, nunca quereria abrir. E é por ter maioria absoluta que não o podemos permitir”.

E para finalizar, num tom ainda mais pesado, Filipe Melo, do Chega, definiu todo este imbróglio como sendo “um pontapé no regimento”.

Hipocrisia? Foi o próprio Chega que protagonizou também um dos momentos mais polémicos do segundo dia de debate na especialidade do OE2022. Pedro Frazão começou por falar no tema da Saúde, acusando o Governo socialista de criar uma “falsa esperança de que tudo vai ser melhor, nomeadamente na área da Saúde”. Uma “mentira”, acusa Frazão, apontando o dedo a António Costa por, acusa, se ter ‘vendido’ à extrema-esquerda. As acusações subiram de tom quando Frazão acusou o secretário de Estado da Saúde, médico ortopedista, de operar no setor privado quando atendia no público. “Os socialistas caviar são uns hipócritas, querem hospitais de luxo para eles”, acrescentou.

A bancada socialista não gostou, e fez ouvir as suas queixas pelo plenário, com o líder parlamentar Eurico Brilhante Dias a garantir que não admitiria “que os deputados do PS sejam tratados como hipócritas naquela que é a casa da democracia”, anunciando que iria distribuir pelo plenário um documento com a definição da palavra ‘hipócrita’. O próprio secretário de Estado da Saúde respondeu a Frazão, com um toque de ironia. Lacerda Sales disse que, enquanto médico, já viu muitas “fraturas expostas”, mas no Parlamento a sua missão passa por sarar fraturas entre os portugueses, que outros – entenda-se o Chega – preferem, acusa, alargar.

Mas o momento mais surreal do dia estava por chegar. Ainda na sequência da polémica levantada por Pedro Frazão, os serviços do Parlamento – a pedido do líder da bancada socialista, Eurico Brilhante Dias – dedicaram-se a distribuir pelos presentes no plenário uma folha que era nada mais e nada menos que uma captura de ecrã de uma página do dicionário online Priberam, onde se lia a definição da palavra ‘Hipócrita’.

Uma ação que deixou perplexos alguns dos deputados presentes. Paulo Mota Pinto, ao receber o papel, defendeu que, na Assembleia da República, “deve distribuir-se coisas sérias, propostas e não andar a brincar”.

Do outro lado, no entanto, a bancada socialista ria com a ‘brincadeira’, garantindo Brilhante Dias, em resposta a Mota Pinto, que o PS “cumpre” o que promete.