‘Este Governo não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários’

Para o presidente da ANP, o contrato de arrendamento ‘é celebrado e só tem que ser honrado’, afastando assim um cenário de intervenção de travão no aumento das rendas. E lembra que em Espanha, onde isso aconteceu, não são cobrados valores tão baixos. Frias Marques lamenta a carga fiscal imposta pelo Governo.

Como avalia o mercado de arrendamento? Os preços continuam a subir e as perspetivas não são animadoras…

Não vale a pena dramatizar e dizer que estamos mal porque o mercado de arrendamento é muito pequeno. Apenas cerca de 10% da população vive em casa arrendada. Em Portugal, o que tem muita força e que realmente talvez venha a ser dramático, com esta questão da inflação, é o mercado da compra e venda de casas porque cerca de 80% da população portuguesa vive em casa própria. 

Sempre se disse que Portugal tinha a cultura de proprietário…

É verdade. Isso é um bocado a cultura da inveja, não querem estar a pagar ao senhorio porque esse ‘malandro’ não tem o direito de estar a enriquecer à custa do inquilino. E então tornam-se eles escravos do banco. Mas isso é outra questão, que está perfeitamente branqueada. A grande parte vive em casas públicas, casas da câmara, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), etc. Por isso, não admitimos que esta questão do aumento da inflação se transforme num drama. A atualização da renda vem da lei de 1985 e tem sido sempre aplicada de forma pacífica. E houve anos, temos registos disso, em que a inflação e a atualização da renda andou à volta desses valores, que agora se fala de 8%. E nunca houve drama nenhum. O problema é que as pessoas pensavam que não haver inflação era o fim da história e era para toda a vida. Não é, pelos vistos. Não sabemos sequer o que é que o futuro nos reserva, até pode vir uma inflação galopante. Por enquanto ainda está uma inflação de 8%, mas pode ir por aí fora. Já assisti a inflações de 20, 30 e 40%. A solução é aguardar e aplicar a lei, a menos que este Governo – até porque o Governo tem poder absoluto e como sabe uma lei só pode ser alterada na Assembleia da República – mude as regras.

Caso contrário, os proprietários podem atualizar os valores das rendas se assim o entenderem? 

Exatamente. Se o Governo assim não o entender depois terá de arcar com essas responsabilidades e vai ter de ouvir opiniões contrárias. Embora tenha poder absoluto, tem que ouvir e não vemos nenhuma explicação lógica para fazer essa alteração. No ano em que estamos, o coeficiente de atualização nas rendas é muito baixinho: 0,43%. No ano anterior, foi 0%, ou seja, não houve mesmo atualização. Nestes últimos anos andava sempre na ordem dos 0% e qualquer coisa e, nessa altura, nunca vi os representantes dos inquilinos a dizer que como a atualização era muito baixinha e como os senhorios, coitados, têm rendas de miséria, então como amigos deles aumentavam, por exemplo, 2%. Isso é que era uma coisa interessante de ouvir. Logo aqui mostra-se que não há muita coerência nestas propostas. As propostas quando são lançadas, devemos analisar todas as situações e, sobretudo, não devemos hostilizar tão abertamente nenhum grupo social. O que se está a passar é que se está a hostilizar um grupo de cidadãos que são os senhorios e que põem as casas no mercado. Trata-se pura e simplesmente disso. 

Mas continua a ser apontada a falta de oferta neste mercado…

Enquanto a situação se mantiver assim, provavelmente vai haver mais falta de oferta. Porque há uma coisa que não existe que é segurança jurídica. Faço um contrato de arrendamento com uma família, ela paga-me o primeiro mês e o segundo e depois não paga mais. Para o tirar de lá, se correr muito bem, sai de casa ao fim de dois anos. Dois anos à borla. Porquê? Porque há uma insegurança jurídica. Houve aquelas proteções todas no período da covid, essas leis foram revogadas. Porém, o agente de execução, se for à casa, se a pessoa demonstrar e provar que fica em situação de vulnerabilidade se sair da casa, mesmo que esteja há três, quatro ou cinco anos sem pagar a renda, o despejo é suspenso. 

Voltando à inflação. Há rendas que não são assim tão baratas. E Romão Lavadinho já deu alguns exemplos..

Isso é um assunto diferente, mas quando se fala em rendas especulativas temos de estudar quais os dados do Census de 2021. Em Portugal existem 922 921 contratos de arrendamento, já incluindo Açores e Madeira. O que é que acontece? 84 304 famílias pagam uma renda inferior a 50 euros. São 10% do total. Normalmente são contratos muito antigos. E escusamos de dizer que vai atingir as classes médias, aliás seria bom que me explicassem o que é isso da classe média, porque as pessoas que pagam um pouco mais de renda até cerca de 200 euros, por exemplo, são cerca de metade dos contratos, mas estas pessoas estão simplesmente com os contratos blindados porque se encontram no período transitório, em que lhes foi fixado uma renda no início desse período, que era de 10 anos. A renda que pagaram há 10 anos é aquela que vão pagar previsivelmente até morrerem. Nem sequer estão sujeitos à atualização pelo coeficiente da inflação. Estas verdades têm que ser ditas. É muito engraçado começar a dizer coisas mas depois não condizem com a realidade. Em relação às rendas de 1 000, 2 000, 5 000, segundo o Census 2021, são apenas 2% das rendas e só 20 445 é que são de 1 000 euros ou superior a 1 000 euros. Uma pessoa que vai para uma casa de mil euros é uma pessoa de posses, porque quem não tenha um bom emprego não vai para uma casa dessas e o agregado familiar tem de ter um rendimento mensal de, pelo menos, 3 000 euros. Se estiver a falar de um aumento de 5% também não é por aí que vai à falência. É preciso ver quem estamos a defender. E, além disso, também que não compete aos senhorios fazer este tipo de análise. O contrato de arrendamento é celebrado e só tem que ser honrado. 

Mas Espanha já fez essa alteração à lei. Portugal poderá seguir o exemplo?

Também já estou a ficar um pouco com os cabelos em pé quando falam em Espanha. Portugal é independente há 892 anos. E a economia espanhola tem pouco a ver com a portuguesa. Está bem que entraram os dois na CEE na mesma altura, mas o mercado de arrendamento é completamente diferente. Há cerca de 30 anos, em Espanha, houve uma lei que acabou com as rendas mixurucas. Estas rendas que temos aqui de 50 ou 100 euros, em Espanha não existem. Aqui, se quiserem, a pessoa paga 1 000 euros de renda mas diz que não quer pagar mais 5% então inscreve-se no programa respetivo do Governo e o Governo dá-lhe 50 euros para pagar ao senhorio. Não temos problema nenhum nisso. Além disso, o senhorio não é obrigado a aumentar a renda e posso dizer que, pela perceção que temos, a mais de metade dos senhorios, nem lhe passam pela cabeça aumentar a renda. 

Mas podem o fazer se assim o entenderem…

Não podemos proibir as lojas que estão na Avenida da Liberdade de venderem malas para senhora a 1 000 euros. Há um mercado de luxo. Mas corremos o risco de pensar que estamos a defender pessoas de muitas posses. É frequente haver inquilinos muito mais ricos do que os senhorios. O senhorio hoje não é dono de um prédio todo, é dono de um andar. É um pequeno senhorio, a propriedade está muito dividida. 

E há vários casos?

Até é uma opção inteligente porque tem a mobilidade total. Não tenha dúvidas que as pessoas que se meteram a comprar casa meteram umas algemas de pedra nos pulsos. Não podem ir para lado nenhum, perderam a mobilidade. Mas têm a ilusão de que ‘a casinha é minha’. 

O arrendamento tem tido sempre problemas. Agora a inflação, mas antes era o alojamento local, que tirou alguma oferta para o mercado de arrendamento de longa duração…

O alojamento local é outra questão. Aí o que se passa é o seguinte: a marcha de Alfama tem 48 marchantes. E desses 48 nenhum vive em Alfama. Temos de ver o problema de outra maneira. O caso concreto de Alfama: conheço relativamente porque visitei algumas casas e não têm condições nenhumas. Nem de higiene, nem de habitabilidade, nada. Aquilo são casinhotos feitos no tempo dos mouros. É uma coisa antiquíssima que não tem condições, não tem mesmo ponta por onde se lhe pegue. O que é que acontece? Aquelas pessoas, assim que tiveram oportunidade de serem realojadas não hesitaram e foram para uma casa. Aquilo não tinha casa de banho, por exemplo. Os proprietários depois venderam as casas até que chegou à mão de um indivíduo que achou muita graça àquilo e viu que podia transformar para os estrangeiros poderem vir ver como é que se vivia na Idade Média. 

E para uma família também não dá.

Não dá para nada.

Nem carros entram.

Alfama não tirou casa a ninguém porque aquilo são casas absolutamente medievais. São casinhotos sem condições nenhumas. Não têm casa de banho, não têm cozinha, não têm nada. Os quartos são minúsculos. Uma vez fui visitar um amigo meu em que ele entrava para o quarto por cima da cama porque só cabia a cama mesmo à justa. Não havia mesa de cabeceira, não tinha nada. Entrava, punha-se de joelho na cama e deitava-se. E depois ouvia-se tudo de um lado para o outro que aquilo são paredes finíssimas. É uma miséria, no fundo. A palavra é essa. Aquilo se fosse no tempo do Duarte Pacheco ia tudo abaixo.

Mas foram zonas que atraíram os fundos imobiliários, que compraram edifícios inteiros…

Aí já não tenho argumentos concretos. Leio sobre isso mas dá-me ideia que os fundos imobiliários estão em zonas e não propriamente no coração de Alfama. Estão na periferia de Alfama e instalam alojamento local de cima a baixo. 

Outra medida que o Governo tem acenado nas políticas de habitação é tentar incentivar os proprietários a colocarem os imóveis no mercado de arrendamento com rendas mais baixas, dando em troca benefícios fiscais…

A taxa do IMI em vez de 28%, se for um contrato de dois anos passa a 26% e se for de cinco passa a 23% e vai baixando por aí abaixo até que se o contrato for mais de 20 anos paga apenas 10%. Isso é uma coisa relativamente recente e o Governo nunca se deu ao trabalho de publicar dados quanto ao nível de adesão. As Finanças nunca publicaram os resultados. Temos vários associados que nos pedem informação e acabam por fazer esse tipo de contratos. As rendas têm que ser mais baixas, atenção. Mas desconhecemos e achamos que era uma obrigação do Governo publicar esses números e ver quantas pessoas é que aderiram.

Tem dito que há falta de confiança por parte dos senhorios em fazer este tipo de contratos devido às mudanças de lei…

Há cobrança jurídica e se ele deixar de pagar renda, ninguém o tira de lá.

Há pouco disse que recuperar o parque habitacional degradado em vez de construir casas novas era uma das soluções ideais para resolver o problema da habitação. Por que acha que o Governo não olha dessa forma para este problema?

Para isso teria de haver um plano para realmente recuperarmos o parque habitacional. Em Lisboa penso que há cerca de 50 mil casas vazias e, no país inteiro, haverá muitas mais. Mas nestas 50 mil que há em Lisboa há uma percentagem muito grande de casas que pertencem à câmara e ao Estado. O Estado tem imensos edifícios abandonados que eram quartéis, hospitais, escolas, etc. e que não lhe dá uso. Seria bom fazer esse levantamento, mas essa mudança exige estabelecer confiança. O que acontece? Este Governo não faz mais nada há sete anos a não ser hostilizar os proprietários. Costuma dizer-se que não é com vinagre que se apanham as moscas. É preciso ter uma certa habilidade e dar condições às pessoas para as pessoas para colaborarem.

O PRR tem verbas para habitação mas não para ajudar os senhorios a reabilitar imóveis devolutos e metê-los no mercado de arrendamento…

As pessoas falam em imóveis devolutos e, realmente, há muitos andares devolutos em Lisboa, mas é bom que a pessoa entre numa casa que está assim. Portugal foi sujeito, desde 1948, a uma coisa que se chamou o congelamento de rendas. E as rendas ficaram congeladas. As pessoas ficaram nas casas até morrer com rendas cada vez mais baixinhas porque não foram acompanhando a inflação, etc. O que acontece? Quando essas pessoas morrem, a chave é entregue ao senhorio, o senhorio vai visitar a casa e esta está em estado de pós-guerra civil. Está destruída. Nem os ratos lá metem dentro. E outra coisa: hoje, recuperar um andar com cerca de 100 metros quadrados não fica por menos de 35 mil euros. Ponto 1, o senhorio não tem cerca de 35 mil euros porque o empreiteiro quer o dinheiro logo. E arranjar empreiteiros também é uma dificuldade muito grande. Ponto 2, se fizermos contas vai gastar os 35 mil euros e depois vai arrendar aquilo a quem? Põe-se uma casa para arrendar mesmo com uma renda relativamente baixa e as pessoas que aparecem não dão garantias. Não têm um recibo de ordenado, não têm fiador. Antigamente, a pessoa que era o fiador era a pessoa que o conhecia bem. E porque é que o patrão não era fiador? Porque sabe que não tem rendimentos para pagar uma renda de 500 euros. 

O fiador é depois chamado a pagar a conta por falta de pagamento….

Obviamente. É muito difícil arranjar fiadores, é essa a questão. Agora, as casas que estão devolutas são casas que não vão para as pessoas porque estão um brinquinho e o senhorio não aluga a casa porque é mau. Nada disso. A casa está ali à espera de obras, mas reabilitá-la é muito complicado. 

Tem dito que tem havido um ataque à dignidade dos senhorios por parte do Governo e há uma pressão muito grande em termos de impostos. O que podia ser feito para aliviar?

Há uma série de correntes de opinião que não pensam em mais nada se não, provavelmente em última análise, acabar com os proprietários. Quem tem alguma coisa de seu foram os que pouparam, ou que herdaram ou que pouparam. Mas se não pouparam eles, poupou alguém antes deles. Mas há uma corrente relativamente grande de pessoas que só hostilizam os proprietários e isso tem tido ressonância ao nível do Governo. Veja a quantidade de impostos que os proprietários pagam. O IMI está completamente desproporcionado ao prédio. O prédio pode não render nada, mas o IMI está garantido e é sempre muito elevado. E no caso das casas devolutas, a Câmara de Lisboa já está a aplicar o IMI vezes seis. A pessoa em vez de pagar 1 000 euros de IMI por ano passou a pagar 6 000 mil euros por uma casa que não dá rendimento nenhum. E depois todos os anos vai aumentando até chegar a 12 vezes mais. Não estamos a falar de casas nem de pessoas podres de ricas, nem casas de luxo. Estamos a falar de leis cegas, quando os senhorios têm de ser acarinhados. Não é serem atacados desta maneira, é uma política de terra queimada. 

Mas a penalização agrava no caso de imóveis estarem devolutos.

Exatamente, é uma penalização.

É uma pescada de rabo na boca. Se não têm dinheiro não podem fazer obras, se não podem fazer obras têm que pagar mais IMI…

Isto é de uma indignidade total, nem sei se será constitucional, estamos a ver como podemos resolver este problema. Ainda estamos a estudar isso. O que acontece é o seguinte: nenhum cidadão pode ser sujeito a estes impostos se não tiver capacidade contributiva. Este IMI é independente da capacidade contributiva. Acredito perfeitamente que as pessoas paguem impostos sobre o rendimento que auferem, tem uma certa lógica. Mas só pelo facto de ser detentor daquela propriedade, em relação a esse agravamento de 12 vezes o IMI, porque todos os anos vai agravando, não tem em conta a capacidade contributiva dos cidadãos. Isto é a Santa Inquisição moderna porque o prédio acaba por ser confiscado pelas entidades indignas. 

E os senhorios que não têm dinheiro para pagar esse IMI? 

O prédio depois é confiscado. É o único bem que tem, mas é confiscado. Sabe o que acontece? Há exemplos disso. Depois de o prédio ir parar às mãos da câmara, aí já pode estar abandonado durante 100 ou 200 anos que não há problema nenhum. Quando falamos nos 50 mil andares devolutos, era bom que se visse qual é a quantidade de andares devolutos que são propriedade da câmara. Pelo menos, os últimos números que temos em relação a Lisboa – a câmara é o principal senhorio em relação a Lisboa, 20% da população de Lisboa é inquilina da câmara – e 83% destes inquilinos pagam rendas inferiores a 50 euros. A quantidade de prédios devolutos municipais são cerca de 10 mil. Ou seja, pelo menos, 20% destes prédios são da câmara. São devolutos e estão deteriorados. E muitos desses prédios da câmara até apresentam grandes riscos de segurança.

E quando se fala tanto da necessidade de casas para arrendar, principalmente para os mais jovens, a resposta terá que ser camarária ou do Governo?

Há países, principalmente os nórdicos, que há anos já resolveram este problema e foi com habitação pública. Não há dúvidas nenhumas em relação a isso. Só um tolo é que pode pensar que vai ser um proprietário privado que vai resolver esse problema. Provavelmente continuará a haver, no mercado de arrendamento e de habitação privada, mas para este grande volume de pessoas que estão à procura de casa realmente tem que ser habitação pública, não temos dúvidas nenhumas. Nos últimos sete anos não se construiu casas para este tipo de alojamento. Se percorrer um pouco Lisboa vê que as únicas casas que se têm construído, até pelos letreiros que lá põem, são de habitação de luxo.

Até as rendas da câmara que supostamente são mais baixas, apresentam valores elevados…

Não, são rendas para pessoas com rendimentos moderados. É para tipos com cursos superiores e casais com cursos superiores e pessoas a quem não lhes falta nada. 

Com a ameaça das taxas de juro e com os bancos a restringirem concessão de crédito, isso não empurra pessoas para a necessidade do arrendamento?

Isso é uma coisa que acontece muito. Os nossos associados, na altura, que são pessoas que se fizeram proprietários, que compraram uma casa através do banco, e depois por voltas que a vida dá ou que houve divórcios ou seja o que for, as pessoas decidem, normalmente emigrar. Temos muitos associados que estão na Inglaterra, Alemanha, França, etc. E o que fazem à casa que cá têm que era deles? Arrendam. Isso acontece muito. Há muitas pessoas que são senhorios só daquele apartamento que era a casa deles.