A poluição ‘silenciosa’ dos sedimentos

Sedimentos? Afinal o que são e para quê falar da poluição dos sedimentos (materiais alterados/desagregados que se destacam das rochas e são transportados por água, vento, gelo, gravidade). 

por Anabela Cruces
Diretora da Licenciatura em Engenharia do Ambiente – Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Contaminação e poluição associam-se à presença de substâncias com concentrações superiores às típicas de determinada região e que em consequência podem produzir efeitos nocivos na saúde humana e no ambiente. Se as concentrações atingem valores elevados, com efeitos nefastos em pelo menos uma espécie, a contaminação ambiental é considerada poluição. Existem diferentes tipos de poluição sendo as mais mencionadas a do ar, do solo, sonora, luminosa, térmica, mas pouco destaque se tem dado à dos sedimentos, principalmente dos ambientes aquáticos.

Sedimentos? Afinal o que são e para quê falar da poluição dos sedimentos (materiais alterados/desagregados que se destacam das rochas e são transportados por água, vento, gelo, gravidade). No caso dos ambientes aquáticos, estas partículas, com dimensões e composições muito variadas são transportadas pela água, até que por perda de capacidade de transporte, se depositam em locais de baixa energia (rios, lagos, estuários/lagunas, oceanos). Na ausência de erosão, irão acumular-se e permanecer, ao longo de décadas, séculos ou mesmo milhares de anos, formando uma ‘enciclopédia’ cujas folhas registam as alterações ocorridas nesse ambiente ao longo do tempo. Num passado longínquo, os sedimentos refletiriam inicialmente apenas as alterações impostas pela natureza. No entanto, quando a coexistência com o Ser Humano se inicia, estes sedimentos passam a reter juntamente com os materiais naturais um acréscimo de mais substâncias: o excesso de matéria orgânica proveniente de atividades agropecuárias ou efluentes urbanos, uma ‘sopa de poluentes’ provenientes dos mais diversos tipos de atividades industriais/comerciais/urbanas/militares/mineiras (poluentes orgânicos, inorgânicos, radioativos, microrganismos). Tudo num empilhamento mais ou menos espesso consoante a velocidade de deposição, sobrepondo-se os sedimentos recentes contaminados, aos sedimentos mais antigos com características naturais de cada região.

Quem quiser e souber ler ‘este livro’, onde podem coexistir ‘folhas’ de areias intercaladas com cascalho ou argilas, pode facilmente identificar o momento no tempo em que o ambiente natural foi perturbado pela atividade antrópica, que promoveu o aumento das concentrações naturais ou acrescentou mesmo substâncias novas, nestes ambientes. 

São estes sedimentos contaminados/poluídos que estão em contacto com as águas dos nossos rios, estuários, lagunas e oceanos e com os quais hoje podemos correr o risco de coabitar. São nestes sedimentos que podem viver e alimentar-se milhões de seres vivos que servem de base, direta ou indiretamente, à nossa alimentação.

Longe do nosso olhar, sob a água, sinónimo de vida, que não cessa de correr, temos os sedimentos que podem guardar em si uma poluição silenciosa. Embora no ditado se afirme: ‘Longe da vista, longe do coração’, será neste caso mais prudente dizer: Longe da vista, mas não da preocupação!