Rússia tenta lucrar com cereais roubados

As primeiras remessas estão a caminho do Médio Oriente. Países africanos foram avisados.

A Rússia já começou a exportar cereais roubados da Ucrânia, cujo Governo acusa os invasores de terem posto as mãos em 500 mil toneladas de bens como trigo, cevada ou milho, avaliadas em cem milhões de dólares. O primeiro comboio cheio destes cereais chegou à Crimeia, vindo da cidade ocupada de Melitopol, anunciaram autoridades russas esta sexta-feira. Depois, a carga embarcará rumo à Turquia e ao Médio Oriente, com o Kremlin a prometer preços de saldo.

«Os principais contratos estão a ser concluídos com a Turquia», explicou Yevgeny Balitsky, que foi colocado à frente de Melitopol pelo Kremlin, falando à RIA, uma agência noticiosa russa. Balitsky, um ex-deputado ucraniano de um partido pró-russo, não tem um trabalho nada fácil. Nas últimas semanas, enquanto invasores se atarefavam a acumular em Melitopol grão roubado na região, a cidade tornava-se o centro da guerrilha ucraniana atrás de linhas inimigas.

O facto da Turquia ser apontada como intermediário da venda de grão roubado pelos russos, ao mesmo tempo que tenta apresentar-se como mediador do conflito, pode dificultar eventuais negociações. Uma preocupação para o futuro, dado que agora, após uma cimeira inicial um Istambul, não é público que haja quaisquer iniciativas diplomáticas, não estando Moscovo a mostrar-se disposto a abdicar do território conquistado, nem Kiev a negociar sem que isso aconteça.

O certo é que não faltam compradores para os cereais vendidos pelos russos, apesar da origem dúbia. Diplomatas americanos já avisaram pelo menos 14 países, sobretudo em África, que navios cheios de «cereais ucranianos roubados» se dirigiam para os seus portos, avançou o New York Times esta semana.

Poderia ser um dilema moral, não tivessem tantos países africanos feito questão de não se meter no meio da briga entre a Rússia e o Ocidente, ao mesmo tempo que os preços da comida escalam. E a questão é que uns 40% das exportações de cereais da Ucrânia e da Rússia, entre os maiores produtores mundiais, iam para África.

«Isto não é um dilema», frisou Hassan Khannenje, diretor do HORN International Institute for Strategic Studies, no Quénia, ao jornal nova-iorquino. Num país com escassez «não se quer saber de onde é que a comida vem. E se alguém vai tentar ser moralista quanto a isso, estão enganados». O mesmo poderia ser dito de alguns países no Médio Oriente, para onde estão a seguir as primeiras remessas de cereais ucranianos roubados.

Já na quinta-feira, no dia antes de se saber das primeiras remessas, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, até se deu ao luxo de troçar do jornalista ucraniano que o questionou quanto ao assunto. «Vocês ucranianos estão sempre preocupados com o que podem roubar», gozou. «E acham que toda a gente pensa assim».