José Eduardo Martins: “Já me arrependi de não ter ido ao congresso do PSD”

José Eduardo Martins afasta a ideia de que Luís Montenegro está a reunir à sua volta ‘os inimigos’ por entender que ‘o PSD não tinha mais espaço para andar à cotovelada entre si’. Acredita que o novo líder tem condições para ganhar as eleições daqui a dois anos, com António Costa a ‘emigrar’ para a…

José Eduardo Martins: “Já me arrependi de não ter ido ao congresso do PSD”

O que achou do congresso do PSD? Não esteve presente, a sua ausência foi propositada?

A minha hesitação já disse tudo. Hoje tenho pena de não ter ido, porque foi um congresso que correu tão bem que me ajudou a mim e ao resto dos militantes a combater este desânimo que Rui Rio, sem ter quase consciência disso, nos foi deixando. Não fui ao congresso, mas vi do longe e até prestei bastante atenção ao congresso porque, a partir do momento em que o primeiro-ministro e o ministro das Infraestruturas se comportam como dois adolescentes que querem partir a mesa de pingue pongue da associação de estudantes, na véspera do congresso do PSD, a resposta que tinha de sair dali tinha de ser uma resposta de esperança para as pessoas. O que se passa em Inglaterra, em França e muitos outros sítios revela que as pessoas, em geral, estão fartas daquilo que lhes é oferecido, em que não veem alternativa e já estão a sentir, infelizmente, o agravar das condições sociais e que me parece inescapável de chegar a Portugal, depois de sete anos em que António Costa vendeu a sua banha da cobra. E quem olha para trás, ninguém vê a marca deste Governo. Se houver uma marca dos sete anos de António Costa é o quê? Perdi umas eleições, mas consegui governar com uns apoios que enganei e agora desprezo? É isso? Houve uma devolução de rendimento às pessoas? Houve uma ilusória devolução provocada pelo crescimento que já ia evoluir, nunca tinha visto um partido de esquerda fazer o que o PS fez de aumentar a carga fiscal pelos impostos indiretos. Achei que isto estava no manual de toda a esquerda, que pura e simplesmente não se faz, Mas foi o que fez o PS.

Os impostos indiretos não são tão sentidos…

Acho que é uma ilusão esperar que isto não se sente ou achar que os portugueses não precisam de ir à bomba de gasolina, ou achar que os portugueses não veem o custo da energia refletido em toda a cadeia de produção, ou como quando há um evento extraordinário, como temos agora, em que a inflação vai ter impacto no ganho salarial dos portugueses. Foram anos em que pôs um bocadinho mais de dinheiro no bolso das pessoas, sem nenhuma sustentabilidade, sem se reduzir a dívida, nem se consolidou coisa nenhuma, nem houve crescimento em comparação com todos aqueles que nos medimos. Também não houve nenhum investimento público, isso aliás está na origem daquela bravata pueril no meio do Governo, na semana passada, em que acho que Pedro Nuno Santos quis ser visto como o oposto de António Costa, a pessoa que podia fazer alguma coisa.

Mas tiraram-lhe o tapete…

Tiraram o tapete, mas o que acontece é que o tempo passa. Já não dá para dizer que a culpa é do Passos.

Que tem sido usado como bode expiatório?

Mas que espantosamente funcionou, só que agora está gasto. E agora temos mais três anos pela frente. Gostava de saber se o Partido Socialista, se estiver 11 anos à frente do Governo, se vai responsabilizar, depois de ter estado outros 10 anos antes e com outra maioria absoluta, ou se vai responsabilizar mais alguém pelo insucesso das políticas públicas, numa altura em que estamos a passar por um dos momentos mais críticos nos serviços públicos, que são a primeira linha de redução da pobreza em Portugal. Ter médico ou não ter médico, ter enfermeiro ou não ter enfermeiro, como aconteceu esta quinta-feira de manhã, no centro de saúde de Benfica , em que me relataram uma situação inacreditável. Ter médico, ter enfermeiro, ter apoio são coisas que contam para reduzir a pobreza. E em todas essas, o PS falhou por não ter oposição. Aliás, falhou porque não consegue e falhou também por não ter oposição.

Rui Rio foi-se desculpando com a pandemia para não fazer uma oposição forte…

Vamos pensar no futuro, não vamos perder mais tempo com Rui Rio.

A saúde foi um dos focos no discurso de encerramento do Congresso de Luís Montenegro…

Não percebi por que é que na quarta-feira não aproveitámos a moção de censura do Chega. Obviamente não para votar a favor, mas para ‘bater’ no Governo, como todos os outros partidos fizeram. Há coisas a melhorar, mas havendo coisas a melhorar dificilmente o Congresso podia ter corrido melhor e dificilmente Luís Montenegro podia ter estado melhor face às expectativas. Acho que talvez haja um naipe de ideias demasiado extenso nas sete propostas para todas serem fixadas, mas também estão naquelas sete propostas todas as que são essenciais para fazer alguma mudança e sobretudo para quem diz que não está ali a matriz social-democrata. Disse-o, e disse-o bem, que vamos passar por grandes dificuldades este ano. O nosso crescimento é ilusório porque é um crescimento estatístico face a um grande afundanço depois da pandemia. As pessoas já estão a sentir essas dificuldades com a subida das taxas de juro, com a subida dos preços da energia, com a subida galopante da inflação e vão precisar rapidamente de uma ajuda que não é muito diferente daquela que tiveram quando pararam de trabalhar na pandemia. As situações vão ser absolutamente extraordinárias e uma das coisas que apreciei muito no discurso final de Montenegro foi esta perceção do que já está a acontecer com as pessoas, que é uma consciência que sei que o PS não tem e diz respeito à dificuldade que já existe. No final deste ano, devíamos aproveitar o aumento da carga fiscal para fazer alguma redistribuição, não é caridade. A esquerda acusa sempre a direita de querer substituir a redistribuição por caridade, mas quando se usam os impostos para acorrer aos mais desfavorecidos não se faz caridade, faz-se redistribuição. E isso esteve presente no discurso de Luís Montenegro. E depois tinha duas ou três dificuldades de começar o mandato fora do Parlamento, a quatro anos de distância de umas eleições. E convenhamos que a política é um bocadinho isso. Das coisas que mais me envergonharam na vida foi uma vice-presidente do PSD, a seguir às eleições, dizer que as pessoas se tinham enganado a votar. Essa senhora não tem a pequena ideia do que veio fazer à terra. As pessoas nunca se enganam, têm sempre razão, nós é que não temos sabido chegar às pessoas. Imagino quando vivemos no nosso palácio de cristal isso seja uma surpresa pensar que as pessoas não gostem de nós. Mas é só uma surpresa para quem não conhece as pessoas. Voltando ao que interessa, Luís Montenegro tinha uma dificuldade que é enfrentar quatro anos e fazer política fora do Parlamento, mas até aí esteve muitíssimo bem, ainda melhor.

Porquê? 

Ele conseguiu e a política também é isto, não vem nenhum mal ao mundo que dentro dos partidos haja contraditório, luta política. Veja o que se está a passar no Partido Conservador em Inglaterra. E Luís Montenegro conseguiu fazer uma equipa de união a sério, claro que as pessoas também estavam muito contentes por se verem livres de Rui Rio e, por isso, estavam muito predispostas para estarem na alegria que todos estamos esta semana. Havia uma onda para dizer que quando Rui Rio se fosse embora iríamos ficar todos mais bem dispostos e isso aconteceu. Mas aconteceu mais do que isso: conseguiu pôr os dois candidatos a presidente dos últimos anos ambos a vice-presidente dele e um dos casos é curioso, porque Paulo Rangel perdeu as eleições há seis meses porque os apoiantes de Luís Montenegro acharam que não era o tempo dele e seis meses depois acaba número dois de Luís Montenegro e do partido. Política é isto. E é a maneira dele se reinventar depois daquela derrota. Mas é um quadro excelente, com Miguel Pinto Luz, Margarida Balseiro Lopes, António Leitão Amaro. O que é que Luís Montenegro fez? Teve a inteligência de ir pegar nos bons e nos novos que o partido tem para poderem ter protagonismo político fora do Parlamento – já que lá não estão porque foram todos mais ou menos purgados por Rui Rio – mas esta gente é nova, boa parte dela já com provas dadas ou então é gente com muita experiência, como Paulo Rangel. Ter uma excelente equipa com ele que lhe permite duas coisas: afastar challangers que possam existir se as eleições não forem daqui a dois anos e se só forem daqui a quatro. O único potencial challenger é Carlos Moedas e ainda tem de dar muitas provas na Câmara de Lisboa para poder ser verdadeiramente um challenger do presidente do partido. Fora disso, os outros que podiam ser candidatos fazem parte da equipa dele. 

E assim aproxima os inimigos…

Não acho que sejam inimigos, acho que as pessoas perceberam todas que, neste momento, o PSD não tinha mais espaço para andar à cotovelada entre si. As pessoas terão as suas diferenças, continuarão a ter as suas diferenças, só que o adversário é um inconsequente primeiro-ministro de sete anos, chamado António Costa, e o PSD ou cumpre o seu papel histórico de agora de ser um partido de oposição e conseguir afastar o PS ou então teria um papel sério do sobrevivência. Sinceramente, acho que este congresso afastou o desânimo que havia na cabeça de muita gente, inclusive o meu.

E como vê acusações, como a de Carlos César, a dizer ‘Montenegro é heterónimo político de Passos Coelho’?

Acusações de Carlos César são um medalha que não está para todos. As afirmações nunca se podem desligar da credibilidade do protagonista e tenho alguma dificuldade em comentar posições de Carlos César, porque é de quem já não tem nada para dizer. Joaquim Miranda Sarmento, que é o nosso novo líder parlamentar, é passista? Ou Paulo Rangel, que foi candidato contra Pedro Passos Coelho e que durante o legado de Passos Coelho era o único que ia dizendo coisas diferentes? Carlos César é uma figura que já nem imaginação tem para dizer melhor e, por isso, não merece grandes comentários, a não ser este: associam Pedro Passos Coelho a qualquer tipo de diminuição quando foi um primeiro-ministro extraordinariamente responsável e capaz. Quando foi ele que nos tirou das garras da troika, Carlos César tinha que viver cinco vezes para fazer metade do que fez Pedro Passos Coelho. A acusação é de duas formas uma medalha, porque mesmo sendo verdadeira, que não é, para mim não viria dali mal nenhum ao mundo e seguramente também não é para os eleitores de direita que estão fartos deste rame-rame.

Entrou para o PSD como militante aos 16 anos, foi deputado e ex-secretário de Estado. Alguma vez imaginou ver o PSD chegar ao estado a que chegou?

Não queria falar muito do passado, Rui Rio já voltou para ao pé do Zé Albino e isso fará todos felizes. Mas acho que nos desligámos muito das pessoas, perdemos imensos jovens e eleitorado urbano. Não tivemos protagonistas para falar a essas pessoas, mas acredito que agora já temos. Há imensa jovem que não acredita na ladainha socialista para resolver os problemas e tem suficiente memória histórica para perceber que o caminho não é o do Bloco de Esquerda. Ou seja, tínhamos uma situação complicada, tínhamos perdido o apoio de um eleitorado que era tradicionalmente nosso – o eleitorado mais velho – e que foi perdido para o PS e perdemos eleitorado jovem urbano para o Iniciativa Liberal, se calhar algumas pessoas do Chega também andariam no PSD, mas não teriam grande expressão. Aquela direita mais matarruana que o Chega representa existe em todos os partidos da direita, mas era residual e não tinha voz. 

Mas agora o Chega tem o peso que tem no Parlamento e no país…

Acho que efémero. O futuro depende apenas e só do poder de atração do PSD e das pessoas sentirem que o PSD é uma alternativa ao PS. Se as pessoas tivessem sentido nas últimas legislativas que o PSD era uma alternativa ao PS, então as pessoas não teriam ido dispersar votos com romantismo no Iniciativa Liberal ou com raiva no Chega e teriam votado mais facilmente no PSD.

Mas o Iniciativa Liberal poderá continuar a ganhar terreno…

Não vejo nisso nenhum problema, nem para o PSD, nem para o Iniciativa Liberal. Até acho que há alguma coisa a ganhar com a diversidade da direita. A direita não pode ser só um partido, como a esquerda não é só um partido. Não vejo nenhum problema nisso. Agora acho que temos condições para dizer alguma coisa ao jovem eleitorado urbano que foi votar na Iniciativa Liberal porque não quer combater o socialismo com socialismo mas não tinha no PSD uma alternativa.

Mas esse eleitorado mais jovem precisa de respostas. E há muitos problemas, como é o caso da habitação, dos baixos salários…

Pois é. Voltando ao que estava a dizer, é difícil combater o socialismo com socialismo. Temos um problema tremendo na habitação. E qual é a solução? É congelar rendas? Estagnar o mercado? O tempo de congelar rendas, o tempo de congelar o mercado de arrendamento foi o tempo em que, neste bairro em que estamos a fazer a nossa entrevista, não havia um único prédio recuperado. E, hoje, a Baixa de Lisboa está completamente recuperada, num esforço que não é só do alojamento local, porque a atividade já tem limites e a selvajaria do alojamento local foi essencialmente no tempo de uma Câmara socialista. Foi aí que os jovens saíram do centro da cidade. Nunca experimentámos uma política de arrendamento que permita que haja verdadeiro investimento e um retorno para baixar os preços. Lá está, acho que isto faz parte daquilo que estava a dizer dos sete desafios do discurso do Luís Montenegro. Repito: não se pode combater o socialismo com mais socialismo. Se falharam as políticas de habitação, temos o quê? 20 e tal anos do PS. E então?

Os resultados estão à vista?

Os resultados estão à vista. E se falhou vamos fazer mais do mesmo? Mas o único problema não é a habitação. Esta é para os jovens o mais impactante. O salário médio, ao contrário do que o primeiro-ministro imagina, não se eleva por mágica. E a subida do mínimo tornou, basicamente, o médio ainda mais baixo. Conclusão: temos uma média salarial baixíssima que faz cada vez mais jovens emigrar. Não estamos preparados e agora será ainda pior com a inflação, que não cai a todos da mesma maneira. Temos um conjunto de problemas a agravarem-se, em geral, quer nos serviços públicos quer nas políticas públicas: na educação, na saúde e na habituação. Nenhuma das respostas do PS funcionou. Nenhuma.

Apesar de todas as promessas…

Nem estou a falar de coisas como o programa da Justiça, que ficou completamente por executar. Quem se der ao trabalho de ir ver o que foram as promessas do programa eleitoral do PS em 2017 e 2021 – que são praticamente iguais – e se as for confrontar com o resultado vê que ficou tudo igual. Mudou alguma coisa? Passaram sete anos e quantas casas foram feitas? Quase nenhumas. Depois do que se passou na semana passada no Governo e no fim de semana no Congresso do PSD é um tempo de dar esperança às pessoas, apesar de ainda termos dois anos para suportar António Costa antes de ir estrear a sua vida europeia e que Luís Montenegro venha ganhar as eleições a Pedro Nuno Santos.

Mas para isso tem que haver eleições antecipadas.

Ainda hoje ouvi um comentador na rádio a dizer que este Governo era pior que o anterior. Oh, valha-nos Deus! É exatamente o mesmo. Não houve capacidade nenhuma de recrutar ninguém novo e é, por isso, que há mais pessoal político do PS. É uma coisa que nunca aconteceu. Um Governo gasta quem der uma maioria absoluta. É difícil que dure quatro anos porque é um Governo demasiado gasto nas suas contradições para durar quatro anos.

E tornou a situação de Pedro Nuno Santos mais frágil? Acredita que António Costa não sabia?

Claro que sabia. Então o LNEC sabia, a ANA sabia, o presidente da Câmara de Lisboa sabia… qualquer dia até aqui o meu estagiário sabia e a única pessoa que não sabia que havia uma solução que até se tinha trabalhado com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil era o primeiro-ministro? Claro que não. O primeiro-ministro aproveitou foi a bravata do ministro – que também foi uma coisa um bocadinho extraordinária – de achar que não ia ser desautorizado se marcasse o Congresso do PSD e se mostrasse como o fazedor contra o seu primeiro-ministro que não faz nada. Acho que ele achava que António Costa não iria ter coragem de o desautorizar, as coisas azedaram e foi mesmo desautorizado. Mas sabe o que acho que resulta no fim disso tudo? Parece-me que quem sai reforçado não é o primeiro-ministro é mesmo Pedro Nuno Santos. Toda a gente achou que o gesto do primeiro-ministro era feio, que era feio com os seus e ninguém acreditou que o primeiro-ministro não soubesse.

Mas segurou o ministro, como já  tinha feito no mandato anterior com Eduardo Cabrita..

Mas isso é diferente. António Costa  é muito egoísta e só pensa nele e isso vê-se na maneira como conquistou o poder no PS e como depois conquistou o primeiro cargo de primeiro-ministro. Manteve o ministro Eduardo Cabrita, como também tinha mantido a ministra Constança Urbano de Sousa e todos os outros, mas manteve-os porque, como diz o povo, já que estavam queimados continuavam a fazer de escudo. Se tivessem podido sair mais cedo não teriam dado cabo das respetivas carreiras políticas. Mas isso é para o lado que o primeiro-ministro dorme melhor, desde que esteja protegido. Quem tem dúvidas disso é porque não quis observar. O caso do Pedro Nuno Santos é diferente. O Pedro Nuno Santos é verdadeiramente o challanger dentro do PS. Por mais que reconheçamos qualidades à ministra, por exemplo, Mariana Vieira da Silva, não a imagina líder do PS, e eu também não e o PS também não. E o PS já só se imagina com um líder próximo que é o Pedro Nuno Santos. E, portanto, um bocado à inglesa, a luta dentro do PS está dentro do Governo aos olhos de todos. Se António Costa se for embora daqui a dois anos, o adversário de Luís Montenegro será Pedro Nuno Santos e acho que isso é mais uma vantagem para o Luís Montenegro.

Há pouco disse que Passos Coelho ‘arrumou’ as coisas. Durante a moção de censura, António Costa disse que Portugal era um país de confiança e com estabilidade política e contas certas. Uma frase de Mário Centeno que continua em vigor…

É uma homenagem a Pedro Passos Coelho, que fez a redução do défice mais histórica que Portugal teve. Uma circunstância difícil, em que não tínhamos acesso sequer aos mercados ou ao crédito internacional. Governou três anos sem autonomia política porque a herdou e tirou Portugal do procedimento por défice excessivo. Vejo essa declaração do PS para conquistar o centro e aquele eleitorado do PSD para dizer que somos como Passos Coelho: também sabemos retirar Portugal de levar um garrote ou de ficar sem financiamento, porque temos contas certas. Certo que o resultado dessas contas certas vieram de políticas públicas que produziram duas coisas: em primeiro lugar não fizeram uma consolidação sustentada. Nenhuma das variáveis absolutamente estruturantes da despesa pública teve qualquer mudança. E por não ter sustentabilidade não resistiu, como se viu, ao primeiro choque como a pandemia e agora com a guerra. Infelizmente, num país desprovido de capital, espera-se que não seja só o PSD a ter uma matriz keynesiana. Mas o PS, desde o aumento dos impostos indiretos à redução do investimento público, fez tudo para merecer não ser apoiado pela esquerda que até hoje continua meio atordoada sem perceber o que lhe aconteceu na ‘geringonça’ e a bater palmas a estes disparates.

O PCP acenou com para um grande descontentamento nas ruas, mas para já continua apático?

Não, acho que houve  um tempo de instalação de tudo e agora está a ser o tempo da instalação da inflação e do aumento dos juros no verão. Vamos voltar em setembro já com muitas famílias em dificuldades. Mas isso é natural. Quando a desigualdade aumenta, a conflitualidade social também sobe, o que é normal. Outra coisa normal é que o PCP, que enquanto partido tem vindo a minguar, agora ainda mais minguou por via destas posições meias anacrónicas sobre o conflito internacional, o PCP precisa de mostrar uma prova de força que, apesar de tudo, o BE não tem, que é a existência sindical. Mas não vai haver só greves porque o PCP as instiga. Vai haver greves porque as pessoas estão a ficar fartas.

Costa acenou com 1,6 mil milhões para combater a inflação. É suficiente?

Luís Montenegro tem toda a razão. É preciso racionalizar recursos para fazer um pacote de emergência para combater a desigualdade. Se os partidos moderados – e isso foi muito inteligente ter sido dito por um líder do PSD – se não são os partidos moderados a combater a desigualdade, os partidos dos extremos vão dar cabo da democracia. Espero que esta crescente desigualdade não nos faça a todos ficarmos reféns ou do BE ou do Chega. 

Marcelo Rebelo de Sousa vai interferir mais nesta governação?

Hum… Pelo menos no caso do aeroporto houve ali um puxão de orelhas… Espero que sim, mas não tenho visto isso.

E o PRR? Tem sido visto como uma tábua de salvação, parece que vai resolver todos os nosso problemas, mas as notícias desta semana não têm sido muito animadoras…

Não correu bem, não é? Apesar de todos os apelos à volta da transparência e com a criação de comissões de acompanhamento. Para o PS é sempre assim, uma vez nomeada uma comissão está resolvida a questão. A verdade é que as comissões só se nomeiam para esconder os problemas que existem. Notas rápidas sobre isso sem conhecer em grande detalhe: a primeira ideia que ouvi é que quase metade das verbas foram atribuídas a uma empresa. Isso desde logo dito assim é de terceiro mundista. Não há nenhuma justificação para isso. A única justificação para isso ser tudo normal –  e não duvido que seja – é um falhanço tremendo do PRR. Vamos lá ver, não houve mobilização para nada, não houve tecido empresarial para nada, não houve Portugal. Se 40% das verbas são dadas a uma empresa então o país não existe. Significa que não há mais nada, não houve candidaturas, não houve o resto. A segunda que achei patusca ter sido dada a uma empresa que tem no seu portfólio uma empresa de comunicação social, apesar se dizerem: ‘Não, não, isto é só para comprar barcos’. Então mas essa empresa não é a mesma empresa que é dona da comunicação social? Não ficou mais forte? É mesmo preciso um advogado para explicar o que é que essa empresa mudou quando foi reforçada com este empréstimo? Terceiro lugar: no dia seguinte é alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária num dos barcos. Isto dá vontade de uma pessoa pegar num livro e ir de férias porque este filme já vi.