Governo afasta regresso ao carvão para combater crise

A Rússia pode fechar a torneira do gás à Europa no inverno, e os países do velho continente lutam por mitigar as consequências. Por cá, o regresso ao carvão não está na lista das opções do Governo.

Portugal nada contra a corrente no que toca à escolha do carvão como ‘salvação’ para combater os efeitos de uma crise energética com a ofensiva russa sobre a Ucrânia. Se a Alemanha, a Áustria e os Países Baixos já estão a reativar as suas centrais, e Espanha continua a optar por essa fonte, o Governo afasta qualquer recuo nesta matéria e, questionado ontem pelo i sobre o novo alerta do presidente da Agência Internacional de Energia sobre a necessidade de “planos de contingência” para o inverno, mantém a visão de que as centrais a carvão não são para reabrir e que o plano passa pela transição energética em curso.

Confrontado com as declarações de Fatih Birol, que esta quarta-feira disse ao Financial Times que a Rússia poderá fechar a torneira do gás no inverno e que os países devem preparar-se para isso, o gabinete do ministro do Ambiente e da Ação Climática remeteu para as declarações de Duarte Cordeiro no Parlamento esta semana: “Não pretendemos reativar as centrais a carvão que tantos, tantas vezes, insistem que consideremos. Os defensores de uma economia dependente e de uma descarbonização adiada nem pensam no preço absurdo que a eletricidade atingiria, tendo em conta os seus custos da produção, e também não consideraram a falta de segurança que representaria a dependência de um mercado, o do carvão, dominado pela Rússia”.

Foi em novembro do ano passado que a central de carvão do Pego, a última que estava em funcionamento em Portugal, a oito quilómetros de Abrantes, deixou de funcionar, 28 anos depois do seu arranque e não há assim um plano para retomar a produção a carvão em caso de necessidade. Sobre a existência de um plano de contingência em Portugal, o MAAC respondeu ao i que “a transição energética em Portugal já estava em curso muito antes do atual conflito na Ucrânia”, e que “é necessário acelerar”, para procurar “reduzir a dependência energética do exterior, em particular da Federação Russa, e passar de uma economia assente em combustíveis fósseis (maioritariamente importados) para uma assente em energias e combustíveis de origem renovável, que podem, na sua grande maioria, ser produzidos a nível nacional e europeu”.

 

“Não se antevê uma disrupção profunda em Portugal”

O ministério reforçou ainda que “as importações de gás natural da Federação Russa representaram somente 10% do total das importações de gás natural, em 2021, e, em 2022, representam, até à data, menos de 5%, pelo que não se antevê uma disrupção profunda do fornecimento a Portugal, face a uma interrupção do fornecimento por parte da Federação Russa aos Estado-Membros de UE”, até porque “o gás consumido em Portugal provém dos EUA, de Trinidade e Tobago e do Catar, por exemplo”.

“O principal risco para Portugal é o aumento de preço do gás natural, resultado da competição acrescida para a compra de cargas de Gás Natural Liquefeito, com a entrada em mercado de compradores que antes eram abastecidos por gasoduto com gás natural russo”, admite o ministério, acrescentando ainda que “Portugal dispõe de elevados níveis de armazenamento de gás natural (superiores a 90%) e, à semelhança dos restantes Estados-Membros, dispõe de um plano de Plano de Emergência para o Sistema Nacional de Gás Natural para fazer face a cenários de quebra de fornecimento, algo que, como já se se referiu, não se prevê presentemente”.

Sobre a resposta aos augúrios vindos da Rússia e o novo alerta sobre o corte do gás à Europa, o professor universitário Clemente Pedro Nunes é sucinto: “Isto é uma questão político-estratégico-militar. A energia aparece aqui como secundária. Nesta área, todas as alternativas são piores do que aquilo que existe”.

Clemente Pedro Nunes prefere apontar armas a um outro assunto: “Isto vai ser um pandemónio”, diz, referindo-se ao cap  (teto) colocado pelo Governo ao preço do gás natural, com o decreto 33/2022, publicado a 14 de maio em Diário da República, que prevê “um regime excecional e temporário para a fixação dos preços no MIBEL, mediante a fixação de um preço de referência para o gás natural consumido na produção de energia elétrica”.

“A grande questão é que a Comissão Europeia determinou que o Governo tem de publicar um diploma para dizer onde vai buscar as taxas para pagar esse subsídio”, e tal não aconteceu, acusa o professor. Trata-se de 2,1 mil milhões de euros até 31 de maio de 2023, “e neste momento o Governo português não publicou nada a dizer onde vai buscar o dinheiro”.

Na altura da aprovação deste decreto de lei, o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, explicou que  “quando os preços atingem valores altos, há ganhos não esperados por parte das empresas”. “Não paga o contribuinte, paga o sistema, e beneficiam os consumidores”, disse.