Ucrânia à procura de um ‘futuro europeu’

A recomendação de que a Ucrânia seja aceite como candidato a Estado-membro ‘ainda é uma questão muito simbólica’, aponta Sandra Fernandes.

A Ucrânia ficou mais próxima de entrar na União Europeia, na sexta-feira, com a recomendação da Comissão Europeia para que receba estatuto de candidato, assim como a Moldávia, que teme tornar-se também um alvo do Kremlin, que tem militares no território separatista da Transnístria. Normalmente trata-se de um processo demorado e burocrático, mas que poderá ser acelerado consoante a vontade política da Europa, onde muitos líderes se mostram cada vez mais dispostos a incluir a Ucrânia na União Europeia.

«É o primeiro passo no caminho para ser membro, que certamente deixará a nossa vitória mais próxima», assegurou Volodymyr Zelensky no Twitter, agradecendo a «decisão histórica» da comissão encabeçada por Ursula von der Leyen, que ainda precisará do aval dos líderes europeus na próxima semana.

Já Vladimir Putin tentou mostrar-se indiferente aos passos da Ucrânia rumo à UE. «Não temos nada contra isso», reagiu, no Fórum Económico de São Petersburgo, onde o Kremlin tenta atrair investimento estrangeiro (texto ao lado). «Não é um bloco militar. É o direito de qualquer juntar-se a uniões económicos», considerou o Presidente russo.

Contudo, torna-se difícil acreditar que Putin esteja assim tão relaxado, recordando como sempre tentou que Kiev se voltasse para Moscovo e não para o Ocidente. Inicialmente tentando ganhar influência política por intermédio dos seus aliados ucranianos. Quando isso falhou através da anexação da Crimeia e dos separatistas no Donbass, em 2014, culminando na atual invasão.

Aliás, a reação do Kremlin não batia propriamente certo com as declarações de Putin. O seu porta-voz, Dmitry Peskov, apressou-se a descrever uma Ucrânia dentro da UE como potencial ameaça à Rússia. «Todos sabemos da intensificação na Europa das discussões sobre fortalecer a componente de Defesa da UE», salientou o porta-voz do Kremlin. «Há diferentes transformações que observamos».

De facto, nos últimos anos houve crescentes apelos por uma espécie de exército europeu, como alternativa à NATO, vista como obsoleta – foi a própria invasão russa da Ucrânia que pôs essa discussão na gaveta, unindo a Aliança Atlântica como nunca. Ainda assim, parece que é nisso que o Kremlin quer pegar para se opor a uma eventual entrada da Ucrânia na UE. Logo no início do conflito, diplomatas russos deixaram bem claro que, na perspetiva do Kremlin, entrar na União era quase o mesmo que na NATO. As consequências são imprevisíveis.

 

Dificuldades e riscos

A candidatura ucraniana a entrar na União Europeia «não pode ser um processo de adesão semelhante aos que ocorreram no passado. Isso é impensável com esta nova realidade, com um país em guerra», salienta Sandra Fernandes, professora de Relações Internacionais na Universidade do Minho, especializada nas relações entre a Rússia e a Europa, ao Nascer do SOL.

«Estamos numa situação em que parece ser uma questão processual, mas não é», explica. «O que está em causa é encontrar soluções políticas que permitam à Ucrânia encontrar um futuro europeu nas circunstâncias em que se encontra».

Ainda assim, «a aceitação do estatuto formal de país candidato para a Ucrânia e a Moldávia ainda é uma questão muito simbólica», aponta a professora. Uma questão, logo à partida, é a necessidade de consenso entre os Estados-membros no que toca à expansão da União Europeia. A Ucrânia tem apoios de peso dentro da UE, tendo os líderes da Alemanha, França e Itália comprometeram-se publicamente com isso, quando visitaram Kiev, esta semana. Contudo, será que a Hungria, governada por Viktor Orbán, um amigo de Putin dentro da Europa, está com muita vontade de acolher a Ucrânia?

«Não», responde-nos categoricamente Fernandes. «Mas, como em tudo na União Europeia, é um processo baseado na construção lenta de compromissos. Por isso não é de todo descartável que se consiga esse compromisso». Aliás, os próprios bloqueios colocados pela Hungria podem funcionar como um aviso do perigo da entrada de novos países na UE. Se pareceu boa ideia integrar a Hungria durante a expansão de 2004, certamente que muitos agora se arrependem, dado os problemas causados pela sucessivas colisões entre este país e Bruxelas, tão dependente do consenso entre Estados-membros.

Seja como for, ser país candidato significa pouco por si só e os critérios de entrada – os chamados critérios de Copenhaga – não são assim tão fáceis de cumprir. Veja-se o caso da Turquia, cuja candidatura a Estado-membro da UE está congelada há anos, devido à preocupação com os abusos dos direitos humanos pelo regime de Recep Tayyip Erdogan. E, pensando a longo prazo, há receios quanto aos fundos comunitários necessários para reconstruir a Ucrânia dentro da União Europeia. Bem como aonde é que estes iriam parar.

É que, à semelhança de tantas outras antigas repúblicas soviéticas, boa parte da economia ucraniana está nas mãos de poderosos oligarcas. Colocando a Ucrânia na 122ª posição do índice de corrupção da Transparency International, entre 180 países, pouco acima da Rússia, que está no 136.º lugar.