A dependência estratégica europeia

O contexto de fragilidade inicial dos países do projeto europeu, mais preocupados com a sua recuperação do que com políticas de defesa, colocou a Europa em dependência estratégica dos EUA. 

Por Francisco Gonçalves

O caminho que a Europa (leia-se CEE/UE) tem realizado para a criação de um novo Estado, de cima para baixo, tem sido minado pela história (ou pelas histórias) e pela realidade (ou realidades, com interesses muitas vezes divergentes). Para que tal Estado fosse possível, seria necessário um consenso político (muito complexo) e de interesses (ainda mais complexo), entre realidades soberanas, com lógicas distintas e visões do mundo ainda mais distantes.

Os EUA necessitaram de uma guerra civil para fazer a centralização de recursos e de poder no estado federal, só assim foi possível ter uma estratégia nacional coerente (os interesses de comércio livre dos estados agrícolas do sul não combinavam com o protecionismo de um norte industrializado, mas pouco competitivo). Na Europa, a violência das duas guerras promoveu a criação das comunidades, passada a memória da guerra, com paz e mais peso histórico, torna-se ainda mais difícil a criação de uma nova entidade agregadora. 

Paralelamente, em anos de populismo, que aproveitam toda a divergência, e de um poder absurdo da burocracia de Bruxelas, que afasta a União do(s) Povo(s), tudo se torna mais complicado. Não existe sequer consenso em torno do projeto.

O contexto de fragilidade inicial dos países do projeto europeu, mais preocupados com a sua recuperação do que com políticas de defesa, colocou a Europa em dependência estratégica dos EUA. 

A crise do Suez foi um momento definidor do tipo de dependência que a Europa praticaria. O Reino Unido apostou numa estratégia de bandwagoning, assumindo a transição sistémica e o guarda-chuva protetor norte-americano. A França e a Alemanha (recuperada), ainda que promovendo o eixo franco-alemão (o tratado de Roma é assinado em 1957), motor da integração europeia, nunca teve afirmação em termos de estratégia de defesa (logo, sem verdadeiro equilíbrio de poder). Os projetos iniciais de comunidade de defesa nunca ganharam corpo ou autonomia em relação à estratégia norte-americana, sendo sempre secundários da NATO/OTAN.

Mesmo com o desaparecimento da URSS e do Pacto de Varsóvia, foi o manto NATO que cobriu a segurança europeia, cristalizando o status quo.

As razões que dissemos atrás, de história e interesses divergentes, deviam ser coladas pela convergência dos motores da União, abdicando, em parte, de ganhos particulares, com vista a obter consenso dos membros menos fortes. François Miterrand e Helmut Kohl foram excecionais a fazê-lo.

Note-se que, ao longo dos anos, o mais forte ator militar europeu, o Reino Unido, era também o mais próximo aliado dos EUA, olhando mais para aqueles do que para o continente.

É esta dependência estratégica que arrasta a Europa para uma visão do mundo que é, muitas vezes, o de terceiros. Mesmo que, os interesses da Europa e dos EUA sejam, na maior parte dos casos, convergentes, noutras vezes não o são e, quando assim não acontece, não há autonomia decisória. 

Porque autonomia estratégica não está apenas na defesa, permito-me recordar que Portugal (Europa) não extrai o gás que tem no offshore, não explora o lítio que tem e não explora os metais raros que tem. Tudo isto não é explorado, mas é importado! Tal como são importados os microprocessadores e a química fina que se externalizou. Tudo isto está a ser pago com língua de palmo.

Ter autonomia implica ter estratégia política e pensamento estratégico. Será que há? Não será apenas com mercearia que se fará um ‘renascimento europeu’…