Governo britânico ultrajado com pena de morte aplicada a dois britânicos e um marroquino que lutaram pela Ucrânia

A Rússia negou a dois combatentes britânicos e a um marroquino o estatuto de prisioneiros de guerra. O Governo britânico mostra-se furioso.

Quem esperava que a fraca – ainda que destruidora – prestação dos militares russos no Donbass forçasse o Kremlin a mostrar-se mais razoável, certamente assistiu com horror à condenação à morte de dois cidadãos britânicos e um marroquino, capturados quando combatiam ao lado dos ucranianos em Mariupol. Apesar de assegurarem estar integrados nas forças armadas da Ucrânia, foram acusados de ser «mercenários», sentando-se no banco dos réus de um tribunal da autoproclamada República Popular de Donetsk, na sexta-feira. Enfrentaram um julgamento de fachada, acusaram observadores internacionais, montado de maneira a imitar os recentes julgamentos de militares russos por crimes de guerra cometidos na Ucrânia.

O reino de Marrocos hesitou em comentar o caso, mas o Reino Unido, onde a pena de morte nem sequer é legal, mostrou-se ultrajado. «São prisioneiros de guerra. Este é um julgamento de fachada com absolutamente nenhuma legitimidade», reagiu Liz Truss, ministra dos Negócios Estrangeiros do Reino Unidos, prometendo fazer tudo ao seu alcance para apoiar Aiden Aslin, de 28 anos, e Shaun Pinner, de 48 anos, lembrando que estes deveriam estar protegidos como prisioneiros de guerra pela Convenção de Genebra.

Apesar de a Rússia não aplicar a pena de morte, isso não se aplica nos territórios ocupados. Ou seja, Pinner e Aslin têm um mês para recorrer, mas a pena de morte em Donetsk só pode ser comutada para prisão perpétua ou uma pena de 25 anos, no mínimo.

Ao menos, os britânicos têm a certeza que terão alguma forma de cobertura diplomática. Ao contrário de Brahim Saadoun, de 21 anos, que se mudara para a Ucrânia três anos antes da invasão russa, para estudar na Faculdade de Aerodinâmica e Tecnologias Espaciais do Instituto Politécnico de Kiev. Quando os receios de uma guerra escalaram, no final do ano passado, Saadoun, que adorou o seu país adotivo, decidiu voluntariar-se para o exército.

«Isso surpreendeu-me, mas é assim que ele é», explicou um dos seus melhores amigos, Anton Petrov, um estudante oriundo da Bielorrússia, ao canal holandês NOS. «Sentiu que tinha de fazer algo pelo país. Ele sentia-se tão ligado à Ucrânia que estava disposto a morrer».

Foi uma resolução semelhante à de Pinner e Aslin. Estes britânicos, que surgiram de cabelo rapado e ar fragilizado perante as câmaras russas, ao lado de Saadoun, pareciam bem diferentes dos combatentes entusiasmados que fizeram manchetes no Reino Unido, sendo saudados como «heróis» por tabloides como o Daily Mail.

Para Aislin, o apoio público que recebeu tem sido bem diferente daquilo a que estava habituado. Aliás, este antigo prestador de cuidados, oriundo de Newark, no Nottinghamshire, chegou a ser detido pelas autoridades britânicas em 2017, por ter combatido como voluntário das Unidades de Proteção Popular, milícias curdas que foram instrumentais na derrota do Estado Islâmico. Em 2018 seguiria para Ucrânia, onde se juntaria aos fuzileiros. «O apoio do Reino Unido à Ucrânia tem sido mesmo muito bom, comparativamente a outros países», gabara este jovem aventureiro, à Al Jazeera, após ser colocado em Mariupol logo no início da invasão. Mas aí, as coisas rapidamente aqueceram.

O combate nesta cidade, que acabaria cercada pelos russos e arrasada, com sucessivas barragens de artilharia, bombardeamentos aéreos e mísseis, «é mentalmente exaustivo, o perigo é constante», continuara Aslin, que já se cruzara com as forças russas na Síria, do outro lado da barricada, apoiando o regime de Bashar Al-Assad. «Uma coisa tão simples como ir à casa de banho pode acabar contigo ferido, porque drones podem deixar cair granadas».

Já Shaun Pinner, um veterano do Regimento Real Anglicano oriundo do Bedfordshire, que decidiu partir para a Ucrânia em 2018, tendo combatido em Rojava, tal como Aslin, declarou-se apaixonado pela Ucrânia, mal começou o conflito. «Agora estou casado. E com a minha cidade de adotiva de Mariupol sob ameaça de separatistas apoiados pelos russos, isso inspirou-me a ficar mais tempo», explicara ao Daily Mail, em janeiro, quando se multiplicavam os alertas das secretas ocidentais para o risco de uma invasão russa.

Quando a guerra começou, rapidamente ficou claro que o poderio militar russo atirado contra Mariupol era avassalador. «Não temos comida nem munições», transmitiu Aslin, através da sua conta de Twitter, onde dava pela alcunha de «Cossack Gundi», numa referência aos cossacos, o povo guerreiro que os ucranianos vêm como a base da sua nacionalidade. As forças ucranianas e os seus camaradas internacionais resistiram durante semanas, surpreendendo tudo e todos. Mas não dava mais, lamentou Aslin. «Não tivemos escolha que não render-nos às forças russas», continuou o britânico. «Espero que esta guerra acabe em breve».

Já Pinner certamente não ficou surpreendido com a condenação à morte, naquilo que é visto como uma tentativa do Kremlin para pressionar Londres, de maneira a que por sua vez pressione Kiev a libertar os soldados russos condenados por crimes de guerra. «Temo pela minha vida. Os russos irão tratar-nos de forma diferente se formos capturados porque somos britânicos», avisara, já antes da guerra, ao Daily Mail. «Isso está sempre na minha mente, que vou ser capturado».