O pensamento quântico do Dr. Sousa Tavares

Seria boa ideia que os textos do Dr. Sousa Tavares fossem revistos pelo único homem que realmente entende a Física Quântica: Carlo Rovelli

por João Cerqueira

Numa entrevista na SIC, o maestro Martim Sousa Tavares –  cujo projeto Orquestra Sem Fronteiras foi recentemente galardoado com o Prémio Internacional Carlos Magno – contou que o pai – Miguel Sousa Tavares –, após um jantar de duas horas continuava exatamente na mesma posição. Imóvel. O maestro explicou então que o pai estava a pensar porque tem «um mundo riquíssimo na sua cabeça» e cultiva «o exercício do pensamento demorado e continuado».

Com a malícia habitual o Cocktail do Nascer do SOL insinuou que o reputado jornalista, em vez de estar a pensar, estaria a dormitar à mesa por ter bebido uns copos a mais ao jantar – algo que por vezes me acontece quando misturo os espumantes da Bairrada com James Martin. Porém, receio que o Cocktail tenha confundido o Dr. Sousa Tavares com o comum dos mortais. O Dr. Sousa Tavares estava, sim, perdido em cogitações tão profundas que não lhe deixavam nenhuma energia para se mover. Algo semelhante sucedeu a Wittgenstein quando começou a conceber o Tractatus Logico-Philosophicus ou a Carlo Rovelli sempre que prepara um novo livro sobre Física Quântica e outros mistérios do Universo que nem Einstein conseguia entender. Durante meses, ambos ficavam imóveis no final do jantar, indiferentes a estímulos sensoriais como as mulheres os chamarem para a cama ou ameaçarem sair de casa – quer tivessem bebido água ou duas garrafas de vinho.

E as semelhanças não ficam por aqui. Assim como praticamente ninguém compreende as teses de Wittgenstein e as teorias de Rovelli, também poucos conseguem entender algumas ideias esdrúxulas do Dr. Sousa Tavares. Eis algumas: ter defendido que José Sócrates era um bom governante, ter criticado a sua detenção acusando a justiça de estar a fazer um linchamento, ter considerado que Ricardo Salgado era o melhor banqueiro português e tentar justificar a invasão da Ucrânia.

Poucos compreendem tais posições, mas há uma explicação científica.

Na verdade, o que o Dr. Sousa Tavares está a fazer é activar uma forma de pensamento quântico inacessível ao resto da Humanidade. Ou seja, a análise política assente em quarks e neutrinos. E tal como na Física Quântica a mera observação pode alterar o estado de uma partícula ou o resultado de uma medição, o pensamento do Dr. Sousa Tavares quando exposto ao público – escrito ou falado – também sofre alterações imprevisíveis. E assim, a defesa de Sócrates, de Ricardo Salgado, da invasão da Ucrânia e demais mistérios talvez sejam afinal outra coisa, muito mais lógica e de acordo com os princípios democráticos do jornalista, que a nossa observação primitiva distorce e corrompe.

Como tal, a bem do jornalismo, da liberdade de expressão e da sanidade dos leitores, parece-me que seria boa ideia que os textos do Dr. Sousa Tavares fossem revistos pelo único homem que realmente entende a Física Quântica: Carlo Rovelli. E, de igual modo, quando o Dr. Sousa Tavares fosse à televisão dar a sua douta opinião sobre tudo e mais alguma coisa, o mesmo Rovelli aparecesse a fazer uma tradução simultânea. Por exemplo, quando na CNN disse: «Rússia, Ucrânia e NATO não estão interessadas na paz», Rovelli, ajustando neutrinos e quarks, traduziria assim: «Só a Rússia é que não está interessada na paz».

O gato de Schrödinger pode estar simultaneamente vivo e morto, Sócrates e Salgado podem ser simultaneamente inocentes e culpados, Putin ser ao mesmo tempo uma vítima e um genocida, e o Natal quando o Homem quiser. Como tal, esforcemo-nos por entender o pensamento quântico do Dr. Sousa Tavares pois, como afirma o físico italiano, a realidade não é o que parece.

 

P.S. – Ó senhores da Madeira, não há dinheiro para comprar umas latas de tinta amarela e pintar a Fortaleza de São Tiago no Funchal? Porque, senhores da Madeira, até as gravuras de Foz Côa estão melhor preservadas.