Reino Unido. Começou a corrida ao posto de Boris

Rishi Sunak, o mais rico político britânico, que iniciou o dominó que derrubou Boris, é um dos favoritos. 

Começou a corrida para substituir Boris Johnson. Entre os favoritos estão a ministra dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, o ministro da Defesa, Ben Wallace, bem como Rishi Sunak, um dos próprios dirigentes que iniciou o dominó de demissões que derrubou o primeiro-ministro. Sunak – o único político britânico que alguma vez entrou na lista das famílias mais ricas do Sunday Times, com uma fortuna avaliada no equivalente a 863 milhões de euros – começou a semana como ministro das Finanças de Johnson. E acabou anunciando uma candidatura ao posto deste, esta sexta-feira.

As regras exatas e o calendário da disputa pela liderança do partido conservador – e, sendo este o partido mais votado, do Governo do Reino Unido – só deverão ser conhecidas a partir desta segunda-feira. Estando essa decisão nas mãos  do comité 1922, que representa os deputados conservadores fora do Governo. 

Lá que Sunak tem dinheiro mais do que suficiente para contratar uma equipa de marketing de luxo, tem. Mas a velocidade com que esta montou um vídeo de campanha extremamente profissional só aumentou as suspeitas da imprensa britânica de que as manobras do antigo ministro das Finanças contra Johnson estavam a ser preparadas há muito. O facto de a demissão de Sunak, na noite de terça-feira, ter surgido com minutos de diferença de outro peso pesado dos conservadores, o então ministro da Saúde, Sajid Javid, só reforça essa perceção. 

Após a liderança de Johnson, descrito como um mentiroso bonacheirão pelos seus opositores, apresentando-se propositadamente descomposto – certa vez, vídeos seus antes de um debate mostraram-no a despentear-se propositadamente, para ficar com o seu famoso penteado desgrenhado – e sendo conhecido pelas suas gaffes, Sunak apresentou-se como um «candidato sério para tempos sérios», num momento em que o Reino Unido enfrenta um brutal aumento do custo de vida.

Ao mesmo tempo, no seu vídeo de anúncio de candidatura, o antigo ministro das Finanças mostrou-se bem consciente das fraturas internas do seu partido. Este está dividido entre os que têm como prioridade medidas duras quanto à imigração – ou seja, a ala dos chamados brexiteers de linha dura – e aqueles que se querem focar sobretudo numa política austeritária, com cortes nos serviços públicos, mas também nos impostos sobre as empresas.

Sunak, enquanto ministro das Finanças, sempre se colocou do lado destes últimos, chegando a colidir com o então primeiro-ministro, que era um pouco menos avesso a despesas públicas. O próprio Johnson, no seu discurso de despedida, pareceu dar a entender que considerava que esta ala dominaria o futuro do Partido Conservador, indicando que o seu eventual sucessor teria como prioridade cortar impostos. 

De facto, é provável que o vídeo de candidatura de Sunak não caia bem a alguns brexiteers de linha dura, parecendo mostrar alguma abertura – pelo menos a nível retórico  – quanto à imigração. Tendo Sunak feito questão de frisar os antecedentes dos seus pais, oriundos do Punjab, na Índia, passando pelo Quénia e Tanzânia e imigrando para Southampton. O Reino Unido «deu-lhes, e a milhões de pessoas como eles, a hipótese de um futuro melhor», descreveu o antigo ministro das Finanças. E explicou que quer  que «todos neste país tenham as mesmas oportunidades».

«Foi aí que a minha história começou», recordou Sunak. Esqueceu-se de mencionar que o grosso da fortuna da família veio do seu casamento com Akshata Murty, filha do bilionário indiano Narayana Murthy. Um matrimónio que lhe deu um incrível desafogo financeiro, mas também dissabores políticos, após o Independent ter avançado em abril que Murty evitara pagar milhões de libras ao Estado britânico, declarando os seus impostos na Índia, ao mesmo tempo que o seu marido era ministro das Finanças. O escândalo abalou a popularidade de Sunak, que até então era dado como uma estrela ascendente entre os conservadores.

O antigo ministro das Finanças já se gabou de ter assegurado o apoio de entre 80 a cem deputados conservadores à sua candidatura. Uma sondagem publicada, pelo Channel 4  esta sexta-feira, a militantes conservadores – que são, na prática, quem decidirá o próximo primeiro-ministro britânico – indica que este é o favorito de 25% dos militantes, sendo seguido de perto por Liz Truss, com 21%, seguida por Ben Wallace, com 12%.

Maré contra Boris 
Desde o escândalo Partygate, que fez a popularidade de Johnson afundar, após se saber que o seu Executivo sistematicamente quebrara as regras de confinamento que impusera ao resto do Reino Unido, que o primeiro-ministro era dado como um morto-vivo político. A invasão da Ucrânia, perante a qual Johnson se afirmou como grande proponente da linha dura contra o Kremlin, ainda lhe deu algum gás. Contudo, ainda assim, a dúvida não era tanto se os conservadores se virariam contra ele, mas sobretudo quando.

Não é claro porque é que decidiram que agora – após se saber que o primeiro-ministro, estando consciente que o deputado Christopher Pincher era alvo de acusações de assédio sexual, inclusive contra colegas, fora nomeado nº2 do whip, ou seja, como  responsável da disciplina da bancada parlamentar – era o momento certo para tal. A liderança conservadora já tinha ignorado uma longa lista de escândalos envolvendo o primeiro-ministro.

«Dentro da lógica que existe dentro do partido conservador, isso também me apanhou de surpresa», admitiu ao i Bruno Santos Fonseca, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), que se está a especializar na política britânica. «Houve tantos escândalos e só agora avançarem para renúncias em catadupa… Não vejo grande motivo, porque todos os outros escândalos, em comparação, foram maiores».

Talvez seja porque «este escândalo, se formos a ver, é o que está mais relacionado com o partido em si», aponta Fonseca. Já havia queixas internas quanto ao comportamento de Pinsher há muito, tendo a imprensa britânica avançado que este até precisava de um chaperone nomeado pelo partido, não fosse embriagar-se e assediar pessoas, tendo sido posto a cargo da disciplina parlamentar pela sua enorme lealdade ao primeiro-ministro. E, na prática, quem decidia se Johnson ficava ou não eram os deputados conservadores.

A fúria de alguns pode ter levado outros a tentar apanhar o comboio, como acusou Johnson, queixando-se que «em Westminster, a mentalidade de rebanho é forte». E reconhecendo, na sua despedida à porta do nº10 de Downing Street, que «quando o rebanho se move, move-se». 

Claro que a crescente impopularidade de Johnson entre o público britânico, bem como as recentes derrotas dos conservadores nas eleições intercalares, criando receios na liderança de que a sua maioria estivesse em causa, também poderão ter sido um fator nas manobras que o derrubaram. Aliás, na noite em que Javid e Sunak se demitiram, quase 70% dos britânicos exigiam que Johnson saísse do seu posto, mostrava uma sondagem rápida da YouGov. E mesmo entre eleitores conservadores só 33% queriam que este ficasse.