“Qualquer grávida que não viva em Lisboa ou no Porto não sabe com o que pode contar. É uma lotaria”

“Não se tomou medidas e, de repente, cada vez que o Parlamento abre, a grande urgência é a eutanásia!”, critica o democrata-cristão José Maria Seabra Duque, secretário da Federação Portuguesa Pela Vida.

O caos tem-se feito sentir nas urgências obstétricas de vários hospitais. Os de Braga e Santarém, assim como o Beatriz Ângelo, o Garcia de Orta, o de Setúbal e o Amadora-Sintra são aqueles que mais têm espelhado a falta de recursos humanos. No entanto, o do Barreiro-Montijo e o das Caldas da Rainha também se juntam à lista das instituições que não asseguram o atendimento médico urgente devido ao reduzido número de especialistas nos quadros e às férias de médicos tarefeiros que preenchem os lugares em falta.

Neste último, na passada quarta-feira, quando uma mulher foi levada para uma cesariana de urgência, o bebé morreu. Em comunicado, o Centro Hospitalar do Oeste confirmou “que se verificou uma ocorrência grave com uma grávida, tendo sido determinada a abertura de um processo de inquérito à Inspeção-Geral de Atividades em Saúde (IGAS), no sentido de apurar o sucedido e eventuais responsabilidades”.

Responsabilidades essas que não são dos médicos, de acordo com José Maria Seabra Duque, Membro da Comissão Política Distrital do CDS e secretário da Federação Portuguesa Pela Vida. “Tem-se falado muito de não haver médicos para fazer abortos, isso preocupa muito alguns partidos, e parece-lhes indiferente que seja difícil nascer em Portugal”, começa por referir, em declarações ao i. 

“Uma mulher que queira ter um filho tem imensa dificuldade em ter consultas. Se não tem dinheiro para ir ao privado, está sujeita à disponibilidade dos hospitais. São longe da área de residência da maioria, há poucos médicos e temos de perceber uma coisa: o problema não é dos médicos nem restantes profissionais de saúde”, assevera o também pai de quatro filhos. “Todos nasceram no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e uma coisa em que reparei foi na falta de condições de trabalho que existem”.

“Desdobram-se em horas, trabalho e cuidados, mas o Parlamento parece viver numa realidade alternativa. Sabemos que há tratamentos oncológicos adiados e, ao mesmo tempo, discute-se a eutanásia. Agora, temos estes casos horrorosos e, infelizmente, já houve uma morte”, destaca, lançando duras críticas ao Bloco de Esquerda. “Aquilo que entretém o BE é a objeção de consciência à prática do aborto e parecem viver mais interessados nas suas batalhas ideológicas do que nos problemas concretos. Os deputados vivem muito mais preocupados em discutir a morte do que a vida”. 

“Já estava mau e piorou ainda mais” “Quando o SNS está a rebentar pelas costuras, a cair, sabemos que os profissionais não têm condições, e os senhores deputados querem é saber das suas bandeiras ideológicas… A ligeireza com que este assunto passou… É uma mãe que tem uma vida desfeita, um bebé que não nasceu!”, salienta, acrescentando que “enquanto sociedade, governo, deputados… Não podemos parar!”.

“Isto demonstra falta de consciência do valor daquela vida concreta. Uma criança amada pelos seus pais e pela sua família. É uma perda irrecuperável. Neste momento, qualquer grávida que não viva em Lisboa ou no Porto não sabe com aquilo que pode contar”, declara o jurista, avançando que “não se trata de uma questão de politizar a situação: ia nascer um filho e ele morreu porque não havia médicos”. 

“Os médicos que existem dão o seu melhor, fazem aquilo que podem e não existem em número suficiente. Eles avisam! Quantas vezes ouvimos falar de serviços inteiros que pediram demissão?”, questiona. “Aparentemente, estamos mais interessados em campanhas e lutas políticas do que na resolução de um problema concreto”, lamenta o democrata-cristão, indo ao encontro da nota “Vai ser complicado parir na Grande Lisboa”, divulgada pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM) quando ainda não tinha sido dado a conhecer ao público o caso do óbito nas Caldas da Rainha.

“Dia 11 e dia 13 de junho: dias de catástrofe prevista nas maternidades da Grande Lisboa”, avisava aquela estrutura na quinta-feira. “A quantidade de pessoas que tem a saúde entregue ao completo acaso… Estamos num ponto de rutura. Estes assuntos que a pandemia realçou… Já estava mau e piorou ainda mais. Não se tomou medidas e, de repente, cada vez que o Parlamento abre, a grande urgência é a eutanásia!”, exclama José Maria Seabra Duque com indignação. 

“Agora é muito gráfico, esta questão do bebé que morreu, mas conhecemos histórias que aconteceram ao longo dos anos. Um português que está em fim de vida não tem acesso aos cuidados paliativos, um português com uma doença pode morrer sem ser operado… Temos o SNS num caco e a urgência constante é a eutanásia”, repete, com a revolta notória na voz, lembrando que, entretanto, surgiram mais constrangimentos. 

O primeiro diz respeito ao Hospital Professor Dr. Fernando Fonseca (Amadora-Sintra), que tem a Urgência de Cirurgia Geral a funcionar “de forma condicionada” desde as 8h deste domingo e deverá continuar desta forma até às 8h de segunda-feira. O segundo corresponde à situação vivida na Guarda, pois o Hospital Sousa Martins está sem Urgência de Ortopedia há alguns dias e apresenta condicionamentos nas deslocações da VMER (Viatura Médica de Emergência e Reanimação).

“As crianças nascem cada vez mais tarde, há causa-efeito, mas não explica tudo. Há cada vez menos acesso à saúde no geral. As mulheres grávidas, hoje em dia… É uma lotaria: uns hospitais respondem e outros não. Os médicos não têm culpa, friso isso: não podem chegar a todo o lado”, explicita, recordando que, a 24 de maio, o Jornal de Notícias noticiou que a taxa de mortalidade materna atingira em 2020 os 20,1 óbitos por 110 mil nascimentos, o nível mais elevado dos últimos 38 anos, estando a Direção-Geral da Saúde (DGS) a investigar este panorama.

A título de exemplo, o jornal comunicou que 17 mulheres perderam a vida devido a complicações da gravidez, parto e puerpério, há dois anos. Destas, a DGS clarificou que “oito aconteceram durante a gravidez, uma durante o parto e oito no puerpério (até 42 dias após o parto). Naquilo que concerne o local do óbito, 13 “ocorreram em instituições de saúde”.

“Há um número de pessoas-limite e esse número está claramente ultrapassado. São momentos muito delicados para as mulheres, os bebés que acabaram de nascer e os médicos têm de acudir o máximo de pessoas. E, pelo caminho, há incompreensões – acima de tudo – e, por vezes, erros. É natural porque não têm tempo”, finaliza José Maria Seabra Duque no dia em que se soube que a ministra da Saúde, Marta Temido, foi chamada pelo Chega ao Parlamento ”com caráter de urgência”, para ser ouvida na Comissão de Saúde, na próxima sexta-feira.

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