Será verdade que “devagar se vai ao longe”?

Acham que o otimismo contagiante do Dr. António Costa e o suporte que a Europa nos tem dado serão suficientes no futuro, perante os previsíveis cenários do eclodir das taxas de juro?

1. As eleições autárquicas tinham caído um pouco no esquecimento e a esquerda lisboeta ‘lambia as feridas’ resultantes da surpreendente eleição de Carlos Moedas. Os meses foram passando, uns e outros adaptando-se à nova realidade e de quando em vez surgiam uns boatos de que, mais dia ou menos dia, a esquerda provocaria eleições para recuperar a Câmara que entende pertencer-lhe, certamente por direitos adquiridos.

Para uns quantos iluminados da esquerda alfacinha, ‘Lisboa é de esquerda’ e… ponto final! O facto de circunstancialmente terem perdido estas eleições para Moedas em nada altera a substância da questão, pelo que certamente todas as semanas serão gizados planos para a recuperação do Município da capital. Só que, por vezes, a coisa corre mesmo mal, como sucedeu recentemente, quando por proposta do Livre, com o apoio de parte da esquerda, foram aprovadas alterações importantes ao trânsito da capital.

Inebriados pela perspetiva de estarem a colocar engulhos na gestão camarária, o Livre e os seus parceiros do PS e Bloco nem perceberam o efeito boomerang que esta medida causou. Entre as medidas ora aprovadas, saliento o trânsito cortado na Avenida da Liberdade ao domingo (entre outras vias relevantes nas 23 freguesias da cidade) e a redução generalizada da velocidade em 10 kms/h nas vias de Lisboa. 

A votação até foi renhida (8/7) tendo o Livre, Bloco e PS votado a favor e a coligação PSD/CDS a votar contra. O PCP absteve-se, o que para mim está longe de ser surpresa, porque nestes temas de gestão camarária o histórico PCP pede meças a qualquer um dos restantes partidos. Não surpreende, assim, que o PCP tenha tido a iniciativa, aprovada em 25 de maio passado pelos votos também favoráveis do PSD/CDS, PS e Livre, de propor estudos técnicos que era por onde se devia ter começado.

De facto, ainda nos conseguimos surpreender como esta medida, completamente inovadora, foi aprovada, pasme-se, sem quaisquer estudos prévios a suportar a sua racionalidade, assim ao estilo muito próprio de uma elite esquerdista, radicalmente defensora de medidas impostas pelos partidos que zelam pelo bem-estar dos cidadãos. O que sinceramente não contavam foi com uma oposição vigorosa da sociedade civil, bem mais esclarecida que estes líderes visionários e fautores destas leis que se baseiam no ‘porque sim’. 

Nos entretantos, o Automóvel Club de Portugal já veio publicar alguns factos ilidíveis como (i) o custo económico da redução da velocidade estima-se em cerca de Eur. 213,7 milhões, em resultado quer de um maior consumo de combustível (e consequente aumento da poluição) decorrente de se demorar mais tempo a circular (estima-se que cada veículo demore, por ano, mais 29h no trânsito) quer do custo atribuído ao tempo por passageiro de cada veículo; (ii) o encerramento das principais vias ao domingo pode conduzir a um aumento do desemprego face ao encerramento de estabelecimentos comerciais e/ou maiores dificuldades nos acessos a salas de espetáculo ou de lazer.

Para mim, que sou lisboeta ‘de gema’ e conduzo há quase 50 anos, é por demais evidente que, em diversas vias de Lisboa, a velocidade máxima deveria ser reduzida. Mas o contrário também é verdadeiro, dado existirem vias com múltiplas faixas para cada lado em que a velocidade autorizada poderia perfeitamente ser aumentada para 60 ou até 70 kms/h. Com isto, pretendo apenas referir que, mais uma vez, a precipitação ditada por razões políticas é péssima conselheira e Moedas bem pode agradecer estas benesses que a oposição lhe concede. 

2. Sobre a Saúde, já tanto foi dito esta semana que não quero ‘bater mais no ceguinho’ porque se torna por demais evidente que a incompetência governativa, em matérias de gestão, grassa no Setor e parece que ninguém entende que não é a deitar dinheiro para cima do problema que os temas de (falta de) organização se resolvem. Mas uma coisa não quero deixar passar. Foi dito e reafirmado, também por Marcelo, que mudar pessoas (líderes) nestes casos imbricados nada resolve. 

Relembro um caso bem recente também na Saúde – a vacinação e o estado em que estava quando se nomeou o Vice-Almirante Gouveia e Melo. Mudou da noite para o dia, pela liderança, pela organização imposta. Será que foi assim há tanto tempo que as pessoas já se esqueceram? Claro que não e a maior prova é que a esquerda treme só de pensar que o hoje Almirante possa ser candidato a Presidente da República em 2026…

3. Depois de sabermos, no princípio de junho de 2022, que a dívida pública nacional subiu para novo máximo de Eur. 279 MM em abril passado, soubemos agora que o endividamento do setor não financeiro (administrações públicas, empresas e particulares) aumentou Eur. 5,1 MM em abril 2022 face ao mês anterior, ou seja, para Eur. 787,6 MM. Em maior detalhe, o Banco de Portugal refere que o endividamento do setor público já vai em Eur. 355 MM, enquanto o endividamento do setor privado ascende a Eur 432,6 MM.

Quando julgamos que as boas regras de prudência recomendariam ‘cautelas e caldos de galinha’ nestes conturbados tempos de instabilidade económica e financeira internacional, constatamos que todos os meses são atingidos novos máximos no endividamento da economia portuguesa. Acham mesmo que o otimismo contagiante do Dr. António Costa e o suporte que a Europa nos tem dado serão suficientes no futuro, perante os previsíveis cenários do eclodir das taxas de juro?