Assimetrias geográficas e tempos de espera excessivos para doentes com cancro: As falhas do SNS que a covid-19 só agravou

Tribunal de Contas quis avaliar o impacto da pandemia no acesso aos cuidados oncológicos, as conclusões não surpreendem.

Uma auditoria do Tribunal de Contas sobre o Acesso a Cuidados de Saúde Oncológicos no SNS, cujos resultados foram divulgados esta quinta-feira, revela que os doentes com cancro esperam cada vez mais por consultas e cirurgias e que existem assimetrias geográficas significativas.

“As falhas detetadas resultam particularmente do não desenvolvimento ou da não substituição atempada dos sistemas de informação de suporte. Uma situação que leva a que continuem por apurar e monitorizar vários indicadores relativos ao acesso a cuidados oncológicos, nomeadamente os tempos e listas de espera nas primeiras consultas hospitalares na doença oncológica, bem como noutros cuidados de saúde essenciais neste contexto, como exames de diagnóstico e terapêutica específicos”, segundo o relatório do Tribunal de Contas.

A auditoria levou à conclusão de que o acesso à cirurgia oncológica degradou-se, entre 2017 e 2020, “com uma cada vez maior proporção das cirurgias a ultrapassar os Tempos Máximos de Resposta Garantidos, constatando-se ainda a existência de assimetrias geográficas significativas”.

 Os auditores alertam ainda que o “crescimento da atividade cirúrgica no SNS naquele período (4,8%) não foi suficiente para fazer face ao acréscimo verificado na procura (6%)”.

A conclusão é a de que a atividade do SNS, em 2020, foi condicionada pela necessidade de resposta à pandemia de covid-19.

Um dos principais exemplos é visível na diminuição da identificação de necessidades cirúrgicas. “As novas inscrições de utentes, para a realização de cirurgia, diminuíram 4,3% em 2020, face ao ano anterior, tendo as reduções sido particularmente acentuadas nos meses de abril (41,2%) e maio (35,0%), relativamente aos períodos homólogos”. “Também os rastreios oncológicos foram fortemente afetados pela pandemia em 2020, tendo ocorrido períodos de suspensão da atividade dos rastreios, com particular incidência nos meses de março, abril e maio”.

Já no acesso a rastreios oncológicos de base populacional, em funcionamento para os cancros da mama, do colo do útero e do cólon e reto, verificou-se que não foram atingidos os objetivos de cobertura geográfica e populacional previstos para 2020, observando-se, neste ano, uma quebra na execução dos programas de rastreio.

As taxas de adesão dos utentes mantiveram-se estabilizadas, face a anos anteriores, pelo que a diminuição da atividade resultou da menor oferta do SNS: o número de utentes convidados a realizar rastreio em 2020, face a 2019, foi inferior em 46% no cancro da mama, em 54% no cancro do colo do útero e em 38% no cancro do cólon e reto.

Por último, o Tribunal de Contas deixa recomendações para diminuir o impacto negativo da covid-19, nos últimos anos, como “a aprovação, publicação e implementação de um plano quantificado e calendarizado de recuperação da atividade não realizada”.

São ainda recomendados melhorias relacionadas com os processos de definição, apuramento e monitorização dos indicadores, com o desenvolvimento e a integração dos sistemas de informação utilizados e com a melhoria dos resultados em termos de acesso.