Obviamente, demita-se!

O SNS está num caos; há chefias constantemente a demitir-se; há médicos a sair todos os dias; há serviços fechados; há atrasos medonhos nas consultas. No tempo da troika, quando o ministro da Saúde era Paulo Macedo e cortava a eito nas despesas, nunca houve tantas queixas como agora. Gasta-se muito mais – e os…

Os meus leitores sabem como sou avesso às demissões de governantes.

Lembro-me de que não concordei com as saídas de Jorge Coelho em 2001 e de António Guterres em 2002. Devo ter sido dos poucos…

Normalmente, a demissão de um ministro não resolve nada e agrava os problemas, pois o seu substituto leva tempo a inteirar-se dos dossiês.

No que respeita a Marta Temido, apoiei a sua ‘recondução’ na pasta da Saúde neste novo Governo.

Fizera um grande esforço no tempo da pandemia – onde as coisas, apesar de tudo, não tinham corrido mal – e merecia continuar no lugar.

É certo que Temido, apesar do seu ar cândido de ‘capuchinho vermelho’, tinha uma visão muito extremada do papel do Ministério da Saúde.

Ela não se considerava propriamente ‘ministra da Saúde’, antes vestia a camisola de ‘ministra do Serviço Nacional de Saúde’.

Fora do SNS, pouco ou nada lhe interessava.

 Em vez de pensar o sistema de saúde como um todo, incluindo os hospitais particulares e os de solidariedade social, fazia tábua rasa destas unidades e achava que com o SNS resolveria tudo.

Ao Estado apenas competia gerir o SNS e nada mais.

Disseram-lhe que era um erro pensar assim.

Que o ministro da Saúde devia pairar num plano ‘superior’ e ter em conta todos os recursos disponíveis na sua área, públicos e privados, articulando-os globalmente.

Por exemplo: se os hospitais privados podiam prestar certos serviços médicos à população em geral, mediante um determinado pagamento contratualizado com o Estado, por que razão deveria o Estado duplicar esses serviços?

E se algumas parcerias entre o Estado e os particulares funcionavam bem, por que deveriam acabar apenas por razões ideológicas?

Mas a ministra não quis saber destes argumentos e seguiu em frente.

Esse caminho ficou claro na Lei de Bases da Saúde, criticada mesmo dentro do PS.

Era um caminho aparentemente errado mas legítimo.

Se a ministra estava plenamente convencida das suas vantagens, era natural que o levasse por diante.

Marta Temido apostou ainda noutro princípio polémico.

Segundo percebi na avalancha de informações sobre o assunto, a contratação pontual de médicos deixou de se fazer descentralizadamente para se fazer de uma forma centralizada.

Um anestesista, por exemplo, em vez de ser contratado por uma unidade de saúde para uma certa equipa – podendo projetar uma carreira nesse hospital e nessa equipa – passou a ser contratado por uma ‘central’.

Uma espécie de ‘central de compras’, que manda os médicos hoje para aqui e amanhã para ali, como se fossem peças de Lego.

E isso afugentou muitos  profissionais.

Se as deserções para os privados e para o estrangeiro já eram preocupantes, a situação ainda ficou pior.

Tudo junto, passados três anos e meio sobre a ascensão de Marta Temido a ministra da Saúde, o que temos?

O SNS está num caos; há chefias constantemente a demitir-se; há médicos a sair todos os dias; há serviços fechados; há atrasos medonhos nas consultas.

No tempo da troika, quando o ministro da Saúde era Paulo Macedo e cortava a eito nas despesas, nunca houve tantas queixas como agora.

Gasta-se muito mais – e os resultados são piores.

Até porque, não havendo acordos estáveis com os privados, os serviços prestados avulso são pagos pelo Estado a um preço muito mais alto.

Está à vista uma coisa simples: esta política falhou.

A política teimosamente defendida e posta em prática por Marta Temido, contra a opinião de muita gente, falhou em toda a linha.

As decisões voluntaristas da ministra revelaram-se erradas.

Não foi um erro pontual, de execução – foi um erro de conceção, um erro de base.

Marcelo Rebelo Sousa diz que não adianta demitir a ministra pois a questão é «estrutural».

Ora, a conclusão deveria ser exatamente a oposta: se fosse conjuntural, motivada por razões circunstanciais, não exigiria medidas de fundo; sendo estrutural, tem a ver com a política seguida e é da responsabilidade da ministra.

Marcelo viu a questão ao contrário (ou quis fingir que viu).

Marta Temido deveria ser a primeira a tirar as suas conclusões.

Pôs a cabeça no cepo por esta política e ela falhou.

As suas ideias revelaram-se erradas, com grandes custos para o país.

Assim sendo, não faz sentido continuar no cargo.

Das duas uma: ou mudava completamente de política e começava a fazer tudo ao contrário do que sempre defendeu, ou não mudava nada e prosseguia no mesmo caminho à espera de que as coisas se resolvessem por si.

Ora, para fazer doutro modo, será melhor outra pessoa, com outras ideias; e continuar por este caminho será um suicídio.