Ao elegermos um líder político, tanto nos pode calhar alguém admirável como o pior dos criminosos

Há questões que em Portugal (e não só) nunca são escrutinadas no espaço público; há problemas que, sendo muitíssimo importantes e pertinentes, jamais parecem ocorrer a ninguém.

por António Silva Carvalho

Por exemplo: parte-se sempre do princípio (quer no discurso do poder político, quer na comunicação social) que o nosso Estado democrático de direito é “uma pessoa de bem”. Ora, no meu entender, esta frase é um mero lugar-comum inconsequente, ou mesmo uma falsidade. E basta-me ler ou ver as notícias diárias para constatar que é rara a semana em que não surgem casos que exemplificam, tantas vezes gritantemente, que o nosso Estado só tende a comportar-se como ‘pessoa de bem’ quando isso lhe convém, ou quando a tal é obrigado por decisão dos tribunais. E, no entanto, não vejo ninguém – nem mesmo o nosso Presidente da República – preocupar-se com esta realidade e fazer o que é preciso ser feito para que os representantes ou agentes do Estado passem na verdade, e obrigatoriamente, a actuar como pessoas de bem em todas as situações, e não apenas quando isso lhes convém ou os tribunais os forçam a tal.

Outro dos problemas que não vejo ninguém aflorar e esmiuçar é o que diz respeito à sanidade psíquica de quem desempenha as funções públicas mais importantes no país. Contrariamente ao que acontece, por exemplo, com cada candidato a piloto duma empresa de transportes aéreos, que “só” será responsável, em cada voo, pela vida e segurança de algumas centenas de pessoas, e cuja efectiva admissão como piloto é obrigatoriamente condicionada pelos resultados dos múltiplos exames a que antes é sujeito, entre os quais os que dizem respeito ao seu perfil psíquico e à sua personalidade – ao passo que um primeiro-ministro (PM), que opta por determinadas políticas públicas e toma decisões que podem afectar imenso a vida, e por vezes prejudicar muito e das formas mais diversas milhões de cidadãos, apesar disso é sistematicamente eleito e toma posse sem que a sua sanidade psíquica e a sua personalidade hajam sido jamais testadas e avaliadas por técnicos dos mais competentes que houver.

Em Outubro de 2010, quando o PM era José Sócrates e numerosos portugueses já se tinham apercebido do tipo de pessoa que ele é e o que andava a fazer – embora, espantosamente, nem o tão hábil e sagaz António Costa nem os outros dirigentes do PS tivessem dado sinais de o haver enxergado –, escrevi e tentei que fosse publicado um texto de opinião a esse respeito, mas o jornal para o qual o enviei preferiu silenciar-me. Esse meu texto, a que dei o título “O Grande Mal”, começava assim: «Não é coisa fácil entender se Sócrates devia ser apeado e afastado do poder por razões do foro político, do foro jurídico ou do foro psíquico. Qualquer destas poderia constituir fundamento bastante para o afastar. Só uma coisa parece inequívoca: é vital, e urgente, que Portugal deixe de estar à mercê de semelhante criatura – seja lá como for. Cada semana a mais sob a sua perniciosa influência pode representar anos de perdas e de degradação para o país e para o regime. De resto, a hecatombe financeira de que este PM foi o maior responsável até poderá ser dos males menos difíceis de recuperar que temos pela frente. Bem pior do que isso são as várias ‘metástases’ e o clima malsão que ele gerou, e que passaram a afectar-nos em todos os domínios da vida nacional. (…)»

É claro que seria absurdo da minha parte comparar alguém como Sócrates com alguém como Putin – mas convém lembrar que o facto de tais líderes políticos serem incomparáveis entre si quanto ao perigo que representam para o mundo não depende das suas características psíquicas, mas sim dos potenciais de destruição que um e outro (teve ou) tem sob o seu comando: deste ponto de vista, bem se pode dizer que eles representam ‘o zero e o infinito’. 

Percebo que, para muita gente, possa ser visto como abusivo fazer comparações hipotéticas deste género, dada a abissal diferença que existe entre essas duas figuras.

Todavia, repito e insisto: o que pretendo realçar com a presente reflexão é a enorme importância que deveria ser dada ao estudo exaustivo do perfil psíquico de quem se candidata (de modo democrático ou outro) a desempenhar cargos e a tomar decisões das quais podem depender a vida ou o destino de milhões de pessoas. Ora, em muitos países, entre os quais o nosso e a Rússia, tais processos decorrem sem que antes tenha havido análise e averiguação séria do referido perfil – e nós já tivemos experiência bastante eloquente de algumas das graves consequências que dessa falha podem resultar.

Neste momento, e nos últimos meses, os ucranianos (e os russos também, se bem que doutros modos, e embora muitos deles não tenham disso consciência) são quem tem vindo a sofrer mais directamente os gravíssimos efeitos de haver sido escolhido um Presidente para a Federação Russa cuja personalidade tem um dos perfis mais perigosos e imprevisíveis que pode haver.

Se o sr. ‘Vladimir Z’ fosse um cidadão russo como qualquer outro, isto é, se não fosse mais do que um entre milhões de outros Vladimirs anónimos e, além disso, tivesse as características psíquicas típicas dum amoral – total indiferença pelo sofrimento alheio ou pela morte de outros seres humanos, tendência compulsiva para mentir, incapacidade absoluta de reconhecer os próprios erros e assumir responsabilidade pelos seus actos, sentimento de garantida impunidade, permanente confusão entre ilusão e realidade, etc., etc… -, caso tivesse matado ou dado ordem a subordinados seus para matar gente indiscriminadamente, o que seria de esperar é que o sistema de justiça o tivesse condenado a muitos anos de prisão, talvez mesmo a prisão perpétua. De qualquer modo, esse caso daria apenas, se tanto, origem a uma pequena notícia irrelevante, e passaria despercebido à generalidade da população mundial.

Porém, tratando-se do Sr. Vladimir Putin quando este é o Presidente da Federação Russa (antiga União Soviética), que, sendo o país mais extenso do mundo, é relativamente pobre, mas possui e armazena o maior número de ogivas nucleares que existe, e funciona num sistema político que lhe permite mandar disparar essas armas contra outros Estados – o que daria início à 3ª Guerra Mundial e à destruição do mundo civilizado –, então a espécie humana ficaria, pela primeira vez na História, à mercê de ser talvez exterminada, apenas porque, nos últimos 80 anos, nenhum dos dirigentes mundiais se lembrou de que era vital arranjar forma de prevenir essa eventual circunstância. Ora, é exactamente este o ponto em que todos nos encontramos agora, sem que ninguém saiba como lidar com o sr. V. Putin de modo a que ele não dê essa ordem fatídica.

Todos os dias, e a quase todas as horas, há no nosso país órgãos de comunicação social que, a propósito de alguma notícia verídica, actual ou passada, escrevem ou emitem imagens sobre esta guerra medonha, com o cuidado de não apavorarem demasiado ninguém. Quiçá pelo louvável desejo de evitar que a generalidade da população ande inutilmente aflita e deprimida com o que se passa na Ucrânia há perto de quatro meses, os media portugueses, ao mesmo tempo que nos informam sobre essas tragédias (ao contrário do que acontece na Rússia, onde quem noticia as “verdades desagradáveis para Putin” é punido dos vários modos possíveis), nunca referem as piores catástrofes em potência e, ao mesmo tempo, dão ao cumprimento da sua função informativa o carácter de espectáculo e de negócio o mais rentável possível, visto que isso é suposto dar mais audiências, e ao mesmo tempo numerosos “especialistas”, ou outros comentadores, aproveitam a oportunidade para ganhar dinheiro e tornarem-se (mais) famosos.

Se porventura eu fosse crente, o mais natural é que, neste momento, pedisse: “Que Deus nos ajude a todos a sair ilesos disto”, mesmo sabendo que o melhor que nos pode acontecer é continuarmos a ser comandados por gente com as características de Costa, Temido, Galamba e seus camaradas, que já provaram saber todas as artimanhas precisas para ganharem eleições, mas também já mostraram, até à náusea, não serem capazes de governar o país tendo em vista o bem da generalidade da população.