O juiz que não acredita na liberdade de imprensa

Que Rui Rio queria calar os jornalistas, já se sabia – no passado não faltaram outros que o tentaram e até conseguiram nalguns casos… – mas um juiz do Tribunal Constitucional defender algo que está na linha vermelha da Constituição é preocupante.

A polémica do juiz candidato a um lugar no Tribunal Constitucional (TC), António Almeida Costa, tem todos os ingredientes para ajudar a clarificar a constituição dos membros futuros do TC e, já agora, de outros órgãos institucionais. Ao irem ao baú buscar o pensamento de Almeida Costa sobre o aborto abriu-se uma porta que não deve ser fechada. Todos os elementos do TC deviam ser escrutinados e devíamos saber se o seu pensamento viola ou não a Constituição portuguesa.

Parece que, nessa matéria, o juiz ultrapassou em muito as linhas vermelhas da Constituição, pois defende que uma mulher violada não pode fazer aborto, pois só engravida quem tem prazer – tal conclusão terá sido tirada pelas experiências dos campos de concentração nazis. Mais coisa, menos coisa foi o que escreveu há quase 40 anos, nunca tendo corrigido esse pensamento. Penso que todos estamos de acordo que é uma enorme barbaridade o que o magistrado defendeu. E não está em causa o que ele pensa, pode pensar isso e muito mais. Mas alguém com este pensamento fazer parte do Tribunal Constitucional é que parece muito mais problemático. Também não me parece que um órgão como o TC possa ter pessoas com esses pensamentos, até por questões legais.

Para dar ainda mais gás à polémica, descobriu-se agora que Almeida Costa é o homem que Rui Rio sonhou para ministro da Justiça, se algum dia tivesse tido a possibilidade de formar Governo. O candidato a uma vaga no TC – a eleição é na próxima terça-feira – defende que é preciso punir os jornalistas que violem o segredo de Justiça, algo contrário até ao defendido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. «Vão perdoar-me. Acho que falta coragem política para punir quem divulga [casos em segredo de Justiça]. É muito fácil chegar ao escrivão de um tribunal e dar-lhe três mil de euros… no espaço de antena dá uns milhões. É uma guerra perdida», disse no Parlamento onde foi ouvido em abril pelos deputados da comissão de Assuntos Constitucionais, devido à sua então recandidatura ao Conselho Superior do Ministério Público. Extraordinário, Almeida Costa acha que há escrivães que recebem milhares de euros para violarem o segredo de justiça e acredita que quem corrompe ganha milhões. Não sei em que país vive o candidato a membro do TC, mas não deve ser em Portugal. E, já agora, Almeida Costa já pensou em fazer uma caça às bruxas entre os escrivães?

Que Rui Rio queria calar os jornalistas, já se sabia – no passado não faltaram outros que o tentaram e até conseguiram nalguns casos… – mas um juiz do Tribunal Constitucional defender algo que está na linha vermelha da Constituição é preocupante. Mas, como disse, percebe-se que alguém que não gosta de Almeida Costa tratou de o queimar, mas todos nós devíamos saber o que pensam os restantes colegas deste juiz agora debaixo de fogo. Nada como a transparência.

P. S. Marcelo Rebelo de Sousa é acusado de estar ‘lelé da cuca’ por falar mais do que devia e por ter comprometido a segurança do primeiro-ministro na sua viagem a Kiev. Também muitos questionam os seus excessos em público, nomeadamente a sua teatralização em alguns momentos. É certo que Marcelo se põe a jeito para lhe caírem em cima, mas parece-me que o_Presidente está a ser vítima do seu discurso na tomada de posse do novo Governo, onde avisou que dissolvia a Assembleia da República caso António Costa deixasse o cargo de primeiro-ministro a meio do mandato, para ir para Bruxelas. Como todos sabemos, quem se mete com o PS… leva. E Marcelo Marcelo está a pagar essa ousadia de se ter metido com o PS.

vitor.rainho@sol.pt