Trump e Boris, a liderança dos impreparados

Este texto não pretende ser um exercício de moralidade, mas um mero desabafo, com sentimento de que estamos a perder valores essenciais ao regime que dizemos defender.

Por Francisco Gonçalves

Nas últimas semanas, os cidadãos norte-americanos e britânicos descobriram ter razões para deitar as mãos à cabeça, com o que se vem sabendo sobre as pessoas que lideraram os seus países.

A ex-assessora da Casa Branca, Cassidy Hutchisson, no seu depoimento na comissão que investiga os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 (quando uma multidão de apoiantes de Donald Trump atacou o Capitólio, em Washington), contou que, o então presidente, deu ordem ao seu motorista (que pertence aos serviços secretos norte-americanos) para se dirigir ao Capitólio, onde se queria juntar à multidão. Quando o agente desobedeceu à ordem, Trump tentou agarrar o volante, tendo de ser controlado e levado para a Casa Branca.

No Reino Unido, depois de Boris Johnson ter sobrevivido à crise política das festas em Downing Street durante o confinamento, soube-se que o primeiro-ministro nomeou Chris Pincher para vice-presidente da bancada parlamentar do seu partido, sabendo de inúmeras queixas de assédio sexual que pendiam sobre aquele deputado. O episódio levou finalmente à demissão de quem ia sobrevivendo de crise em crise.

A senhora Cassidy Hutchisson ou o senhor Chris Pincher são personagens menores na ópera bufa em que se estão a transformar as democracias ocidentais. As lideranças ora são entregues a impreparados, ora a gente de moral frouxa. 

Trump ou Johnson foram eleitos, quem os elegeu? De Trump, em plena campanha eleitoral, soube-se de como se gabava de, por ser famoso, apalpar mulheres que, dizia, ficarem sem saber o que fazer. 

Há, naturalmente, demasiadas questões para serem tratadas numa curtíssima crónica semanal, mas há véus que importa levantar.

Os partidos tradicionais estão em crise um pouco por todo o lado. O centro político está em erosão, sofrem as instituições e sofre a credibilidade, não apenas destas, mas também dos próprios regimes. 

Note-se como se perdeu o cursus honorum. Sabemos que é nos momentos mais complexos que as lideranças se elevam e que a nossa longa estabilidade é propícia a um certo baixar da qualidade geral dos representantes, mas tanto?

Vivemos num misto de falta de preparação técnica (e política) com muito relativismo moral, que permite que erros graves sejam aceitáveis com um ligeiro pedido de desculpas, que se eleja um presidente que apalpa mulheres ou que um primeiro-ministro em funções nomeie alguém que apalpa pessoas em festas.

Há cerca de duas décadas, na sequência da queda da ponte de Entre-os-Rios, Jorge Coelho demitia-se, sem responsabilidade direta, afirmando que «a culpa não podia morrer solteira». 

Este texto não pretende ser um exercício de moralidade, mas um mero desabafo, com sentimento de que estamos a perder valores essenciais ao regime que dizemos defender. A Democracia é, sobretudo, o regime da decência. Isso obriga a ter políticos preparados, capazes de estar à altura dos cargos que desempenham.

Os custos dos EUA terem tido um Donald Trump como presidente, ou do Reino Unido ter tido um Boris Johnson como primeiro-ministro, estão longe de estar calculados. Quanto tem custado a Portugal ter permitido o ‘abandalhamento’ do regime e da seleção do pessoal político? No nosso caso é mais simples: mede-se em anos de atraso. «O fraco rei faz fraca a forte gente…».

P.S. – Nestas semanas de embaraço, as mulheres viram recuar os seus direitos na luta por uma igualdade que deveria ser um dado objetivo. Os norte-americanos elegeram um Presidente que dizia ‘Grab them by the pussy’. Qual igualdade?