Antes que a cortina se feche

Nesta reflexão há um apelo bem claro a viver o dia-a-dia de uma forma plena, gratificante, aproveitando todas as oportunidades enquanto é tempo, e a não desperdiçar propostas que podem não voltar a aparecer.  Como ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã, é essencial agarrar o dia de hoje, quando a cortina da…

Quando há pouco tempo escrevi o artigo sobre a Casa do Artista, recebi uma curiosa e pertinente mensagem, cujo conteúdo pode abrir caminho ao tema que hoje venho abordar. 

O seu autor, Fernando Tavares, homem sempre atento e discreto mas de um extraordinário bom senso, músico experiente, há anos colaborador do conhecidíssimo e conceituado João Pedro Pais, dizia (citando Charles Chaplin): «A vida é uma peça de teatro onde não são permitidos ensaios. Portanto chora, ri e vive intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos». E em jeito de conclusão, escrevia: «É importante que a peça não termine sem aplausos… na solidão… de cadeiras arrumadas». 

Nesta reflexão há um apelo bem claro a viver o dia-a-dia de uma forma plena, gratificante, aproveitando todas as oportunidades enquanto é tempo, e a não desperdiçar propostas que podem não voltar a aparecer. 
Como ninguém sabe como vai ser o dia de amanhã, é essencial agarrar o dia de hoje, quando a cortina da nossa vida ainda está aberta e ir até onde for possível, vivendo o presente e acautelando o futuro com prudência e esperança. 
Tudo isto se pode aplicar às mais diversas situações da vida, de acordo com o ponto de vista de cada um. 

Transportando o tema para a minha área profissional, penso, por exemplo, nesta nova vaga de covid-19 com que temos sido massacrados nas últimas semanas. 
Os acontecimentos trágicos provocados pela guerra da Ucrânia, e as notícias alarmantes que vão chegando até nós, contribuíram para que quase se deixasse de falar na pandemia – que, nos últimos anos, foi tema permanente em todos os noticiários. E porquê? A covid-19 desapareceu? Já não representa perigo? Deixou de ser preocupante? Pura ilusão! Tudo continua como dantes, apenas com uma exceção: as infeções são agora mais ligeiras e a evolução para as complicações é, regra geral, muito menor, graças à vacinação.
Contudo, convém não esquecer que a doença pode deixar sequelas, entre as quais as cefaleias, o cansaço e, em casos mais graves, ameaçar mesmo a própria vida.

Tudo isto se deve, em grande parte, ao comportamento das pessoas que, ‘ávidas de liberdade’, abandonaram o uso da máscara repentinamente, deixaram de se preocupar com o distanciamento necessário e puseram de parte as elementares regras da higiene frequente das mãos. 
Salvam-se os transportes públicos onde, por imposição legal, a máscara continua a ser obrigatória; mas são muito poucos aqueles que a utilizam como antigamente. 
No fundo, passou-se do oito para o oitenta — e o resultado está à vista: cada dia que passa há novos infetados e não deve haver família nenhuma que não tenha alguém com esta doença.

Agora, que estamos a tempo e a ‘cortina ainda está aberta’, é altura de nos interrogarmos: é isto que queremos? Já não estamos preocupados com a pandemia? Vamos ignorar as recomendações dos especialistas? É de recusar a 4.ª dose de vacinação, como se vai ouvindo por aí?
Como médico, compete-me deixar aqui um alerta e fazer o meu apelo: ao entrar neste período difícil de verão onde é habitual haver festas, concertos, ajuntamentos e múltiplos encontros, não dispensemos a máscara, principalmente nos locais com muita gente; ninguém recuse a 4ª dose da vacinação quando chegar a sua vez; e, quanto ao Governo, que não tenha receio de tomar medidas mais enérgicas, se for caso disso, para não correr depois atrás do prejuízo, sendo forçado apenas a remediar, quando podia e devia ter prevenido.

É fundamental olhar para o problema seriamente, se quisermos receber os ‘aplausos no final’. Viver intensamente não dispensa ninguém das suas responsabilidades, nem significa gozar a vida sem limites e sem regras.
De facto, a vida é mesmo uma peça de teatro, apesar de não haver ensaios. As cenas somos nós que as compomos; e, enquanto atores, podemos representar melhor ou pior, se soubermos tirar partido das personagens que representamos.
Esta peça trágica, há mais de dois anos em cena, ainda está para durar. E temos de estar atentos para não sermos surpreendidos com as novas ‘alterações do texto’, que trazem sempre algo de diferente e consequências imprevisíveis. Pensemos nisto. Antes que a cortina se feche…