O Jubileu de Platina

A vida e as obrigações de um monarca que dignifica a Coroa e a Nação, como a de um Presidente que honra a Constituição e os seus eleitores, impõe muito mais sacrifícios e obrigações do que direitos e mordomias.

Se a Monarquia está em crise, vale a pena olhar para o Jubileu de Platina da Rainha Isabel II.

Não é apenas em Londres, nem só no Reino Unido ou na Commonwealth, mas no mundo inteiro, incluindo neste cantinho dos seus mais velhos aliados, que milhões e milhões acompanharam desde quinta-feira e continuarão a acompanhar por estes dias (até amanhã) as celebrações dos 70 anos do reinado de Isabel II.

Aliás, a avaliar pela overdose de transmissões em direto e em diferido das televisões (também das portuguesas), na quantidade de meios mobilizados, de enviados especiais e de comentadores encartados, dir-se-ia que a República, sim, é que tem de cuidar-se, porque o povo gosta de reis e de rainhas, de príncipes e de princesas e da corte e dos seus bobos, que os há cada vez mais e mais influentes, porque os líderes republicanos e das democracias modernas se lhes sujeitam de forma tantas vezes humilhante e indigna para a condição de quem está em lugar ou funções de representante do Estado, da Nação ou do seu Povo.

Harry e Meghan, por exemplo, renunciaram à realeza e sujeitaram-se a entrevistas principescamente pagas em que provaram não estar minimamente na posse dos requisitos mais elementares para poderem um dia ascender na linha de sucessão da monarquia britânica.

A vida e as obrigações de um monarca que dignifica a Coroa e a Nação, como a de um Presidente que honra a Constituição e os seus eleitores, impõe muito mais sacrifícios e obrigações do que direitos e mordomias.

O retrato da Rainha é hoje consabidamente muito mais o da série The Crown (Netflix) – de Peter Morgan, com Olívia Colman, Helena Bonham Carter e Tobias Menzies –, do que o das histórias de encantar e dos contos de fadas da nossa infância ou das revistas cor de rosa que continuam a ser das mais vendidas lá como cá. Sem que isso represente qualquer menorização do papel da Rainha e da Monarquia, bem antes pelo contrário.

A realidade nua e crua é objetivamente muito mais favorável para a imagem de Isabel II e para tudo o que ela representa do que uma qualquer historiazinha de sonho e de fantasia.

A Rainha Isabel II é uma personalidade fascinante e marcante dos séculos XX e XXI.

Faz parte de um grupo restrito de estadistas e líderes políticos com qualidades ímpares de liderança e sentido de serviço à comunidade.

Tem, obviamente, lugar reservado e destacado na história mundial, da Europa e do Reino Unido, não só por protagonizar o reinado mais longo – 70 anos é mesmo muito tempo –, mas sobretudo pela forma como o cumpriu e soube cumprir, sempre com notável discrição e em defesa da Coroa e da Nação das quais a Rainha foi serva. Acima de tudo o resto.

Se Diana foi a princesa do Povo, como Tony Blair a batizou para a eternidade, e viveu a sua vida como chama de uma vela ao vento, como a cantou Elton John, Isabel II é exatamente o seu contrário: é a mais perfeita interpretação de uma estadista e de uma mulher de aço, que não teme, não vacila, não claudica, não cede a estados de alma ou emoções e se subordina sempre, incondicionalmente, aos superiores interesses que representa.

É por isso que, mesmo sem a beleza nem a sedução de Diana, sem a sua simplicidade, entrega ou bondade, Isabel II nunca deixou de ser amada e respeitada pelos ingleses e não só.

Como bem se vê, principalmente agora, nas celebrações deste Jubileu de Platina.

Por mais paradoxal que possa parecer, Diana, com toda a sua popularidade, representava um muito maior risco para a Monarquia.

Ao invés, a figura referencial e matriarcal de Isabel II é um verdadeiro seguro de vida do regime.

Como o simpático e irreverente Harry acabou por representar um perigo muito maior para o regime do Reino Unido do que o cinzentão e formal William.

É assim. Também numa República, nem sempre as figuras mais populares, mundanas e afetuosas são aquelas que mais contribuem para o engrandecimento e a respeitabilidade das instituições.

E sem isso…