Não adoeçam em agosto, nem no resto do ano

Faço um apelo aos cidadãos com mais de 90 anos: os senhores e as senhoras podem ter um AVC, um ataque do coração ou partir a bacia – obviamente com moderação…

por João Cerqueira

A diretora-geral da Saúde, dra. Graças Freitas, e o senhor Presidente da República, professor Marcelo Rebelo de Sousa, fizeram um apelo aos portugueses para não adoecerem em agosto. Finalmente, alguém começa a perceber como se resolvem os problemas do SNS. Ainda assim, esta terapêutica para curar as maleitas do SNS pode ser melhorada. Para salvar o SNS, os portugueses devem não apenas evitar adoecer em agosto, como também no resto do ano. Ou seja, devem preferir a saúde à doença. Podendo parecer estranha, esta opção não é muito diferente da escolha entre peúgas brancas ou pretas.

Vejamos alguns exemplos em como a escolha entre a saúde e a doença é possível.

A Netflix estreou um documentário sobre um curandeiro norueguês chamado Joralf Gjerstad que garantia curar praticamente tudo – desde depressões a problemas hormonais – com a energia transmitida pelas suas mãos. No Brasil, entre os anos 50 e 60, o caipira Zé Arigó, com apenas a terceira classe, começou a realizar operações sem anestesia; de tumores a cataratas, Zé Arigó curou milhões de doentes. E à portuguesa Maria da Conceição, conhecida pela Santa da Ladeira do Pinheiro, é também atribuída a cura de muitos doentes que a procuravam. Para os crentes, estas pessoas tinham poderes paranormais. Os cientistas duvidam e insinuam tratar-se de fraudes. Eu tenho uma teoria intermédia que vai ao encontro do apelo da dra. Graça Freitas e do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Os doentes que visitaram Gjerstad, Zé Arigó e a Santa da Ladeira do Pinheiro, percebendo ao olhar para a cara deles que estes não tinham poderes nenhuns, como não os quiseram embaraçar e acabar com o negócio, decidiram deixar de ser doentes. Escolheram, e bem, a saúde.

Portanto, em Portugal qualquer pessoa com menos de noventa anos pode fazer o mesmo. Não apenas não adoecer em Agosto para salvar o SNS, como ainda não adoecer nunca mais. É uma questão de patriotismo, decência e bom gosto. Eu próprio já aderi a esta prática salutar. Como tenho (ou melhor, tinha) uma rinite alérgica que me gera uma fonte inesgotável de ranho no nariz e espirros incontroláveis que assustam toda a gente, decidi acabar com ela. E a partir de agora sou muito mais saudável. Continuo com espirros e ranho, é verdade, mas já não lhes chamo rinite alérgica. Chamo-lhes uns palavrões que não posso escrever aqui – e está resolvido o problema. Confesso que não sei ao certo como aplicar este método a uma dor dentes, mas, até lá, hei de encontrar uma solução.

E o que é mais extraordinário neste método de erradicação das doenças pela força mental, ou pensamento mágico, é que pode ser extrapolado para outros campos. Por exemplo, o da economia.

Na opinião de muitos economistas e de algumas organizações internacionais que elaboram rankings de riqueza, competitividade e desenvolvimento, Portugal é um país doente. Não cresce há mais de vinte anos, foi ultrapassado por quase os todos países que entraram depois na EU, tornou-se menos competitivo, perdeu poder de compra, piorou a qualidade da democracia e apenas subiu no ranking da corrupção. Ora estes dados mostram um país com uma doença crónica que, devido à crise atual, só poderá agravar-se.

Felizmente temos um Governo que acredita no poder do pensamento mágico e, com curandeiros de um gabarito superior ao da Santa da Ladeira do Pinheiro, Zé Arigó e Gjerstad, conseguiu transformar o atraso português num caso de sucesso. Basta ignorar números, notícias desfavoráveis e não entrar num hospital público. Sem anestesia e apenas com o poder da voz, o primeiro-ministro realiza todas as semanas uma cirurgia psíquica: garante que Portugal está a convergir com a Europa, que registamos crescimentos históricos, aumentos históricos, recuperações históricas. Em suma, Portugal é uma história mágica de pujança económica, desenvolvimento humano e felicidade.

E a prova de que isto resulta é que se houvesse hoje eleições, o PS voltaria a ganhar. Os portugueses, as portuguesas e os não-binários não gostam de ouvir más notícias. Como tal, cidadãos e cidadãs e não binários, façam uso deste pensamento mágico que transforma o partido que vos levou à bancarrota no vosso salvador e acabem de uma vez por todas com as vossas doenças.

E agora faço um apelo aos cidadãos com mais de noventa anos: os senhores e as senhoras podem, sem remorso de traírem a pátria, ter um AVC, um ataque do coração ou partir a bacia – obviamente com moderação. Morrer seria melhor, mas, caso essa possibilidade não vos agrade, enquanto andam por aí a criar problemas ao SNS ao menos evitem o Bacalhau à Brás.