Conto: Sexo Virtual

Ao fim do terceiro dia de conversa online, nos quais falaram sobre as fantasias eróticas e fizeram sexo virtual, Ana e Paulo acordaram que no dia seguinte se encontrariam. Ana propôs que fosse junto ao farol da praia, pelas 18h, e Paulo aceitou…

Por João Cerqueira

Olá, sou a Ana e tenho catorze anos.

– Olá, sou o Paulo. Tenho quinze.

– Que gostas de fazer?

-Tocar guitarra, ouvir música, jogos no computador, e tu?

– Eu gosto de namorar. Tens namorada?

– De momento, não. E tu?

– Eu ando à procura de um namorado. Tens foto?

– Tenho, vou mandar.

Nuno coça a barba grisalha enquanto envia um ficheiro JPEG de um adolescente loiro com olhos azuis retirado da net.

Ricardo abre o ficheiro e passa a língua pelos lábios enquanto aprecia a fotografia. 

 – És muito giro – diz. Agora vou-te mandar a minha foto.

Ricardo envia uma imagem de uma adolescente morena com olhos verdes em biquíni que retirou da net.

Nuno abre o ficheiro e assobia ao ver a imagem.

 -Também és muito gira e tens um corpo bom – diz.

– E ao vivo sou ainda melhor. Gostavas de me conhecer?

– Gostava muito. Quando nos podemos encontrar?

Nesse instante a mulher de Nuno aparece à porta do seu escritório.

– Vou-me deitar. Até quando vais ficar a trabalhar?

Nuno tecla uma mensagem rápida e desliga o computador.

– Tenho de ir. Amanhã falamos à mesma hora. Beijo.

– Beijo.

*

Ricardo tem trinta e oito anos, está desempregado e vive sozinho com a mãe inválida. Está a sorrir. Aquela adolescente parecia fácil e talvez conseguisse mesmo encontrar-se com ela. Se ela aparecesse sozinha ao fim da tarde junto ao farol da praia, não seria difícil agarrá-la, pôr-lhe o pano com clorofórmio no nariz e metê-la na mala do carro. Já tinha apanhado assim outra rapariga e a polícia nem sequer o interrogara – por vergonha ou por medo, muitas calavam-se. Ricardo fechou o computador e foi ao quarto da mãe ver se ela precisava de algo.

*

Nuno tem quarenta e três anos, é enfermeiro e vive com a mulher. Está a sorrir.

Conseguira convencer mais um rapaz de que era uma adolescente interessada em sexo. Bastava um pouco de conversa, a mesma fotografia falsa e eles aceitavam um encontro. Com este truque já apanhara três rapazes menores aos quais injetara uma droga para depois deles abusar. Fosse por os ter atado e vendado, fosse por eles não terem apresentado queixa, a polícia nunca o incomodara.

*

Ricardo passou a tarde a fotografar a praia. O céu estava azul e um sol branco queimava. Ricardo dirigiu-se para uma zona de rochas junto ao farol. As suas fotografias tentaram captar a fúria das ondas. A água embatia contra as rochas, ouvia-se o rugir do mar, uma explosão de espuma branca levantava-se e era nesse instante que ele disparava a máquina. Ao fim de quatro horas e mais de cem fotografias, quando a energia das ondas se esgotou também ele se sentia exausto. Sentou-se numa rocha a contemplar o pôr-do-sol. O céu tornara-se violeta e o sol ganhara uma cor alaranjada. A água do mar cintilava e o ar cheirava a algas. Ricardo imaginou Ana a tomar banho nua e sentiu-se cheio de amor. 

Por que é que as raparigas o rejeitavam? Por que é que o obrigavam a ser bruto?

Quando chegou a casa foi ao quarto da mãe e deu-lhe um beijo. Depois levou-lhe a comida à cama e ajudou-a a comer.

– És um bom filho – disse-lhe a mãe.

*

Nuno teve um dia de trabalho difícil. Atendeu as chamadas constantes de um doente ao qual haviam amputado uma perna, fez o curativo a uma mulher queimada, acalmou dois doentes que se tentaram agredir e consolou a mãe de um rapaz que morrera algumas horas após ser operado. Correu de um lado para o outro pelos corredores brancos, cruzando-se com outros colegas de bata azul e enchendo os pulmões daquele ar que cheirava a éter. Ele era o enfermeiro a quem recorriam para os casos mais difíceis. Os colegas respeitavam a sua experiência e os doentes elogiavam a sua humanidade. No fim do dia, foi regular o soro de um adolescente canceroso. O rapaz tinha um rosto encovado onde sobressaíam lábios roxos e olhos baços de peixe morto. Gemia. Ao observar as suas mãos cadavéricas e as veias azuladas que irrompiam de uma pele cor de cera, Ricardo imaginou que era Paulo quem ali estava e disse para si próprio que só o sofrimento dava sentido à vida.

Quando chegou a casa, a mulher já estava a dormir e ele foi para a internet.

*

Ao fim do terceiro dia de conversa online, nos quais falaram sobre as fantasias eróticas e fizeram sexo virtual, Ana e Paulo acordaram que no dia seguinte se encontrariam. Ana propôs que fosse junto ao farol da praia, pelas 18h, e Paulo aceitou. Prometeram aparecer sozinhos e não contar a ninguém que iam ter esse encontro. 

*

Pelas cinco da tarde, Ricardo saiu de casa com uma máscara e uma pistola. Há cerca de um ano apareceram-lhe dois homens em vez da rapariga que conhecera no chat e fora agredido. A partir de então comprara uma arma e passara a levá-la sempre que conseguia um encontro. 

*

À mesma hora, Nuno saiu do hospital em direção à praia. Além da droga que usava para adormecer as suas vítimas, também levava uma pistola. Alguns rapazes eram maiores do que ele ou poderia tratar-se de uma armadilha.

*

Ricardo parou o carro a duzentos metros do farol e saiu. Havia nuvens no céu e um vento frio embatia-lhe no rosto. Ricardo caminhava devagar, pousando os pés com cuidado como se não quisesse despertar alguma criatura adormecida. Tal como da outra vez, esconder-se-ia atrás do farol, colocaria a máscara e esperaria a vinda da rapariga. Estava ainda mais excitado do que da primeira vez pois a experiência de sexo virtual com Ana superara todas as expectativas.

Quando chegou ao farol começou a contorná-lo para se esconder e foi então que encontrou Nuno. Mal viu aquele homem com óculos de sol e um capuz, percebeu que tinha caído numa armadilha e levou a mão ao bolso para sacar da pistola. 

Nuno fez o mesmo.

*

A quinhentos metros dali, um pescador ouviu dois tiros disparados quase ao mesmo tempo.