Megan Rapinoe. Nunca ninguém a fará calar!

Já foi a melhor jogadora do mundo e campeã mundial de futebol pelos Estados Unidos duas vezes. A sua opinião é ouvida por todos. Agora entrou na recente questão do aborto a pés juntos: “Triste e cruel!”

Megan nunca teve medo das palavras. Chuta-as como se chutasse uma bola, algo que faz desde a mais tenra das infâncias. Agora, fez-se ouvir outra vez: “Nós sabemos que esta medida vai afetar de forma desproporcionada mulheres pobres, mulheres afro-americanas, mulheres imigrantes, mulheres que estão em relações violentas, mulheres que foram violadas, mulheres e raparigas que foram violadas por membros da própria família, ou que simplesmente não tomaram as melhores decisões”. Falava do aborto. Ou melhor. Da decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos em deixar passar uma lei que elimina o direito constitucional às mulheres de abortarem, matéria que vem a propósito da gravidez de uma menor num caso de violação.

Megan Rapinoe ganhou tudo o que havia para ganhar no futebol feminino. Foi campeã do mundo com a camisola dos Estados Unidos em 2015 e 2019 (ano em que foi eleita a melhor jogadora do planeta), medalha de ouro no torneio dos Jogos Olímpicos de 2012, campeã da CONCACAF em 2014 e 2018. Recentemente, já com 36 anos, conseguiu sair vitoriosa de mais uma das suas batalhas quando a Federação de Futebol dos EUA ofereceu um contrato idêntico a todos os jogadores, sejam eles homens ou mulheres, pondo fim a uma discriminação cujo sistema impunha a diferença de pagamento entre sexos. “A seleção feminina de futebol venceu quatro Mundiais e quatro medalhas de ouro Olímpicas. Enchemos estádios, batemos recordes de audiência e esgotámos camisolas, tudo métricas pelas quais somos julgadas”, lamentou-se a devido tempo. Deram-lhe razão.

A luta! Megan, filha de Jim, um treinador nas horas livres, apaixonou-se pelo futebol desde miúda e passou por quase todas as equipas treinadas pelo pai. O seu estilo nunca passou despercebido e foi chamada às seleções jovens dos Estados Unidos, convencendo-se com cada vez mais força de que iria tornar-se profissional. A carreira, depois do futebol universitário, começou nos Chicago Red Stars e quando se transferiu para o Philadelphia Independents a verba envolvida atingiu cerca de 100 mil dólares, algo considerado, na altura, impossível no universo do futebol feminino.

Quis experimentar a vida de emigrante. Foi para a Austrália, para o Sidney FC, e para França, para o Lyon, o clube mais forte da Europa no que respeita a equipas de mulheres. Em 2012, numa entrevista concedida à revista Out, revelou a sua homossexualidade e confessou que vivia há dois anos com outra jogadora, a australiana Sarah Walsh. Os americanos interessaram-se profundamente por aquilo que apelidaram de seu “coming out” e mostraram-se prontos a escutar as suas opiniões, muitas vezes radicais. Num jogo disputado em setembro de 2016, tornou-se a primeira personalidade fora da comunidade negra a permanecer com o joelho no chão enquanto soava o hino dos Estados Unidos, divulgando assim a sua solidariedade com o jogador de futebol norte-americano Colin Kaepernick que fora vítima de violência policial com motivos racistas. “Não é apenas por Colin que o faço”, disse. “Faço-o por todos. Contra a forma absolutamente brutal como foi tratado e pela forma desprezível como os meios de comunicação falaram do assunto”. Dir-se-ia que, com um discurso destes, não é suscetível de criar grandes amizades. Pois Megan parece borrifar-se bem para isso. Quando a seleção americana foi convidada por Donald Trump para visitar a Casa Branca, Rapinoe simplesmente não foi: “Era o que faltava! Não vou fingir respeito ou consideração por um Presidente que tem tomado medidas contra tantas coisas em que acredito e contra tantas matérias que defendo!”

Megan Rapinoe pode ter deixado os grandes palcos do futebol, mas não parece disposta a calar-se perante os momentos em que a injustiça a fere como ferro em brasa. Anteontem, voltou a referir-se à questão do aborto: “Não consigo descrever a tristeza que esta medida me provoca nem a crueldade que ela revela. Estou sem palavras!” Ainda assim, proferiu mais algumas e bem fortes: “Sou uma mulher branca, rica e cisgénero, que vive numa das cidades mais progressivas do mundo como Seattle, com a proteção de mim própria e dos meus recursos, mas também disto, e isto é o emblema da Federação Norte Americana. Nem toda a gente tem isto. E não é por causa desta decisão cruel que os abortos aconteçam. Só deixarão de ser feitos de forma segura, algo que nos deve deixar a todos arrasados”. Se arrasou Megan, não se nota. Continua na luta. Pontapeando ideias retrógradas.