CEO da Prozis: “Quanto a mim, não tenho medo”

“O que me é exigido pela multidão é que peça desculpa e mude de opinião. Querem controlar a minha mente. Não o permitirei”, garantiu Miguel Milhão, o CEO da Prozis que tem estado debaixo de fogo depois de ter manifestado o seu posicionamento anti-aborto na rede social LinkedIn.

O início das grandes marcas, muitas das vezes, parece… Pequeno. Por exemplo, o projeto da Apple Inc, que se tornaria o computador pessoal mais bem-sucedido da história, vendendo quase seis milhões de unidades no espaço de dezasseis anos, somente foi viabilizado graças a Mike Markkula que ofereceu uma linha de crédito de 250 mil dólares em troca de uma participação acionária.

Assim, a 3 de abril de 1977, nasceu a Apple Computer Co., fruto da antiga sociedade que havia sido formada por Steve Jobs e Steve Wozniak nove meses antes.

No caso da Prozis, depois de se ter lesionado quando praticava natação enquanto atleta federado, Miguel Milhão apercebeu-se da escassa oferta de produtos de nutrição desportiva no mercado português. Decidido a mudar esta realidade, vendeu o carro que o pai lhe havia oferecido – por 25 mil euros – e pôs mãos à obra. Juntamente com Jorge Costa e Silva, proprietário de uma empresa de software, a McWin, investiu desde cedo no comércio digital, alargando os horizontes da marca e chegando a países como o Brasil. Por isso, foi necessário criar um centro de logística para tratar de todos os pedidos e, desde 2006, a expansão foi tão galopante que a opção passou pelo franchising do negócio em pontos completamente distintos do globo, como os EUA.

Depois de, no domingo da semana passada, volvidos dois dias da proibição da interrupção voluntária da gravidez em 10 estados dos EUA, ter partilhado a sua posição anti-aborto no LinkedIn, Miguel Milhão não mostra qualquer arrependimento. «Nos últimos dias fui atacado por uma cancel mob pelo simples facto de ter manifestado a minha visão sobre o que se passou nos EUA. O que me é exigido pela multidão é que peça desculpa e mude de opinião. Querem controlar a minha mente. Não o permitirei», garantiu, em declarações ao Nascer do SOL, o fundador da Prozis, a partir de Miami Beach, na Flórida.

«Além disso, existe um grupo de pessoas da indústria do entretenimento que utiliza o álibi da arte e da criatividade para silenciar, intimidar e pressionar. O seu principal objetivo não é o entretenimento, mas sim transmitir uma espécie de propaganda camuflada. Vivem, no entanto, todos os dias com medo de que o monstro que ajudaram a criar e alimentam se vire um dia contra eles. Quanto a mim, não tenho medo. Reitero: sou incancelável», esclareceu o empresário de 39 anos que, aos 23, iniciou aquele que viria a ser o seu império. Também no podcast ‘Conversas do Karalho’, que foi criado pelo empresário para os funcionários da Prozis, mas foi aberto ao grande público exclusivamente, Milhão frisou o seu legado: «Eu considero-me meio burro. Para meio burro, consegui fazer algumas coisas na vida: fundei uma empresa, tornando-a grande, fiz uma família, visitei 90 países, vivi em quatro sítios diferentes, tenho carta de barco e de avião, fiz Filosofia na universidade…».

«Se eu tivesse uma filha que tivesse sido violada, ou que a minha mulher tivesse sido violada, eu tentaria falar com ela e cuidava dessa criança. Não consigo sacrificar um inocente pelos crimes de um criminoso. Não consigo fazer essa cena», afirmou. «Já falei com a minha mulher sobre isso, mas não me lembro do que ela disse…»: ei-la, uma das declarações mais polémicas de Milhão que, na pequena biografia disponível no perfil do LinkedIn, informa que foi pai aos 24, 26 e 29 anos, explicando que se tornou «rico» aos 27, «muito rico» aos 30 e se «reformou» aos 32.

Aliás, terá sido mesmo isso que contou aos colegas e professores quando decidiu tirar a licenciatura em Filosofia na Universidade do Minho. «Depois de ter completado 35 unidades curriculares com uma média de 16/20 valores, deixei a última por fazer. Penso que parece melhor assim», lê-se na mesma rede social, sendo que terá estudado Economia, na mesma instituição, durante um ano, mas terá desistido por ser «demasiado aborrecido».

 

‘Candidato fixe para o aborto’

Relativamente aos comentários que têm sido feitos sobre a sua imagem, no podcast Miguel Milhão foi assertivo: «Nasci cego do olho esquerdo, a minha mãe era nova, tinha 19 anos, solteira, e eu era um candidato fixe para o aborto. Mas ela pensou diferente – na altura mandaram-na fazer e ela não fez, e aqui estou. Sei que estou a fazer um bom trabalho e não é por estar a salvar o mundo, é porque sei que ao meu redor as pessoas estão mais felizes. Isso é que é uma vida útil de serviço», apontou.

«Sou cego do olho esquerdo. Uma vez fui ao médico, que ficou 40 minutos a olhar para o interior do olho, e disse: ‘Eu nunca vi uma coisa destas. Isto é uma cena inacreditável’», revelou o empresário que se sentiu «repugnado» com «a ditadura das ideias, que é a pior ditadura que há». «Para mim, isso é o princípio do fim das civilizações», frisou acerca das vozes opostas à sua que se fizeram ouvir.

«Eu não ando por aí a perguntar: ‘Fizeste um aborto? Então vou destruir a tua vida. Não quero mulheres assim.’ Isto não tem lógica nenhuma. Eu sou contra o aborto e há aqui gente na Prozis que é a favor. E eu não ando aí a ver quem é a favor do aborto e dizer que a quero destruir, só por pensar diferente de mim», clarificou. «O desenvolvimento da vida e a sua permanência é o conceito da vida humana. Na minha forma de pensar, matar um embrião ou matar um feto, ou um recém-nascido, ou a criança é a mesma coisa, não há diferença», contou o fundador de uma das maiores empresas de nutrição desportiva da Europa que, no site oficial, no separador ‘A nossa promessa’, no tópico ‘Ética acima de tudo’, explicitou: «Tratamos os outros da mesma forma que gostamos de ser tratados. Às vezes, agressivos, outras vezes com dureza, mas também suaves e cuidadosos. Não discriminamos com base na cor, religião, sexualidade ou cultura. Contudo, não gostamos de pessoas que maltratam os outros. A nossa inspiração está enraizada nos padrões éticos do cristianismo e da cultura ocidental. Não queremos saber sobre o que é politicamente correto. Não tentes mudar-nos, não vais conseguir».

«Se eu matar um idoso, o que é que lhe roubei?», questionou no vídeo que tem a duração aproximada de 43 minutos. «As experiências que ele ia ter até morrer de morte natural. E roubaria às outras pessoas a sua presença e a sua energia. Mas se matasse um jovem adulto, roubava muito mais experiências. Se eu matasse uma criança, roubar-lhe-ia aquilo tudo. E se matares o feto, matas tudo. Se roubares o embrião, matas isso tudo», enfatizou o empreendedor de 39 anos que terá chegado a Portugal no passado dia 15 e regressado aos EUA este sábado.

«A Prozis não precisa de Portugal, é uma empresa internacional, será provavelmente a marca portuguesa mais conhecida fora do território. Vive do comércio exterior, 85% é exportação (…) Se nós perdermos dinheiro, ou sofrermos por causa disso, é uma fatura que temos que pagar», disse igualmente no episódio que, até à hora de fecho desta edição, obtivera 655 comentários somente no YouTube, como: «Prozis será a marca mais conhecida fora de Portugal?!? Sim, mesmo atrás da Navigator (líder mundial na produção de papel de impressão), Corticeira Amorim (líder na produção de cortiça sendo responsável por 70% do fornecimento de cortiça mundial), Mar Kayaks (líder mundial de Kayaks de elite) e mais uma data de empresas. A Prozis é uma empresa que opera no estrangeiro como milhares de outras empresas. Sem dúvida um bom exemplo mas talvez fosse conveniente ajustar o ego com a realidade».

«Agora, não vamos ser manipulados por esta ‘mob’. As minhas ideias são as minhas ideias, não são as da Prozis. A Prozis não tem ideias – é uma empresa que vive para produzir bens e serviços que tem como objetivo produzir lucro. É uma empresa privada, que tem acionistas, trabalhadores, parceiros, vários tipos de ‘stakeholders’, e todos eles têm opiniões diferentes», salvaguardou Milhão. «Não gosto desta ‘mob’, destes filhos da puta. Podem todos deixar de comprar na Prozis».

No entanto, os especialistas ouvidos pelo i dividem-se. Alexandra Dias, CEO da MI6, explicou que «quando foi o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o grupo Mulliez – que detém marcas como a Auchan ou a Decathlon – disse que não sabia o que devia fazer, mas agora toda a gente continua a ir fazer compras às lojas», defendendo que «temos de avaliar melhor o nosso backlash», mas concordando que a empresa – acima de tudo, os funcionários – não deve ser prejudicada devido à opinião de Milhão.

«Em termos de gestão de crise há aqui alguns passos que deviam ter sido dados de outra forma. Até há pouco tempo, a comunicação de marcas não tinha perspetiva social ou política. A sociedade está diferente, muito mais expressiva. Através das redes sociais, podemos divulgar a nossa opinião. Podemos expressar abertamente o nosso pensamento, a liberdade de expressão – gostemos ou não – é incontornável e fundamental para a sociedade e cultura de cada país», destacou a CEO.

«Pode ser um abre-olhos para o setor da comunicação porque, de facto, falamos dos valores e da missão, mas muitas das vezes não de uma forma tão concreta e assertiva como está a acontecer neste caso. E podemos ver que aquilo que está dito reflete-se numa perspetiva de intervenção social. Cabe-nos, enquanto consumidores, tomarmos as nossas decisões sobre aquilo que nos faz sentido», alegou, expondo que esta constitui «uma situação em que não podemos generalizar porque temos uma série de outras empresas, de outros países, que apregoam alguns valores e depois recorrem a trabalho altamente forçado, trabalho infantil, etc. Temos de ter cuidado com o hype do momento, em ir com a onda, e não esquecer outras coisas».

Já Luís Matos Oliveira, fundador e CEO da Lifeboost, a primeira marca portuguesa de suplementos alimentares 100% e exclusivo em spray –, observou que «os líderes são indissociáveis das marcas». «Se estas declarações tivessem sido feitas no início da marca a mesma não teria vingado. O cancelamento mexe com toda uma estrutura (por exemplo funcionários) e não serve a nada nem a ninguém», finalizou, alinhando-se com Ana Correia, influencer que conta com quase 16 mil seguidores no Instagram e é patrocinada pela Prozis desde o início deste ano. «Eu já gostava e consumia produtos da Prozis há anos. Com o passar do tempo, comecei a crescer mais nas redes sociais e a ter bastante alcance. Via imensas meninas que já seguia com parceria e uma vez perguntei o que era preciso. Havia a opção de ter o código de desconto (visto que tinha mais de 10 mil seguidores), mas não me pareceu assim muito vantajoso em termos de ganhos monetários, então não era uma opção», recordou a maquilhadora profissional e formadora certificada cujo trabalho pode ser encontrado no perfil @lashbylash_ac.

«Sentia que já toda a gente tinha um código. Até que soube de outro tipo de parceria que eles fazem, que é recebermos mensalmente uma caixa Prozis com imensos produtos à nossa escolha (independentemente do valor) e em troca faria unicamente um post mensal e 4 stories com as regras deles! Regras super claras e fáceis! Já para não falar noutras vantagens de enviarem sempre coisas a mais como barras, miminhos quando fazem anos, colocarem formas de ganharmos com campanhas que vão diretas para o nosso link, entre outras. A minha gestora é incrível. Clara e compreensiva», assegurou a criadora de conteúdos digitais que nunca ponderou terminar a parceria.

«A Prozis não é um Miguel. Continuo a gostar da Prozis, não gosto é da opinião do Miguel. Só!», exclamou. «Abomino o pensamento dele, mas não abomino os colaboradores da Prozis. Não vou compactuar com um possível despedimento coletivo! Às vezes, seria bom se nos puséssemos no lugar do outro. E se queremos respeito, temos de o manter. Não trabalho diretamente com o Miguel e ainda bem. A Prozis não me mete comida na mesa, mas dá-me imensas vantagens que eu adoro! E nunca me falhou».