A oposição segundo Cavaco…

Cavaco conseguiu com o artigo e a entrevista sacudir o marasmo, definindo prioridades para uma oposição do PSD, tão necessária…

Com um artigo cirúrgico (e sarcástico) publicado no Observador e uma entrevista ‘exclusiva’ concedida à CNN Portugal, Cavaco Silva abdicou da reserva que costuma respeitar como ex-Presidente e ex-primeiro-ministro, para protagonizar a oposição ao Governo e ao PS, que há muito falta ao PSD na era de Rui Rio.

De cada vez que reaparece no espaço público, Cavaco tem o condão de irritar as esquerdas, que nunca o amaram – embora o temam –, e de não poupar os atores políticos ‘no ativo’, em nome de uma «intervenção cívica» a que se sente com direito – e tem-no, sem dúvida.

O que incomoda as esquerdas, desde o PS aos seus ex-companheiros de ‘geringonça’, é sentir, no íntimo, que Cavaco tem razão, e que quando escreve ou fala não desbarata palavras nem produz banalidades.

É incisivo e frontal nas críticas, fundamentando-as de uma forma que todos entendem, seja a propósito do empobrecimento relativo do país – comparativamente com os seus parceiros europeus –, seja ao interpretar a ‘orfandade’ de muitos eleitores, zangados com a falta de ‘nervo’ do PSD, em estado de profunda anemia.

Com a legitimidade de quem governou durante uma década e que tem obra feita para mostrar, Cavaco provou, mais uma vez, que não saiu líder, por acaso, na Figueira da Foz, durante a ‘rodagem’ do carro, nem perdeu qualidades ao analisar a realidade política, à luz dos seus dados mais marcantes.

O que foi deprimente nos últimos anos deve-se, em partes semelhantes, aos partidos da ‘geringonça’, que se apropriaram do poder, e às fragilidades incapacitantes da direita.

Cavaco foi certeiro, por isso, ao atribuir culpas, implícitas, à passividade de Rui Rio, que permitiu que o PSD «quase» parecesse «um partido regional» e «suporte do PS», não obstante ser «humilhado» pelos socialistas nos debates parlamentares.

E foi certeiro, também, ao enfatizar que cabe a Luís Montenegro não se distrair nem se dispersar, convidando-o a concentrar-se no essencial. Ou seja, que o adversário político do PSD é o PS, agora absoluto, e não o Chega ou a IL, cujo crescimento eleitoral se deveu, em larga medida, à inoperância social democrata.

Cavaco aproveitou, ainda, para evocar um comportamento bizarro do partido, ao deixar-se ‘armadilhar’ pela astúcia socialista, quando lhe endossou um país à beira da bancarrota, pela mão de José Sócrates.

E reprovou – e bem – a liderança social-democrata, incapaz de defender o legado de Pedro Passos Coelho, a quem o país ficou a dever o ter saído de aflições, sem o espartilho da troika, aceite por Sócrates de ‘calças na mão’.

É verdade, também, que Passos Coelho foi tímido na denúncia dos compromissos gravosos, herdados de Sócrates, enquanto o PS, em passo estugado, tratou de transferir para o governo do PSD o ónus da austeridade à qual se tinha vinculado.

Recorde-se, aliás, que Rui Rio foi lesto em juntar-se aos críticos de Passos Coelho. Era o primeiro passo para substitui-lo na liderança social-democrata.

Afinal, os socialistas receberam de Passos Coelho um país já sem a ‘corda na garganta’, e limitaram-se a convencer o PCP e o Bloco de Esquerda a pouparem-nos na rua e a fingirem que não percebiam as cativações orçamentais.

Para alegria de António Costa, o PSD ficou afónico na oposição, enquanto o Presidente passou boa parte do primeiro mandato a ‘comentar’ e a servir de ‘pronto socorro’ ao Governo, sempre que este derrapava.

Rio pode gabar-se de ter sido corresponsável pela maioria absoluta do PS, e pelo crescimento dos partidos à direita. É obra!…

Quando António Costa, ao reagir a Cavaco, desvalorizou – todo sorrisos –, a sua intervenção, acusando-o de estar preocupado «com o seu lugar na História» (com o estafado chavão de que «eu estou preocupado sobretudo com o futuro dos portugueses»), não se esqueceu de mandar, a seguir, a ‘ajudante’, Ana Catarina Mendes, com os recados do «azedume» e do «ressentimento».

A realidade, porém, é que tanto Costa como a ‘ajudante’ estão, sobretudo, irmanados na perpetuação do PS no poder.

Ambos sabem muito bem que, neste último lustre de governo socialista, Portugal fixou-se na cauda da Europa da União, ultrapassado, até, por recém-chegados, que subiram no ranking, a par da Irlanda, que descolou pobre e é um ‘study case’ de sucesso.

O que Cavaco conseguiu, com o artigo e a entrevista quase simultâneos, foi sacudir o marasmo, definindo prioridades para uma oposição do PSD, tão necessária, e elogiando o trabalho de Passos Coelho.

Percebeu-se, de resto, a evidente sintonia estratégica entre Luís Montenegro e Cavaco, o que é uma ‘mais-valia’, após a ‘inexistência’ de Rio.

Cavaco veio dar um novo alento às hostes social democratas. E mesmo Marcelo Rebelo de Sousa já intuiu que terá de desembaraçar-se do papel subalterno que o PS (absoluto) lhe quer atribuir…