José Sócrates acusa MP de inventar “mentirolas ridículas” sobre viagens não comunicadas

“Chegamos aqui agora com o Ministério Público a querer fazer uma encenação de que talvez haja perigo de fuga”, afirmou antes da diligência no Juízo Central Criminal de Lisboa. “Alguém devia dizer ao Ministério Público que as mentirolas requentadas oito anos depois talvez fiquem ridículas e patéticas”.

Pouco mais de um mês depois de o Nascer do SOL ter noticiado que o antigo primeiro-ministro José Sócrates estaria a falhar com a Justiça por não comunicar as suas ausências do país por mais de cinco dias, sendo que está obrigado a fazê-lo, por lei, pois esta implica que os arguidos sujeitos à medida de coação mais ligeira de termo de identidade e residência informem as autoridades da sua saída de Portugal – sendo que, por este motivo, o Ministério Público (MP) já havia pedido que Sócrates justificasse as viagens não comunicadas -, o ex-primeiro-ministro presta hoje esclarecimentos no Tribunal Central Criminal de Lisboa.

"Este interrogatório nada tem a ver com justiça", declarou aos jornalistas à chegada ao tribunal. "Este interrogatório tem apenas a ver com abuso, violência e com uma encenação que pretende, oito anos depois, apresentar-me de novo como alguém que pode fugir à justiça", disse o antigo dirigente, referindo-se ao momento em que foi detido preventivamente, em 2014.

"O Ministério Público explicou à sociedade que o tinha feito com base no perigo de fuga. Oito anos depois, voltamos a isso", frisou, considerando "lamentável" que o processo em causa apresente um padrão que "nada tem a ver com justiça, com direito". "Tem a ver com agressão, com a maledicência. Oito anos de mentiras atrás de mentiras, de campanha de difamação contínua".

De seguida, explicou as "várias mentiras" deste processo, como a "mentira da fortuna escondida, da proximidade a Ricardo Salgado, da OPA da Sonae, do TGV". "Chegamos aqui agora com o Ministério Público a querer fazer uma encenação de que talvez haja perigo de fuga", afirmou antes da diligência no Juízo Central Criminal de Lisboa.

"Alguém devia dizer ao Ministério Público que as mentirolas requentadas oito anos depois talvez fiquem ridículas e patéticas", frisou, realçando que a juíza Margarida Alves não podia ter feito a separação da pronúncia e da não pronúncia do processo, na medida em que tal era uma competência do juiz de instrução Ivo Rosa, dizendo que constituiu um abuso da magistrada. "Onde está o TIR neste processo?", perguntou.

Importa referir que, segundo a alínea b) do número 3 do artigo 196.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido de um processo deve ter conhecimento "da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado". No entanto, Sócrares disse que não tem de prestar explicações por julgar que não lhe foi aplicada medida de coação de Termo de Identidade e Residência (TIR). "Não dei essa informação porque não havia TIR. Eu só dou explicações que sinto que devo dar pela lei", 

"Todos aqueles que me conhecem sabem que não me deixo intimidar pela ameaça", salientou, à entrada quando se encontrava na companhia do advogado Pedro Delille, criticando igualmente o facto de os tribunais superiores não quererem sortear os juízes, facto que conduziu a um dos recursos com os quais avançou e adiantando que a escolha do juiz de instrução Carlos Alexandre, há oito anos, foi "falseada".

"Porque é que não querem sortear os juízes? Não acho normal", atirou, rematando também que não concorda com as declarações feitas por Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, do Conselho Superior da Magistratura (CSM). "Ele não está de acordo com a Constituição? Acho isto absolutamente extraordinário".

Recorde-se que Pedro Delille tinha pedido, na quarta-feira, o adiamento do interrogatório – pedido pelo Ministério Público, com o procurador Vítor Pinto a encará-lo como uma medida necessária tendo em conta que o ex-político tinha de divulgar as viagens com duração superior a cinco dias -, mas foi recusado. No final do mês de maio, o profissional reagiu a esta situação, em declarações à agência Lusa, explicitando que o cliente "continua a residir na Ericeira e nunca se ausentou em termos que o obrigassem a comunicar nova residência onde pudesse ser encontrado".

Em abril do ano passado, o juiz Ivo Rosa decidiu que, do total de 31 crimes de que estava acusado, o ex-primeiro ministro socialista apenas vai a julgamento por seis: três de lavagem de dinheiro e três de falsificação de documento.