Uma mar de incongruências, da violação até ao crime público!

90% das mulheres que não apresentaram queixa explicaram na sua maioria que não o fizeram não pela sua falta de ‘autonomia’, mas por medo, e falta de confiança no sistema de Justiça

Não será incongruente que na violência doméstica, que até pode envolver ofensas sexuais, seja um crime público e a violação que prevalece sobre a violência doméstica por ser mais severa, não o seja? 

E também não será uma flagrante incongruência que para as sobreviventes de violência doméstica, começarem a ser tratadas como mulheres na sociedade e a terem a sua voz ouvida, sem vergonha ou medo, um crime contra dignidade das mulheres e pior que não persegue de forma tão grave outras mulheres como o indivíduo que apenas viola e não controla os seus impulsos e que se não for travado irá continuar a fazê-lo, o crime necessitou de ser passado a crime público, sem prazos absurdos de seis meses, não passe a sê-lo (crime de violação)? Foi necessário que este crime (violência doméstica) passasse a ser público de modo a promover e a acelerar a proteção das vítimas, ou estou também errada e isto parece-me ser também uma grande incongruência! 

Acho graça, que alguns homens, sem conhecimento de todo o trabalho penal que foi feito por juristas e defensores das mulheres e crianças deste país que procederam à alteração de leis, venham debitar argumentos inócuos e vazios que apenas prejudicam a mulher na sua totalidade. 

É pena que essas pessoas não refiram o inquérito efetuado pela UE onde foram entrevistadas mais de 42 mil mulheres, um terço declarou que tinha sofrido de violência sexual e só 10% é que se queixaram. As 90% que não apresentaram queixa é que explicaram na sua maioria que não o fizeram não pela sua falta de ‘autonomia’, mas por medo, e falta de confiança no sistema de Justiça, vergonha devido a serem desacreditadas. É de referir também as condições sub-humanas oferecidas no nosso país para as sobreviventes de violação com apenas dois gabinetes de apoio e um orçamento totalmente precário, um em Lisboa e outro no Porto, e onde em 2021 este crime, o da violação teve um aumento de 26%. Já não bastava termos uma mulher violada por dia? 

Ora, continuar com trocadilhos sobre este assunto, sem conhecimento de facto na matéria, sem perceber a complexidade da questão, sem ter a noção da necessidade de mudança e de avanço penal, pedido pela sociedade, pela classe política e até pelas próprias sobreviventes, é chocante! É altura de abrirmos os olhos, e de nos deixarmos de aberrações teóricas.