Um livro não se lê em 15 minutos

A população escolar e a população em geral têm hoje acesso facilitado a muito mais informação e conhecimento. Mas faltam-lhes cada vez mais as bases do saber. Com as quais não têm tempo a perder.

Teresa Calçada e Elsa Conde demitiram-se em abril passado do comissariado do Plano Nacional de Leitura (PNL). Segundo o Público (edição desta sexta-feira), a comissária e a subcomissária cessantes do PNL não revelam ‘para já’ as razões que as levaram a deixar o mandato a meio, mas avançam que já tinham comunicado ao anterior Governo a vontade de sair.

No entretanto, o Ministério da Educação, lê-se no mesmo jornal, veio esclarecer que «o pedido de demissão surge na sequência de, volvidos os primeiros cinco anos da missão consignada, em 2017, ao PNL 2027, a equipa considerar estar cumprida esta primeira grande etapa, de um trabalho de consolidação das ações concretizadas nos primeiros dez anos do plano» (sic).

Pois sim.

No mesmo artigo acrescenta-se que, no preciso mês de abril em que Teresa Calçada e Elsa Conde se demitiram, foi apresentado o último relatório de avaliação do PNL, assinalando que o principal impacto do plano «é a sua capacidade de travar a tendência para um decréscimo das práticas de leitura entre a população escolar e a população em geral». Acrescentando-se: «Sem esta política e estratégia (PNL), os resultados nacionais poderiam ser mais baixos».

Está tudo dito.

Ou  seja, se não fosse o Plano Nacional de Leitura, os estudantes e a população portuguesa em geral ainda leriam menos do que estão a ler. E estão a ler cada vez menos. Muito pouco os estudantes e quase nada a população em geral.

E a verdade é que ninguém parece estar muito preocupado com isso. Designadamente no Governo e em particular no Ministério da Educação.

Talvez essa seja, porventura, uma das razões para a comissária e a subcomissária do PNL terem descalçado esta bota.

Dá-se a coincidência de por estes dias ter tropeçado num anúncio que reza mais ou menos assim: «Leia um livro em 15 minutos. Tudo o que precisa de saber sobre os grandes clássicos da literatura em 15 minutos. As personagens, os locais, as histórias…».

Com esta extraordinária app, não precisa de ler nada para saber tudo. Até pode não saber ler nem escrever.

Não é mesmo extraordinário?

É um género de cultura de enciclopédia ‘petit-laroussiana’ da era moderna.

A população escolar e a população em geral têm hoje acesso facilitado a muito mais informação e conhecimento.

Mas faltam-lhes cada vez mais as bases do saber.

Com as quais não têm tempo a perder.

A comissária e a subcomissária do Plano Nacional de Leitura demitiram-se no mês de abril e, estando maio a chegar ao seu final, ainda não se sabe quem lhes sucederá. Como continua sem se saber, ‘para já’ e até ver, o que sucedeu para ambas se demitirem.

Uma coisa é certa, a nomeação dos responsáveis pelo Plano Nacional de Leitura, como resulta evidente, não é uma prioridade para o Governo.

O que permite concluir que o Plano Nacional de Leitura não é, em si, uma prioridade para o Governo.

Ou melhor, a leitura e os índices ou práticas de leitura (sendo rigorosos: a luta contra a ausência da dita) da população escolar e da população em geral não são uma prioridade para o Governo.

Antes pelo contrário.

Afinal, bastam 15 minutos para sabermos tudo o que precisamos saber sobre os clássicos e assim ficamos com mais tempo para consumirmos tudo o resto que nos impingem a toda a hora.

Sem sabermos ler nem escrever.

Como obviamente convém.

Portugal tem uma das livrarias mais bonitas do mundo – a Livraria Lello, no Porto – e uma das mais extraordinárias bibliotecas – a Biblioteca Joanina, em Coimbra. Ambas são de visita obrigatória. Mas os livros, para a esmagadora maioria, não passam de meros adereços a embelezar as prateleiras.

Ai se não fosse o Plano Nacional de Leitura e o Estado a incentivar as boas práticas e o consumo de jornais, revistas e livros.