Uber. Fuga de informação revela táticas agressivas

Uma investigação do ICIJ revelou que a Uber tentou dificultar investigações judiciais e teve apoio no seu lobby de figuras como Macron.

Os segredos sujos da expansão global da Uber viram a luz do dia. Mais de 124 mil documentos internos deste gigante foram obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa), revelando um padrão de tentativas de evadir as forças de segurança, bem como táticas agressivas de lobby, envolvendo figuras como o Presidente francês, Emmanuel Macron, bem como dirigentes da Administração de Barack Obama – que tinha como seu vice Joe Biden – ou Neelie Kroes, uma antiga vice-presidente da Comissão Europeia.

Os ficheiros documentam atividade da Uber entre 2013 e 2017, quando a esta multinacional sediada em São Francisco estava ativa em mais de 40 países, tentando ganhar o mercado dos transportes individuais e evitar a legislação que regulava as empresas de táxis. Aliás, administradores da Uber tinham perfeita noção que a atividade da empresa quebrava a lei de diversos países, tendo um dos seus executivos brincado que se tinham tornado “piratas”, avançou o Guardian, um dos meios de comunicação que colaborou na investigação do ICIJ, enquanto outro comentava de forma trocista: “Estamos ilegais”.

Recorde-se que, à época, a Uber não era tão dominante como hoje. E a sua entrada no mercado causou grandes protestos entre taxistas, inclusive em Portugal, alguns dos quais se tornaram violentos. Condutores desta multinacional foram alvo de violência por taxistas furiosos em diversos países europeus.

Contudo, a “violência garante sucesso”, escreveu o então diretor-executivo da Uber, Travis Kalanick, numa mensagem para outros elementos da administração, em janeiro de 2016, quando taxistas franceses lançavam protestos por todos o país, destruindo carros de motoristas da Uber e esmurrando um deles em Lille. Um antigo executivo da Uber chegou a admitir ao Guardian que sentiu que, na altura, Kalanick “usara condutores como arma”, de maneira a “manter a controvérsia a arder”, de pôr o público do seu lado e reforçar os seus esforços de lobby. 

Aí, esta multinacional de São Francisco contava com o apoio entusiástico de figuras tão influentes quanto Macron, enquanto estava no posto de ministro da Economia francês, entre 2014 e 2016. “Vamos manter-nos em contacto e progredir juntos”, chegou a escrever o futuro Presidente, numa mensagem a Kalanick, explicando-lhe que conseguira um acordo – o resto do Governo, então liderado pelo socialista Manuel Valls, estava muito dividido quanto à Uber – para conseguir regras mais favoráveis a esta multinacional.

Apesar desta relação aparentemente tão próxima, o futuro Presidente não se deu ao trabalho de marcar no seu calendário público os quatro encontros com Kalanick mencionados nos documentos da internos da Uber, havendo registos de apenas um deles. Afinal, França sempre foi conhecida como um país onde os direitos laborais são um assunto quente, e a chegada da Uber deixara muita gente desconfortável, podendo pôr em causa as ambições de Macron, que teria como bandeira política a criação de uma “nação start-up”.

Já a Comissão Europeia tem sido alvo de críticas pela descoberta de que a holandesa Neelie Kroes, que saiu do posto de vice-presidente da Comissão Europeia em 2014, se ofereceu à Uber para tratar de arranjar reuniões com dirigentes do Governo da Holanda, durante o período em que é esperado que comissários tenham restrições nas suas atividades empresariais.

A questão é que, à época, a Uber temia arranjar problemas nos Países Baixos. Aliás, no ano seguinte a sua sede neste país até seria alvo de buscas pela polícia holandesa. Levando executivos da Uber a ordenar aos seus funcionários que usassem mecanismo desenhado para bloquear o acesso às suas redes em caso de buscas, dificultando a investigação das autoridades.