1958. Príncipes de gales

O País de Gales apurou-se para a fase final do Mundial deste ano. É a sua segunda presença. A primeira foi na Suécia, há 64 anos.

Em junho de 1995 eu estava em Leeds, num restaurante italiano daqueles de toalhas aos quadradinhos vermelhas e brancas e verdes e brancas, velas encaixadas em gargalos de garrafas de Chianti e tudo e tudo. Andava de cidade em cidade em Inglaterra a cobrir um daqueles torneios que serviam de teste para as fases finais de Europeus e Mundiais e esse contava com Inglaterra, Suécia, Brasil e Japão. Já tinha jantado na véspera no mesmo sítio e ficado à conversa com o dono pela noite dentro. Mas, nesse dia, ele estava nervoso. Veio perguntar-me, quase em sussurro: «Sabe quem são aqueles, sentados na mesa do fundo?». Fitei os dois cinquentões, um alto, de cabelo já branco, o outro entroncado, com aquilo que poderia muito bem ser um capachinho. Acabei por reconhecê-los: um era José Altafini, que no Brasil foi conhecido por Mazzola, ou outro, o grandalhão, era John Charles. E importunei-os um pouco quando vi que tinham terminado a refeição. Apenas um pouco.

Vem este episódio a propósito do recente apuramento do País de Gales para a fase final do Mundial do Qatar. Charles era a grande figura da seleção galesa que conta com uma única presença num Mundial, o de 1958, na Suécia. Curiosamente, seria eliminada pelo Brasil nos quartos-de-final da prova. Brasil que contava com o avançado José João Altafini. Infelizmente para Gales e para Charles, este não defrontou a canarinha por se encontrar lesionado. Mas, como teve oportunidade de recordar à minha frente, a aventura da sua seleção em 1958 ficaria para sempre marcada a ouro na história do futebol galês.

No Mundial de Pelé

Um rapazinho de 17 anos chamado Edson Arantes do Nascimento (por extenso Pelé, como escreveria Nelson Rodrigues), acompanhado por uma estranha figura de pernas tortas e de drible apavorante com nome de passarinho, Garrincha, encheu os olhos do mundo e como que obliterou todas os outros jogadores de todas as seleções. William John Charles, que nascera em Swansea no dia 27 de dezembro de 1931, tinha-se transferido do Leeds United para os italianos da Juventus um ano antes – Altafini viria a juntar-se a ele em Itália, assinando pelo Milan. Em Turim chamavam-lhe ‘Il Gigante Buono’. Foi adorado em Turim e respondeu com golos, muitos golos, e com um cavalheirismo que encantava adeptos e imprensa, nunca tendo sido expulso ao longo de toda a sua carreira. Ao ouvi-lo falar, com uma voz mansa e pausada, acreditei imediata e piamente nisso.

Encaixado no Grupo 4 da fase de qualificação com Checoslováquia e República Democrática da Alemanha, o País de Gales não conseguiria melhor do que o segundo lugar – vitória por 1-0 com os checos em casa e derrota fora 0-2; derrota na RDA por 1-2 e vitória em Cardiff por 4-1 – atrás dos checos.

Subitamente, as portas do Mundial reabriram-se. Israel, que se tinha apurado sem fazer um único jogo (todos os países da região recusaram-se a deixar as suas seleções defrontar os israelitas) criou um problema à FIFA que não aceitou que, além do campeão em título e o país organizador, outra equipa pudesse aceder à fase final sem jogar. O problema resolveu-se inventando-se um play-off entre Israel e o melhor dos segundos classificados da zona europeia, a Bélgica. Movidos pelo orgulho, os belgas disseram um rotundo não! Os galeses, que vinham a seguir, não foram tão esquisitos: trataram os israelitas com uma tremenda facilidade – 2-0 e 4-0. O segundo jogo disputou-se no mesmo dia em que a equipa do Manchester United sofreu o terrível acidente aéreo de Munique. Jimmy Murphy, treinador-adjunto do United, era o selecionador galês. Um facto que, provavelmente, lhe salvou a vida.

John Charles marcou o primeiro golo galês numa fase final de um campeonato do mundo, frente à Hungria, no dia 8 de junho, aos 27 minutos, respondendo ao golo de Bozsik, aos 5, e fazendo o resultado final. Depois seguiram-se mais dois empates, com o México (0-0) e com a Suécia (1-1). Tudo empatado e a obrigar a novo play-off, frente à Hungria. Ivor Allchurch e Terry Medwin garantiram a vitória (2-1). Charles lesionou-se. No dia 19 de Junho, em Gotemburgo, Pelé entrou na área galesa, fez um chapéu ao defesa Mel Charles e meteu a bola na baliza de Jack Kelsey. Contra o génio do menino não havia nada a fazer.