Tom Cruise. O último grande herói do cinema de Hollywood

Sem duplos, nem efeitos especiais, Tom Cruise rege-se pela intensidade da sua representação. Aos 60 anos, alcança recordes de bilheteira e ainda quer salvar o cinema em sala.

“Para fazer o meu trabalho tenho que me perguntar: Quem é Tom Cruise? O que é Tom Cruise? Por que é Tom… Cruise?”, brincava Ben Stiller, encarnando o duplo de Tom Cruise, Tom Crooze, num sketch para os MTV Movie Awards de 2000. Se há algo que se sabe à partida sobre o ator é que dispensa duplos e, por norma, dá o corpo ao manifesto. Esperava-se que aos 60 anos abrandasse o ritmo, mas como o verdadeiro adrenaline junkie que é, nem no seu aniversário no passado domingo deitou o pé ao travão. Rodeado de motores Fórmula 1, apareceu ao lado do piloto Lewis Hamilton, em Silverstone, para celebrar a data no Grande Prémio da Grã-Bretanha. Nada de estranho nisto. Além de conseguir pilotar e fazer acrobacias com os seus próprios jatos, Cruise é das poucas pessoas no mundo sem preparação a ter testado um dos monolugares mais rápidos do mundo, depois de em 2012 a Red Bull o ter convidado para fazer umas voltas no circuito de Willow Springs, na Califórnia, ao volante do carro do antigo piloto escocês David Coulthard.

Tanto no cinema, no asfalto, como no céu, o norte-americano não dispensa uma boa dose de aventura. Em miúdo já era assim, a trepar árvores e a subir a telhados, contava numa das poucas entrevistas que deu ao longo da sua carreira. Nascido a 3 de julho de 1962 em Syracuse, no estado de Nova Iorque, Thomas Cruise Mapother IV teve uma infância no mínimo instável. O pai não se aguentava durante muito tempo em nenhum emprego, obrigando a família a mudar várias vezes de casa e cidade. Como consequência, em criança frequentou 15 escolas diferentes em 12 anos, com passagens por Nova Jérsia, Saint Louis ou Otava, no Canadá.

Na escola a situação não era muito melhor. Constantemente, a ter que se adaptar a um novo ambiente, cada lugar representava uma nova adversidade, e com uma agravante: Tom era disléxico — ou um “analfabeto funcional”, como se descreveu em declarações à People. Desportista e praticante de luta livre, uma lesão num joelho, durante o secundário, deitou por terra quaisquer planos de seguir uma carreira de atleta. Como não se imaginava a continuar os estudos, a representação surgiu no seu caminho como a única saída possível.

Estreia-se numa encenação da peça Guys and Dolls ainda na escola secundária. Já de volta aos Estados Unidos, agora apenas com a mãe e com as três irmãs, aos 18 anos resolve tentar a sua sorte em audições em Nova Iorque. Em 1980, consegue a sua estreia em cinema, num pequeno papel no filme do realizador italiano Franco Zeffirelli que contava com Brooke Shields como protagonista, Um Amor Infinito. Um ano depois, um papel secundário em O Clarim da Revolta colocou-o no mapa. Essa atuação valeu-lhe um papel de destaque no filme Os Marginais, onde teve a oportunidade de trabalhar com alguns dos atores mais promissores da nova geração, como Matt Dillon ou Patrick Swayze, e acima de tudo sob a direção de Francis Ford Coppola.

Foi, contudo, como protagonista em Negócio Arriscado que saltou para a ribalta. A sua energia ficaria para sempre eternizada na famosa cena onde aparece a dançar em camisa e roupa interior ao som de Old Time Rock & Roll, uma das imagens mais icónicas do cinema da década de 80. Foi também aí que a Ray-Ban renasceu. A atravessar dificuldades financeiras, a marca de óculos de sol viu as vendas do modelo Wayfarer que o personagem de Cruise usava no filme dispararem 50%. E esta não seria a última vez que o fenómeno Cruise ditaria a tendência.

Em 1986, chegou o filme que mudaria tudo. O ator tinha 24 anos quando Top Gun – Ases Indomáveis fez dele um dos negócios menos arriscados da história do cinema. O filme rendeu cerca de 350 milhões de dólares em todo o mundo, um autêntico sucesso de bilheteiras e não só. Dizia-se que as vendas dos Ray-Ban, desta vez no modelo Aviador, tinham disparado 40%, que a Marinha norte-americana não tinha mãos a medir com tantas inscrições de aspirantes a pilotos de caças, e que os casacos de cabedal voltariam a estar na moda. Algo que só pode ser explicado pelo magnetismo do protagonista. Mesmo agora, a recuperar 36 anos depois o filme que o tornou numa mega estrela de Hollywood. Top Gun: Maverick, a sequela do filme de 1986, ultrapassou os mil milhões de dólares de receitas de bilheteira em todo o mundo, coroando-se como o filme mais rentável do ano, pelo menos até ver. É não só o filme mais rentável de Tom Cruise, mas também o primeiro do ator a ultrapassar tal fasquia, apesar de na sua carreira contar uma longa lista de filmes recebidos com grande público.

Entre 1992 e 1996, cada uma das cinco produções em que entrou ultrapassou os 100 milhões de dólares nas bilheteiras, sendo o primeiro ator a alcançar esse feito. Foi também nessa década que Cruise propôs à Paramount Missão Impossível. Originalmente, uma série de televisão, de ação e espionagem, o ator quis encarnar Ethan Hunt no cinema poupando nos efeitos visuais e imprimindo um cunho realista nos primeiros anos da era digital. Defende-se que é o melhor franchise da atualidade. “Uma máquina de entretenimento por excelência”, como rotula a crítica do New York Times Manohla Dargis.

Na era da Marvel e da Netflix, no tempo dos super-heróis e dos serviços de streaming, Cruise é talvez a última estrela que ainda faz filmes apenas para os cinemas. “Sempre gostei de ter público e fiz os meus filmes para o público, porque eu, antes de tudo, sou o público”, afirmava numa recente entrevista. Top Gun: Maverick é prova disso mesmo: tornou-se no blockbuster do Verão sem super-heróis nem artífices de imagem. Apesar de ter sido três vezes nomeado para o Óscar — pelas prestações em Jerry Maguire, Nascido a 4 de Julho e Magnólia — e nunca vitorioso, o New York Times não se acanha e diz mesmo que Cruise é a “última verdadeira estrela de cinema de Hollywood”.

Com o sucesso na carreira, vêm também as excentricidades. De acordo com o El Mundo, sempre que viaja o ator faz-se acompanhar por uma verdadeira comitiva: assistentes, maquilhadores, pelo menos oito guarda-costas, um personal trainer e até um cozinheiro que fica com uma parte da cozinha à sua inteira mercê. Em qualquer lado que fique hospedado, a sua equipa de seguranças trata de revistar cada nesga do quarto, que é depois selado até à sua chegada. À porta ficam dois seguranças armados, por turnos de 12 horas, que passam em revista novamente a área de cada vez que Cruise saia. Um autêntico protocolo digno apenas da realeza.

Neste regresso de grande visibilidade ao cinema, o tema dos seus problemas de imagem, desde os saltos no sofá de Oprah à Cientologia passando pelo fim dos casamentos com Nicole Kidman e Katie Holmes, não entra na narrativa mediática. O seu suicídio artístico deu-se a 23 de maio de 2005, quando desatou aos saltos no sofá da apresentadora mais famosa do mundo, Oprah Winfrey, aparentemente doido de felicidade e paixão pela jovem atriz Katie Holmes, com quem viria a estar casado entre 2006 e 2012.

Antes disso, durante o casamento com a atriz Nicole Kidman, com quem simulou mais de cinquenta posições sexuais no filme De Olhos Bem Fechados, de Stanley Kubrick, o ator já tinha enfrentado rumores sobre a sua orientação sexual. Na sequência do episódio do sofá, seguiram-se mais declarações bizarras. Numa entrevista com Matt Lauer num dos programas da manhã com mais audiência nos Estados Unidos, afirmou que a psiquiatria era uma pseudociência, criticando Brooke Shields por ter tomado medicamentos para tratar uma depressão pós-parto, apoiando-se na doutrina da Cientologia.

Mimi Rogers, a primeira mulher de Cruise, foi a grande responsável por arrastar o ator para o culto fundado por Lafayette Ronald Hubbard. Um dos objetivos do movimento é ajudar o indivíduo a ultrapassar as suas limitações e controlar o mundo em seu redor. Certo é que Cruise estava em roda livre quando, em 2008, surge num vídeo a promover a Igreja da Cientologia, levando a que fosse alvo de chacota pública. O que ninguém esperava era que conseguisse voltar a ser o Tom Cruise intocável que o mundo se habituara a idolatrar.